Houve Ricardos Salgados ou Oliveiras e Costa na CGD? Nunca saberemos
O dinheiro não desaparece, nem arde nas caixas fortes dos bancos. Ele muda de mãos, o que é muito diferente. Os 3.000 milhões que agora faltam na Caixa estão algures por aí, noutros bolsos.
Há vários meses que conhecemos a dimensão do desastre da Caixa Geral de Depósitos mas agora temos números oficiais.
Vamos a eles. Soubemos esta sexta-feira que o banco do Estado teve prejuízos de 1.860 milhões de euros no ano passado, depois de ter assumido nas suas contas provisões e imparidades – já vamos a este palavrão – de cerca de 3.000 milhões de euros. Ao mesmo tempo, Bruxelas dava luz verde ao célebre plano de recapitalização que vai fazer entrar na Caixa 4.900 milhões de euros. Deste montante, 3.900 milhões são pagos já pelos contribuintes e 1.000 milhões são um empréstimo feito no mercado que será pago ao longo dos próximos anos – e que, portanto, será também pago indirectamente pelos contribuintes.
Podemos pintar os lábios a um porco que ele não deixa de ser isso mesmo, um porco. Da mesma forma, as tentativas feitas para iludir a dimensão deste terramoto não só não o diminuem como demonstram uma falta de respeito pelos contribuintes e pelo seu dinheiro. A lógica do “podia ser pior” não pode servir de atenuante quando se está a ir aos bolsos dos contribuintes desta maneira.
Enfrentemos a questão. Um desastre financeiro desta dimensão só tem dois paralelos na banca portuguesa: o BPN e o BES. E se o caso da Caixa não assume os contornos de escândalo daqueles dois isso deve-se a três questões essenciais:
- A primeira é a origem percebida do “buraco”. Tanto no BPN como no BES estamos perante “casos de polícia” tratados desde o início como tal. Terá havido práticas criminais ou fraudulentas em larga escala que levaram à queda dos dois bancos.
- A segunda é a diferença da base accionista dos bancos. Os privados deixaram de ter condições, sobretudo reputacionais, para ir buscar mais dinheiro ao mercado para tapar os “buracos” abertos pela sua gestão, fosse ela incauta ou criminosa. Mas na Caixa, detida pelo Estado, tudo é diferente. Basta um decreto e os accionistas, que somos todos nós, não são tidos nem achados para capitalizar o banco uma, outra e outra vezes. Pagamos mas não decidimos. E só por isso é que a Caixa não cai.
- A terceira é a questão política. Sendo do Estado, a generalidade dos partidos tem responsabilidades directas ou indirectas na gestão da Caixa. E mesmo os que não têm por não terem integrado qualquer governo – o PCP e o BE – estão hoje comprometidos com a governação e, por motivos ideológicos, defenderão a Caixa até ao limite ainda que isso implique passar uma esponja por todo o passado que levou a este desastre. Por isso, os que no passado quiseram escrutinar ao limite, e muito bem, as responsabilidades instituicionais e políticas que levaram à queda do BPN e do BES, são os mesmos que hoje se mostram totalmente desinteressados em fazer a mesma avaliação em relação à Caixa.
E este é um segundo escândalo – político – dentro do primeiro escândalo – financeiro. É o escândalo da ocultação, da falta de transparência e da eterna falta de averiguação e de responsabilização do que se passa no Estado e que derrete dinheiro dos contribuintes.
A dimensão da capitalização da Caixa devia obrigar a um exercíco sério e independente que nos permitisse perceber o que se passou no banco público.
O tema é complexo, técnico, e as cortinas de fumo colocam-se logo aí, no linguajar. O pobre do cidadão contribuinte ouve falar de imparidades, rácios de capital ou obrigações subordinadas e fica rigorosamente na mesma. Há uns meses o próprio Presidente da República falou de NPL´s – as “non-performing loans”, ou créditos que ja estão em atraso em relação ao prazo de pagamento acordado. É mesmo para ninguém perceber, não é?
A primeira coisa a ter sempre presente é que o dinheiro não desaparece, não se evapora, nem arde nas caixas fortes dos bancos. Ele muda de mãos, o que é muito diferente. Os 3.000 milhões que agora faltam na Caixa e são assumidos como perdas potenciais estão algures por aí, noutros bolsos. Nuns casos foram perdidos por ocorrências tidas como normais numa economia de mercado. Noutros, terá havido irresponsabilidade, incompetência ou práticas à margem da lei ou da ética.
As célebres imparidades de que todos falam não são mais do que empréstimos feitos pela Caixa que já não espera ver devolvidos nos termos contratados. Ou, numa parcela mais pequena, serão negócios – entradas no capital de empresas, por exemplo – que correram mal e são dados como perdidos.
Mas nem tudo será igual nesta enorme pilha de dinheiro. Uma coisa é a Caixa ter perdido 100 milhões de euros numas centenas de créditos à habitação feitos a famílias que entretanto viram os seus membros desempregados ou com fortes reduções de rendimentos e que ficaram incapacitados de garantir os seus compromissos.
Outra coisa, bem diferente, é a Caixa ter perdido os mesmos 100 milhões de euros num empréstimo feito a um empresário recomendado por um governante e que não mereceu a avaliação de risco dentro dos padrões habituais.
Uma parte do “buraco” da banca resulta, obviamente, dos efeitos da crise económica e dos riscos sempre presentes nos negócios. Há projectos de investimento que parecem sólidos e cautelosos mas que, depois, não resultam por alteração do contexto económico ou dos mercados.
Outra fatia resulta de incompetência e optimismo na avaliação dos riscos.
E outra ainda será certamente classificada como casos de “amiguismo”, casos de política ou casos de polícia. Nestes casos, o dinheiro do banco do Estado foi parar a bolsos onde nunca devia ter entrado e perdeu-se em contas privadas. Os “buracos” de uns são por vezes os “jackpots” de outros.
O que impressiona no caso da Caixa é que a classe política não esteja minimamente interessada em averiguar a parte do capital que desapareceu do balanço do banco por motivos legítimos associados ao normal risco do negócio e a outra parte, que pode configurar casos de política ou de polícia. E que remeta a totalidade da factura para os contribuintes sem mais explicações.
A ideia de que o carácter público do banco o desobriga da prestação de contas é errada e perversa. Deve ser precisamente o inverso: quanto mais público mais escrutinado deve ser.
O desinteresse numa investigação à Caixa é tanto mais estranho quando sabemos que o banco do Estado integrava o núcleo duro de accionistas da PT, ao lado do BES e da Ongoing, e teve um papel importante no chumbo da OPA da Sonae. Sabemos o destino da empresa de telecomunicações e daqueles seus accionistas. Sabemos também as ramificações políticas daquele centro de poder durante a governação de José Sócrates, que estarão agora a ser investigadas na Operação Marquês.
É sobre isto tudo que se está a colocar uma enorme pedra. Sobre isto e sobre o destino de uma parte dos 3.000 milhões que a Caixa perdeu por aí.
Mais uma diferença entre a Caixa, o BPN e o BES? No caso dos privados sabemos a origem dos respectivos “buracos” e os responsáveis estão entregues à justiça. Na Caixa, nem isso. Se houve, em determinado tempo, Ricardos Salgados, Oliveiras e Costa, Duartes Limas ou Dias Loureiros na Caixa nunca saberemos. Os partidos não deixam nem acham importante que se saiba. E isso é inaceitável.
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