Direito dos Seguros: Os próximos passos de Margarida Lima Rego

Um congresso a projetar o futuro do direito dos seguros, lançar um novo módulo universitário a focar os objetivos ONU e ser recurso às autoridades financeiras europeias são os próximos trabalhos.

Falar de Direito dos Seguros em Portugal e cada vez mais da Europa, é falar de Margarida Lima Rego, professora Associada com Agregação e Subdiretora da Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa e coordenadora do Mestrado em Direito e Mercados Financeiros –NOVA School of Law. Uma atividade académica intensa leva-a a estar na linha da frente nas questões jurídicas na Europa e também em Portugal, e enquanto jurisconsulta, é regularmente consultada sobre matérias variadas de direito português e da lusofonia, tendo contribuído para a resolução de litígios perante os tribunais de diversas jurisdições.

Margarida Lima Rego em entrevista ao ECOSeguros - 23JUL19
Margarida Lima Rego: “O tema da sustentabilidade é-me muito caro, na sua tríplice dimensão social, económica e ambiental”.Hugo Amaral/ECO

A AIDA, Associação Internacional de Direito dos Seguros, faz 50 anos em Portugal, onde é presidida por Margarida Lima Rego, e realiza um congresso especial para comemorar a data. Mais, a jurista explica – em entrevista a ECOseguros – os seus novos papéis no recém-criado Módulo Jean Monnet em Direito Europeu dos Seguros e como membro Board of Appeals das autoridades financeiras europeias.

Congresso de Direito dos Seguros da AIDA fala dos últimos 50 anos e vai projetar os próximos 50?

É um Congresso muito especial, pois marca o 50 aniversário da AIDA Portugal, que é a secção portuguesa da AIDA, Associação Internacional de Direito dos Seguros, daí o título Celebrando Meio Século e Refletindo sobre os Desafios dos Próximos 50 Anos. A AIDA Portugal foi fundada em janeiro de 1970. Ou seja, completou 50 anos em janeiro de 2020. A AIDA é um pouco mais antiga, tendo sido fundada em 1960. Só chegaria a Portugal uma década depois. Há dois anos, preparávamo-nos para celebrar a efeméride, quando a pandemia nos apanhou na curva e fomos tendo de adiar a sua realização. Finalmente conseguimos avançar: o congresso será em 27 e 28 de outubro, no Hotel Altis, em Lisboa, em parceria com a Almedina.

Vão tratar os novos riscos?

Os temas principais do Congresso procuram dar resposta ao duplo desafio que transparece no título: honrar o passado, preparar o futuro. Vamos ter um painel dedicado às três etapas de desenvolvimento do Direito dos Seguros em Portugal, com o pormenor de termos um ator principal de cada uma delas a comentar a época que lhe precedeu. Teremos ainda um conjunto de homenagens a anteriores presidentes da AIDA Portugal. Mas temos também a apresentação formal da AIDA Jovem, elemento mais recente e dinâmico da nossa AIDA Portugal, e temos um conjunto de painéis com temas da atualidade, muito virados para o futuro: seguros e novas tecnologias, seguros de riscos transacionais, sustentabilidade nos seguros, o que está para vir em matéria de riscos catastróficos, a importância da prevenção.

Quais os principais contributos?

Contamos com a presença de Margarida Corrêa de Aguiar, Presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), e de um nome talvez inesperado, neste contexto, mas entusiasmante: Henrique Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada, que foi coordenador da Task Force do Plano de vacinação contra a Covid-19 em Portugal. Vai falar-nos sobre a sua experiência na estratégia, planificação e logística da gestão de riscos, e designadamente no papel das novas tecnologias nessa gestão. Ouviremos falar de gestão de risco, tema central para a indústria seguradora.

Portugal e Brasil serão as principais presenças?

Teremos um conjunto de oradoras e oradores provenientes de diferentes regiões de Portugal, bem como do Brasil. Tendo em conta o importante papel desempenhado pela AIDA Brasil na constituição da AIDA Portugal, entendemos que seria muito relevante reconhecer esse papel procurando trazer para este Congresso intervenções que nos dão a perspetiva transatlântica sobre os vários temas em discussão. A lista de intervenções inclui nomes como Ana Cristina Borges, Ernesto Tzirulnik, Filipe Albuquerque Matos, Francisco Espejo, Francisco Luís Alves, Francisco Rodrigues Rocha, Ilan Goldberg, José Pedro Antunes, José Vasques, Lucila de Almeida, Luís Poças, Margarida Torres Gama, Maria de Deus Botelho, Maria do Carmo Fonseca, Maria Elisabete Ramos, Maria Inês Oliveira Martins, Maria Raquel Guimarães, Paula Ribeiro Alves, Paula Rios, Pedro Pais de Vasconcelos, Pedro Romano Martinez, Pery Saraiva Neto, Vítor Ribeiro e eu própria. No final, teremos a honra de ouvir umas breves palavras proferidas por Peggy Sharon, Presidente da AIDA Mundo.

O elevado número de mulheres é comum na AIDA?

Acabo de contar, pela primeira vez, o número de oradoras e de oradores deste Congresso, verificando que atingimos, sem esforço, a paridade. É algo que me deixa muito satisfeita. Não há muitos anos, contavam-se pelos dedos de uma mão as mulheres oradoras em eventos de seguros. É claro que isto é uma preocupação que tenho em tudo o que faço, mas este elenco foi surgindo em resultado das sugestões de muitas pessoas diferentes. Não houve ninguém a contar, garantindo que, no final, teríamos este equilíbrio entre os géneros. E, no entanto, ele aconteceu naturalmente, que é o que se quer.

Entretanto vai lançar o Módulo Jean Monnet em Direito Europeu dos Seguros. O que são estes módulos?

São programas com a duração de três anos, financiados pelo Erasmus+. Destinados a promover a excelência no ensino e na investigação em temas relacionados com a União Europeia. Procuram incentivar o diálogo entre o mundo académico e a sociedade, gerar conhecimentos e ideias para apoiar a tomada de decisões políticas europeias, promover os valores da União Europeia, dando visibilidade ao que representa e procura alcançar, e reforçando o papel da União Europeia no mundo. Na perspetiva de quem vê a sua candidatura aprovada, como foi o meu caso, representam, antes de mais, o reconhecimento internacional de um percurso académico e dos seus bons resultados, e o financiamento que nos permite trazer para os eventos que serão organizados neste domínio, um conjunto de oradoras e oradores de renome internacional.

No caso, é direito dos seguros, o que se pretende atingir?

O Módulo tem como mote o Direito Europeu dos Seguros e os novos desafios na era dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Procura desenvolver o conhecimento do Direito Europeu dos Seguros, mas também, mais especificamente, refletir sobre o importante papel que a indústria seguradora é chamada a desempenhar na busca por um futuro melhor para as pessoas e para o planeta. Em cada um dos três anos de duração deste Módulo, ofereceremos, na NOVA School of Law, uma unidade curricular de Direito Europeu dos Seguros, integrada no Mestrado em Direito e Mercados Financeiros, mas suscetível de ser frequentada por qualquer pessoa, seja ou não estudante da NOVA. Ofereceremos ainda, em cada ano, um curso intensivo online, especificamente sobre a interconexão entre os seguros e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Ambos são lecionados em inglês. Finalmente, em julho de cada ano, organizaremos uma conferência anual em parceria com a AIDA Portugal e com o apoio da AIDA Europa, destinada a discutir com vários stakeholders portugueses e europeus o contributo da indústria seguradora para um futuro sustentável, produzindo um conjunto de recomendações de políticas públicas a divulgar amplamente.

O foco é a sustentabilidade?

O tema da sustentabilidade é-me muito caro, na sua tríplice dimensão social, económica e ambiental. Fico muito satisfeita por me terem sido dadas condições para pôr em prática um projeto com este alcance. Tenho de agradecê-lo ao programa Erasmus+, embora seja devida uma palavra especial à outra coordenadora do projeto, Marival Bolívar Oñoro, da Universidade de Alcalá, em Madrid, que desde janeiro realiza estudos pós-doutorais sob minha orientação, na NOVA School of Law. Sem as muitas horas de trabalho de qualidade que dedicou ao projeto, nada disto teria sido possível. O projeto conta ainda com a participação, na equipa, de Claire Bright, Fabrizio Esposito, Joana Campos Carvalho, Maria Elisabete Ramos, Martinho Lucas Pires, Patrícia Assunção Soares, Soraya Nour-Sckell, com o apoio da Ana Cansado, gestora de ciência do CEDIS, centro de investigação e desenvolvimento da NOVA School of Law. O projeto integra-se, por fim, num centro de conhecimento que lancei em junho deste ano, em conjunto com o meu colega Fabrizio Esposito: o NOVA Knowledge Centre for Data-Driven Law.

Finalmente, foi nomeada para o Board of Appeals das autoridades financeiras europeias. Qual o papel que está a assumir neste campo?

Desde dezembro de 2022, integro a Câmara de Recurso das Autoridades Europeias de Supervisão. O SESF consiste numa rede composta pelas três Autoridades Europeias de Supervisão, pelo Comité Europeu do Risco Sistémico e pelas autoridades de supervisão nacionais. Tem como principal função assegurar uma supervisão financeira coerente e adequada em toda a União Europeia. As três Autoridades Europeias de Supervisão são a Autoridade Bancária Europeia (European Banking Authority – EBA), a Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (European Insurance and Occupational Pensions Authority – EIOPA), e a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (European Securities and Markets Authority – ESMA). A Câmara de Recurso é um órgão independente cuja missão é apreciar e decidir os recursos que sejam interpostos por pessoas ou instituições afetadas pelas decisões das três Autoridades Europeias de Supervisão. É composta por seis membros efetivos e seis membros suplentes, nomeados pelas Autoridades Europeias de Supervisão. Têm de ser nacionais de países-membros da União Europeia com experiência profissional comprovada nos domínios da banca, seguros, pensões e mercado de capitais ou outros serviços financeiros, devendo ter os conhecimentos jurídicos necessários para prestar aconselhamento jurídico especializado em relação às atividades das Autoridades. Eu sou um dos seis membros efetivos, juntamente com os meus colegas Michele Siri (Itália) que é Presidente, Christos Gortsos (Grécia), o Vice-Presidente, Gerben Everts (Países-Baixos), Carsten Zatschler (Alemanha) e Geneviève Helleringer (França).

O papel que desempenho neste órgão depende, e dependerá, até ao final do atual mandato, em 2026, da quantidade, e pertinência, dos recursos que venham a ser interpostos. Qualquer pessoa pode fazê-lo, sem necessidade de se fazer representar por advogado/a. Até ao momento, ainda só intervim numa única decisão, num processo iniciado por uma pessoa singular contra uma decisão da Autoridade Bancária Europeia.

E o que foi decidido nesse caso?

A Câmara concluiu não tinha competência para apreciar a decisão em causa, por se tratar de uma decisão discricionária da EBA. Creio que há ainda muito pouca informação sobre a possibilidade de recorrer das decisões destas autoridades, e, quando esta é conhecida, desconhecem-se os fundamentos que podem levar a uma decisão de apreciação do mérito da causa, o que leva a que, até ao momento, este órgão mantenha por realizar grande parte do seu potencial. A ideia de simplificar o acesso, dispensando o patrocínio judiciário, pode ser boa em abstrato, mas em concreto tem levado a que, numa percentagem significativa de casos, os pedidos que são feitos não sejam passíveis de apreciação quanto ao mérito, o que pode, por sua vez, desencorajar quem possa pôr a hipótese de recorrer. A existência deste tipo de órgãos, de natureza quase-judicial, ainda é relativamente recente e precisará, porventura, de alguns afinamentos que lhe permitam cumprir cabalmente a função que lhe está destinada.

Mais informação sobre o Congresso da AIDA Portugal aqui .

https://gestaoeventos.almedina.net/congressos/IIICDS/

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