“Em Portugal é muito barato fazer mass media, a televisão é muito barata”. Luís Santos, da Volvo, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Luís Santos, diretor de marketing da Volvo, acredita que “quando perdemos a curiosidade, uma parte de nós morre”, aplicando isso à sua vida e ao marketing. Toca piano e já visitou a Coreia do Norte.

Em Portugal é muito barato fazer mass media. A televisão é muito barata“. As palavras são de Luís Santos, diretor de marketing, comunicação e customer experience da Volvo Car Portugal, que diz inclusive que os seus colegas de outros países “nem sempre compreendem” a realidade portuguesa e o porquê de se querer sempre apostar em televisão em Portugal, quando se lança uma campanha para implementar um novo modelo da marca.

A televisão continua a ter um papel muito forte e muito presente. É super competitivo [em termos relação benefício-preço] e, de facto, dá notoriedade“, acrescenta em conversa com o +M.

No entanto, o digital “continua a fazer muito sentido” por permitir perceber “exatamente quem são os consumidores que estão neste momento no mercado para comprar automóvel”, e por ser o canal mais eficaz para se “conseguir atingir as pessoas certas no momento certo, no local certo”.

“Numa população de 10 milhões, teremos 1% de pessoas que vão ou estão a considerar mudar de carro este ano. Não vale a pena comunicar para todo o lado e estar em todo o lado, porque vai ser desperdício. Devemos ter alguns meios que permitam ter uma grande cobertura — e a televisão faz esse efeito, assim como o outdoor — mas também apostar noutros meios onde devemos adequar a mensagem, algo que estamos a fazer através de redes sociais, do programmatic ou da nossa app, por exemplo”, explica o responsável pelo marketing, comunicação e customer experience da Volvo Car Portugal.

Além disso, tem também sido possível medir resultados cada vez melhor — desde as visitas ao site e pesquisas no Google até às propostas de negócio realizadas –, o que tem permitido perceber o efeito da comunicação. “Já conseguimos perceber exatamente que, se fizermos uma campanha hoje, daqui a 4 a 6 semanas, vamos começar a ver efeitos em termos de conversão e de vendas. Não é imediato, porque isto não é um champô, demora mais tempo, mas vemos esse efeito. A comunicação está também a ficar cada vez mais profissionalizada nesse sentido“, aponta o responsável.

Definindo a comunicação da Volvo em Portugal, Luís Santos diz que esta prima pela proximidade e empatia. “Nós ouvimos claramente o consumidor, somos muito humanos. Se for preciso eu falo com clientes, não há problema”, diz. Isto porque o cliente tem de ser “sempre colocado em primeiro lugar”.

“Se um cliente pagou 100 mil euros para comprar um automóvel, é natural que queira o melhor serviço possível e temos que fazer o possível e o impossível para responder a estas pessoas e às suas necessidades”, aponta. “E se o cliente tiver uma experiência menos positiva, eu tenho de ter essa capacidade de assumir e de falar com o cliente”, acrescenta.

Há cerca de dois meses na função de diretor diretor de marketing, comunicação e customer experience, o que Luís Santos tem de garantir, “acima de tudo”, é que aquilo que faz em termos de comunicação ou de marca acaba por ser “refletido” na experiência que é dada aos consumidores.

“A parte da comunicação é mais fácil de garantir, porque está mais intimamente dependente de nós. É óbvio que a campanha criativa tem de ser boa, assim como o seu planeamento, mas hoje em dia as coisas já são feitas de forma tão profissionalizada, que não vejo aí grande desafio. O maior desafio passa por, sendo a Volvo uma marca premium, garantir que toda a experiência dos consumidores reflete isso mesmo, desde o nosso website, às redes sociais, ou à assistência de viagem. Tudo tem de ser excelente, premium, e estar alinhado com a marca. Se não for, cai tudo por terra, e depois temos de ser reativos em vez de ser proativos”, explica.

Luís Santos conta com uma equipa constituída por mais três pessoas, uma em customer experience, outra em relações públicas e outra pessoa em marketing. Além disso, conta com o apoio da agência Initiative no planeamento de meios. Em termos de criatividade, esta é feita sobretudo ao nível de adaptações de trabalhos desenvolvidos internamente pela marca a nível internacional, sendo que quando é preciso alguma coisa “um bocadinho diferente”, a Volvo conta com o apoio da Burson, agência que também trabalha as redes sociais e a estratégia de influenciadores da marca automóvel de origem sueca.

Nascido em 1979 — pelo que tem dúvidas se já é considerado millennial ou se ainda pertence à geração X — Luís Santos teve desde a infância uma grande paixão por máquinas em geral, assim como curiosidade em perceber como é que as diferentes coisas (principalmente tecnológicas) funcionam e moldam o comportamento humano.

Entrar em engenharia informática foi assim uma “escolha natural”, numa altura em que também havia uma “grande pressão” por parte dos pais nessa altura que “queriam que os filhos fossem médicos ou fossem para informática, porque era aquilo que se dizia que estava a dar na altura”, recorda.

No entanto, ficou “extremamente desiludido” após os primeiros dois anos, uma vez que o curso “não era nada do que pensava”, tendo pouco de tecnologia e muito de programação “pura e dura”, o que não o seduziu.

Entretanto, começou a trabalhar na área do retalho, no Continente, passando depois para a Fnac, onde fez de “tudo o que havia para fazer” ligado à área do consumer experience. Não tendo chegado a acabar engenharia informática, passados alguns anos voltou à universidade para tirar uma licenciatura em marketing, relações públicas e publicidade, fazendo depois também pós-graduações em marketing e em business intelligence.

Foi evoluindo dentro da Fnac, tendo ficado responsável pela vertente de gestão do relacionamento com o cliente (CRM) da Fnac em Portugal, nomeadamente pelo Cartão Fnac, que é “um caso de sucesso a nível nacional em termos de cartões e programas de fidelização”, diz. Foi depois desafiado a liderar o marketing digital da Fnac, estando envolvido no lançamento da marca nas redes sociais, “numa altura em que o Facebook ainda estava a dar os primeiros passos”.

Embora a experiência no retalho tenha sido “muito interessante” por lhe ter dado “uma visão mais de negócio”, além da “visão pura do marketing e da comunicação”, Luís Santos sentiu necessidade de mudar, pelo que se juntou como head of loyalty, digital, social media & customer experience à Kinda Home, uma loja de mobiliário e decoração que tinha sido lançada há pouco tempo. Foi em 2020 que se juntou então à Volvo Car Portugal como loyalty & brand manager.

“E é curioso como todo o percurso que eu entendo ter feito, mais ligado a esta parte tecnológica, de marketing e consumer experiencie, no fundo foi um background que se foi consolidando e onde fui ganhando o conhecimento para estar onde estou hoje em dia”, aponta.

Espírito de viajante e adepto da IA

Casado com uma enfermeira e a viver em Lisboa, perto do Lumiar, com duas filhas — uma de oito e outra de 11 — Luís Santos viveu antes disso em Almada, durante mais de duas décadas, tendo sido “contaminado por tudo o que era o movimento de margem sul dos anos 80 e 90”.

Influenciado pelos pais, tocou piano quando era pequeno, instrumento que aprendeu de uma forma muito tradicional, tocando os clássicos, algo que detestava, pelo que quando chegou aos 14 anos deixou essa prática. No entanto, há uns anos “redescobriu” o prazer de tocar piano — instrumento que tem em casa –, incentivado principalmente pelo facto de agora poder escolher as músicas que toca.

Gosta também bastante de correr, o que fazia bastante (incluindo meias-maratonas), mas uma fascite plantar veio impossibilitar a continuação dessa prática, pelo que atualmente faz ginásio, onde, motivado pelo espírito de convívio, prefere fazer aulas de grupo.

Considerando-se uma pessoa muito pragmática, gosta mais de escutar do que propriamente de falar, sendo também muito curioso. “Quando perdemos a curiosidade, uma parte de nós morre“, diz. É também nesse sentido que adora aprender, em especial no que diz respeito às áreas mais ligadas ao marketing e à sociedade, tendo cada vez mais curiosidade sobre temas políticos mas também sobre inteligência artificial (IA). Luís Santos tem, aliás, vindo a usar cada vez mais a IA na sua vida, acreditando que quem não o fizer “vai perder o comboio”.

“Mas o que continuo a sentir que falta é o que vai para lá da utilização da IA, porque ainda vejo muita gente a utilizá-la sem um sentido crítico e sem avaliar o que a IA lhes dá. Mas a IA pode ser, de facto, uma excelente ferramenta para quebrar gelo, começar uma discussão, consolidar ideias. Dessa perspetiva faz todo o sentido e tenho usado bastante”, diz.

“E ao contrário do que vejo em muitas publicações no LinkedIn, onde se defende que com a inteligência artificial o papel do marketing vai ser muito reduzido, acho que a IA vai ser uma ferramenta — mais uma — para fazermos o nosso trabalho e sermos muito mais produtivos”, acrescenta.

As viagens são para si uma paixão sendo que, se pudesse, “desligava e ia por aí, sem grandes planos, de mochila às costas, pelos lugares mais recônditos do mundo“. Tenho uma curiosidade muito grande em perceber aquilo que não percebo à partida“, diz, dando como exemplo a visita que já fez à Coreia do Norte, motivado por uma “curiosidade muito grande em perceber como é que é um país daqueles”.

“Tinha curiosidade em saber se a imagem que é projetada cá para fora é a verdadeira, de como é que são de facto as pessoas que lá vivem e se estas têm noção de que o seu país é visto da forma como o vemos. E por isso meti na cabeça que tinha de visitar a Coreia do Norte e consegui. Não foi difícil reservar e ir, foi só preciso um desbloqueio inicial, e depois gostei muito da viagem”, recorda.

“É verdade que aquilo é extremamente controlado e é muito difícil conseguirmos ter um contacto genuíno e sincero com habitantes locais, estamos sempre com dois guias a todos os momentos”, diz. “Mas à minha frente não vi pobreza, vi pessoas e as suas famílias, que gostam de ir para um jardim num domingo à tarde fazer um piquenique, vi casamentos com as pessoas a celebrarem — o que não foi ensaiado, porque calhou passarmos ali — e a própria forma como os locais falavam dos ocidentais ou mesmo dos norte-americanos, não era de todo a dizerem que eram maus ou opressivos, mas sim de que tinham pena pela forma como os encaram”, acrescenta.

Da viagem recorda não ter tido “um único momento” em que se sentisse perigo ou que pensasse que os locais eram más pessoas. “Costumo dizer que não há pessoas más no mundo, o que existem são diferentes perspetivas de vida. Quando temos dificuldade em perceber a perspetiva de outra pessoa ou quando não temos a tolerância de ver o lado de outra pessoa, então talvez isso nos torne também em pessoas menos boas ou, pelo menos, mais limitadas”.

Se tivéssemos todos, no momento atual do mundo, essa capacidade de ver a perspetiva do outro, tenho a certeza de que muitos dos problemas que hoje existem e que estão a escalar seriam provavelmente mais mitigados“, conclui.

Luís Santos em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

A nível nacional, “Can’t skip Portugal”, do Turismo de Portugal. Para mim, um motivo de orgulho e um ponto de viragem sobre como Portugal é apresentado lá fora: uma narrativa inspiradora, suportada por dados de pesquisa sobre comportamento em viagem, consegue colocar o país no mapa global sem cair em clichés do pastel de nata. É uma prova de que criatividade e performance podem e devem coexistir.

Já a nível internacional, destaco “Think Different” da Apple. Revolucionou a conversa: ignorou especificações, dados de produto, falou de propósito e convidou-nos a fazer parte da tribo dos que mudam o mundo. Minimalista no texto, icónica nas imagens, corajosa na ambição, a campanha reposicionou a marca e inspirou consumidores em apenas 60 segundos. Para mim o expoente máximo de comunicação que vende uma visão antes de vender um produto. E é um pouco isso que vejo também na comunicação da Volvo. As pessoas não querem especificações técnicas, querem sim perceber o que é que aquele produto lhes vai facilitar e proporcionar uma melhor vida.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

Dizer não a uma boa ideia que, apesar de ser fantástica, não serve o propósito da marca ou o objetivo inicial. Às vezes deparamo-nos com excelentes ideias, por vezes até alinhadas com tendências do momento, e cabe ao marketeer a leitura de analisar a sua real adequação à marca e aos seus valores garantindo que não nos desviamos do caminho. Essa capacidade de dizer não é, na verdade, um forte teste de liderança e afirmação.

3 – No (seu) top of mind está sempre?

Quem está ao volante amanhã. Se a ideia, o que estamos a criar, não resolver algo relevante para as pessoas (como a segurança, conforto ou conveniência), não merece sair do papel. É como criar algo só para ser giro, só porque é tendência ou só porque outros o fizeram. Não vale a pena.

4 – O briefing ideal deve…

Ser curto, cirúrgico no problema, generoso na inspiração. Com um objetivo claro, métricas bem definidas, muitos dados de suporte e ao mesmo tempo permitir elasticidade em termos de liberdade criativa.

5 – E a agência ideal é aquela que…

Compreende a marca como se fosse o cliente. Que ao fim de seis meses de parceria perceba quem nós somos, o que defendemos, a nossa missão e valores. Que viva e respire a marca. Que complemente o trabalho da equipa de marketing aportando criatividade, tendências, métricas e inspiração. Que seja proativa, apresente ideias com base em evidências e que seja capaz de defender essas ideias. Fico sempre feliz quando as nossas agências têm a capacidade de nos “convencer”!

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Arriscar, mas com bússola. A grande ideia tem de fazer o coração bater mais depressa, ou seja, surpreender, dar que falar e ficar na memória. Para mim nasce sempre de três leituras a frio: da marca, do mercado/consumidor e dos dados. Se essa capacidade criativa aterrar num plano de meios que não chega ao público certo, ou cujos meios não conseguem explicar a mensagem, acaba por ser apenas fogo-de-artifício: bonito, mas efémero. Por isso, para mim, o jogo ideal é audaz na mensagem e cirúrgico na distribuição; só quando criatividade e estratégia caminham de mãos dadas é que a campanha deixa de ser “ruído” e passa a gerar resultados.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Com orçamento ilimitado, colocava a história da Volvo em primeiro plano: uma narrativa espelhada em todos os meios nacionais e internacionais que explicasse tudo o que esta marca inventou ao longo de mais de 90 anos, partindo, claro, da invenção do próprio cinto de segurança de três pontos, de como libertou a patente para salvar vidas e como continua a partilhar tecnologia com a indústria para que todos possamos estar mais seguros nas estradas. Quando o consumidor percebe que a Volvo não vende apenas automóveis, mas que reúne em si décadas de inovação doada ao mundo, a escolha da marca deixa de ser racional e passa a ser emocional. Longe vão os tempos de automóveis “boxy e quadrados…”

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

Pequena em meios, gigante em engenho. Faz-se muita boa publicidade no nosso país.

9 – Construção de marca é?

Prometer, cumprir e repetir. Com um propósito claro, valor tangível e uma experiência que o consumidor sente antes mesmo de ver a campanha. E já agora, que aumente (e muito) o willingness to pay do consumidor pela marca.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Provavelmente… Guia de viagens de autor, especializado em destinos improváveis. A minha curiosidade é infinita: gosto de descobrir o que ainda não conheço, recolher perspetivas diferentes e contar histórias autênticas que escapem à narrativa mainstream, e em particular às fake news. No fundo, seria outra forma de fazer aquilo que já faço em marketing: ligar pessoas a experiências que valem realmente a pena.

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