As presidenciais jogam-se nas redes sociais. Quem dá cartas?

Carla Borges Ferreira,

André Ventura domina a lógica algorítmica, mas Cotrim de Figueiredo é a surpresa nas redes sociais. Especialistas em marketing digital analisam a performance dos candidatos e deixam conselhos.

Nem Portugal é Nova Iorque, nem as eleições a mayor são comparáveis às presidenciais, nem nenhum dos candidatos na corrida se assemelha a Zohran Mamdani, que no início de novembro fez história ao ganhar com mais 50,4% as eleições mais concorridas desde 1969 à câmara de Nova Iorque. Mas, há lições a tirar: Mamdani foi direto na retórica e aproveitou bem plataformas digitais. Ou, como resume Francisco Morgado Véstia, global director, strategic communications & business development da Samy, cumpriu a regra básica da política nas redes sociais: stay on message.

Ora, se será excessivo dizer que as eleições se ganham nas redes sociais, o certo é que nos tempos que correm muitos dos votos serão decididos com base no que se vê no telemóvel. E, globalmente, o que se pode dizer da prestação dos candidatos às presidenciais nas redes sociais?

“Esta campanha é marcadamente identitária: quase todos os candidatos tentam distanciar-se das estruturas partidárias e apresentar-se numa dimensão pessoal. O formato presidencial, com possível segunda volta, reforça a lógica binária e torna as redes sociais um espaço natural para amplificar mensagens diretas e emocionais. Nota-se também um desfasamento claro entre quem entende a economia da atenção e quem ainda comunica em registo institucional”, começa por comentar Francisco Morgado Véstia.

Ventura lidera porque opera nativamente dentro da lógica algorítmica. Cotrim destaca-se pela capacidade de escalar alcance num curto espaço de tempo e os restantes comunicam num registo institucional, pouco compatível com a realidade das redes sociais

João Félix da Costa

CEO da Gigantic Digital Growth.

A performance digital dos candidatos confirma a dinâmica prevista, acrescenta João Félix da Costa. Assim, “Ventura lidera porque opera nativamente dentro da lógica algorítmica. Cotrim destaca-se pela capacidade de escalar alcance num curto espaço de tempo e os restantes comunicam num registo institucional, pouco compatível com a realidade das redes sociais”, concretiza o CEO da Gigantic Digital Growth.

Sem surpresa, André Ventura surge como o candidato que mais se destaca nas redes sociais, tal como de resto acontece nos debates televisivos. “As redes sociais orgânicas são uma arena injusta para os candidatos mais moderados, na medida em que os algoritmos privilegiam sempre os conteúdos que mais choque e confrontação de posições provocam”, enquadra João Félix da Costa.

Assim, o também presidente do Chega Ventura continua a ser o candidato mais adaptado ao ecossistema social: simplificação narrativa, uso sistemático de conflito e domínio do short-form.

Mas, João Cotrim de Figueiredo também merece nota positiva. “Cotrim é o caso mais interessante do ciclo: crescimento rápido, mais do que triplicou os seus seguidores, mensagens consistentes, interage muito com os utilizadores, e posicionou-se num espaço que estava pouco ocupado nas presidenciais”, diz João Félix da Costa. É o candidato mais próximo do ‘stay on message’, concorda Francisco Morgado Véstia. “Cotrim apresenta uma mensagem coerente, vai além da espuma dos dias”, diz.

Pela negativa, o destaque do CEO da Gigantic vai para Henrique Gouveia e Melo. “Anunciou cedo, liderou sondagens durante meses, mas nunca converteu essa vantagem em comunidade. Mantém uma comunicação demasiado formal, com baixa cadência e fraco aproveitamento dos formatos nativos. O resultado é pouco alcance e baixo engagement relativo”, descreve o especialista em marketing digital.

A presença deve ser mais humana, mais explicativa e menos decorativa. É importante clarificar “quem sou eu” antes de “porque não Ventura”, ou seja, construir narrativa própria em vez de apenas reagir.

Francisco Morgado Véstia.

Global director, strategic communications & business development da Samy

E que conselhos dão os especialistas em comunicação aos candidatos? Assumir que redes sociais não respondem bem ao formalismo surge à cabeça. “A presença deve ser mais humana, mais explicativa e menos decorativa. É importante clarificar “quem sou eu” antes de “porque não Ventura”, ou seja, construir narrativa própria em vez de apenas reagir”, aponta Francisco Morgado Véstia.

Depois, conteúdos nativos (vídeo curto, bastidores, explicações simples) funcionariam melhor do que posts protocolares e “seria útil explorar a dimensão identitária da função presidencial de forma menos rígida e mais próxima”, prossegue.

Na fase final, os candidatos que pretendam ter impacto nas redes sociais precisam de gerar agenda-setting moments: conteúdos capazes de captar a atenção do feed e produzir conversação, acrescenta João Félix da Costa. “O caso do outdoor do Bangladesh ou das burkas mostra como um único facto político pode dominar ciclos de distribuição algorítmica”, dá como exemplo, acrescentando que cada candidatura deve encontrar o seu momento, alinhado com o seu posicionamento, e distribuí-lo via short-form, cortes rápidos e mensagens imediatamente descodificáveis. “É um desafio, mas é possível vencê-lo com criatividade”, garante.

Domínio Absoluto de André Ventura: O candidato lidera o ranking de Earned Conversation com 3.996 menções, o que lhe confere uns massivos 68,3% do Share of Voice (SoV) total. Este número revela uma enorme capacidade de dominar as manchetes digitais e o debate público. O seu nome é o que mais rapidamente e frequentemente gera discussão espontânea online. No entanto, apesar de ser o candidato com mais volume de conversação, é também o que gera maior volume de conversação negativa. Influência Mediática: Marques Mendes (com 8,6% de SoV) e Henrique Gouveia e Melo (com 6,8% de SoV) ultrapassam amplamente os restantes candidatos, muito fruto da exposição mediática de ambos nos últimos anos. Marques Mendes beneficia muito do papel de ex -comentador público, desempenhado durante anos, e Gouveia e Melo, é muito associado à independência partidária, rigor e ao papel que desempenhou na pandemia. A Corrida pela Relevância (Abaixo dos 10%): Todos os restantes candidatos/figuras analisadas lutam por uma pequena fatia do SoV, com nenhum deles a atingir sequer 6%. Isto sugere que o seu impacto digital atual está muito dependente das suas iniciativas ativas e têm pouca tração espontânea na esfera pública.

Em campanhas, a mediania é o maior inimigo. O empate entre qualidades e defeitos não é elogio: é um alerta”, resume Edson Athayde, CEO e CCO da FCB Lisboa. O criativo lembra que a comunicação ‘demasiado perfeita’, que parece fabricada, gera desconfiança. Outros dos erros, são conteúdos sem emoção ou excesso de formalismo em plataformas onde o público espera conversa. Repetição constante dos mesmos formatos, vídeo + frase + clipe de debate, são também de evitar.

A dispersão temática, que fragmenta a narrativa e dificulta a apreensão da mensagem, e a tentativa de transpor para as redes sociais o mesmo modelo de comunicação usado em entrevistas televisivas, são os erros crassos apontados por João Félix da Costa. A estes, Francisco Morgado Véstia acrescenta que o maior erro é comunicar para redes como se fossem conferências de imprensa, de forma demasiado institucional, demasiado polido e pouco adaptado à linguagem do digital. Tentar encenar proximidade em vez de a demonstrar, é outra das falhas. Por fim, é de evitar construir toda a estratégia em torno da oposição a um candidato, o que empobrece a presença digital e impede que se desenvolva uma identidade consistente.

Nas plataformas digitais, a atenção é extremamente baixa – a mensagem tem de ser clara e compreensível nos primeiros segundos, caso contrário perde-se imediatamente no scroll”, alerta o CEO da Gigantic.

Que conselhos daria aos candidatos? Edson Athayde responde

1 – Arriscar mais personalidade

Em eleições presidenciais, a campanha é tanto sobre credibilidade como sobre carácter. Procurem mais tempero pessoal, humor, falhas humanas, momentos inesperados, ou seja, sinais de autenticidade.

2 – Criar narrativas, não apenas posts

Um feed não é uma vitrine de fotos; é um arco narrativo. Invistam num storytelling coerente: Quem sou? O que quero mudar? Onde está o conflito? Como se sente o país?

3 – Falar com as pessoas, não para as pessoas

Lives, perguntas reais, pequenos vídeos de resposta direta: formatos que criam proximidade e quebram a sensação de distância institucional.

4 – Liderar a agenda, não apenas reagir

A maioria está a comunicar em modo “reflexo”: reage às notícias do dia. Falta proatividade: colocar os temas na mesa e moldar o debate..

 

Análise de performance de social media, por Ricardo Lopes, growth director da Samy

1 – André Ventura

A sua estratégia prioriza claramente o volume e a visibilidade acima de tudo. Ele é o único a conseguir um alcance massivo, reforçando o seu estatuto de principal gerador de “ruído digital”. No entanto, notamos baixa eficiência (Engagement Rate) nos formatos de vídeo dinâmicos (Reels). O risco é que este alcance imenso, conjugado com baixo engagement (o que indica que as pessoas não interagem de forma positiva), pode estar a ser impulsionado por uma polarização negativa.

2– João Cotrim de Figueiredo

João Cotrim de Figueiredo possui uma base digital com forte capacidade de alcance (volume). No entanto, o seu grande alcance está a ser mal aproveitado na conversão para engagement, pois a sua estratégia de interação é ineficiente fora dos posts tradicionais. A sua performance digital depende fortemente do formato clássico e precisa de uma revisão urgente na forma como usa Reels e Stories para não desperdiçar o seu elevado potencial de alcance.

3– António José Seguro

António José Seguro apresenta o melhor balanço entre volume de alcance e qualidade de engagement dos candidatos analisados na esfera de alta eficiência. Ele consegue manter a intimidade e a conexão de uma comunidade de nicho (alta taxa de engagement) enquanto opera num nível de visibilidade mais elevado. A sua estratégia está a funcionar bem em termos de qualidade

4 – Henrique Gouveia e Melo

A sua performance é limitada em termos de alcance (volume). No entanto, o seu conteúdo é o mais eficiente a gerar interação em vídeo (Reels) , indicando que a sua mensagem e estilo pessoal são eficazes junto do público que impacta. O seu principal desafio, é a escala. Não está a conseguir bons números de alcance e impressões, o que dificulta a efetividade do seu Engagement Rate elevado.

5 – Luís Marques Mendes

Marques Mendes apresenta uma das estratégias de conteúdo mais eficientes no Instagram, especialmente na conversão de visualizações em interação nos Reels. No entanto, tal como Gouveia e Melo, a sua principal limitação é a escala. O seu alcance (volume) é muito baixo.

6 – Catarina Martins

A performance de Catarina Martins é sólida no formato clássico (Posts), mas perde tração e conexão nas áreas de conteúdo dinâmico e efémero (Stories e Reels). Não está a conseguir converter o alcance que consegue nos Reels em engagement.

7 – António Filipe

António Filipe possui a mensagem digital mais eficiente em comunidades de nicho de todos os analisados. O seu principal desafio é passar de uma comunidade altamente envolvida (onde a sua mensagem é extremamente eficaz) para uma audiência de massas (alto volume).

8 – Jorge Pinto

Jorge Pinto tem uma mensagem digital extremamente eficaz e envolvente dentro da sua audiência, mas a sua escala é o seu maior constrangimento. Lidera em eficiência e qualidade da conexão com o público (o que é vital para o ativismo e a militância), mas a sua visibilidade é muito reduzida em comparação com figuras de grande volume.

8 – Conclusão

O cenário digital mostra que as figuras que dominam a quantidade (Alcance e Volume de Menções) não dominam a qualidade da conexão, e as que dominam a qualidade (Engagement) não têm quantidade suficiente. O sucesso futuro dependerá da capacidade de um candidato combinar o volume de alcance (como João Cotrim de Figueiredo ou André Ventura) com a eficiência de engagement (como António José Seguro) – uma fórmula que, para já, ninguém domina totalmente.

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