Após 40 anos na empresa e de 20 na liderança da Real Companhia Velha, Pedro Silva Reis está a preparar a sucessão e conta aproveitar passagem de testemunho para aumentar profissionalização na gestão.
Há 20 anos na liderança da Real Companhia Velha (RCV), que deve fechar 2022 com um volume de negócios de 28 milhões de euros, Pedro Silva Reis adianta ao ECO que o plano é ceder as funções executivas “dentro de cinco a seis anos”. Dois filhos e um sobrinho estão na linha da frente para a sucessão, mas o modelo não está ainda fechado, desejando que a passagem de testemunho sirva para a histórica empresa de vinhos dar também “mais um passo na profissionalização” da gestão. O empresário confirma muitas “sondagens” de investidores interessados em comprar a empresa, mas responde que “não tem qualquer motivação” para vender.
Criada a 10 de setembro de 1756 por alvará régio, a RCV é a mais antiga empresa portuguesa de vinhos. Dona de cinco propriedades no Alto Douro – a Quinta das Carvalhas, Quinta de Cidrô, Quinta dos Aciprestes, Quinta do Casal da Granja e Quinta do Síbio, com um total de 557 hectares de vinha própria–, emprega 240 pessoas de forma permanente e é gerida desde 1960 pela família Silva Reis, que tomou o controlo acionista à família Álvares Ribeiro. Atualmente, controla cerca de 70% do capital, estando o restante nas mãos da problemática e extinta Casa do Douro.
De que forma é que essa participação da Casa do Douro afeta a gestão da RCV?
É um tema complicado de comentar porque teria de falar sobre o acionista e não me compete a mim fazê-lo. Somos sujeitos passivos a esse respeito. Temos os deveres de informação que cumprimos religiosamente, ponto final. Mas não tem havido qualquer participação desse acionista na gestão, por vicissitudes dessa instituição. Mas não tem nenhum impacto para a operação da RCV. O razoável seria que comprássemos essa participação, mas não vemos sequer capacidade de decisão [da outra parte]. É um processo muito complicado e não temos tido interlocutores.
Têm planos para abrir o capital da empresa?
Não. Temos um cariz familiar e o objetivo será mantê-la assim. O negócio do vinho é de baixa rentabilidade face aos ativos que normalmente estão envolvidos. Tem sempre uma perspetiva de longuíssimo prazo porque todo o ciclo produtivo é muito longo e lento, portanto o caráter familiar normalmente aporta uma estabilidade e uma aceitação dos ritmos e das rentabilidades que normalmente não é compatível com uma empresa de cariz financeiro.
Uma política de qualidade consistente, orgulho na construção da marca, [isso] demora gerações a construir. Se não houver esse processo geracional, esse gosto pela família e pela constituição dos ativos, torna-se mais difícil gerir uma empresa de vinhos.
E o que se perde com a manutenção da empresa com esse cariz familiar?
Anda-se mais devagar, mas dá-se passos certos. Se olharmos para o setor do vinho do Porto, nos anos 1970 houve uma chegada triunfal de todas as multinacionais de bebidas a investir no vinho do Porto e depois saíram todas. Não ficou nem uma. É elucidativo de que o negócio está mais bem entregue ou tem maior continuidade nas empresas de cariz familiar, como são todas aquelas que hoje predominam no setor.
O que falhou nesse processo de entrada das multinacionais?
Acharam que a rentabilidade, afinal, não era interessante. Ou estavam mal informados ou as expectativas não corresponderam.
O negócio do vinho tem sempre uma perspetiva de longuíssimo prazo porque todo o ciclo produtivo é muito longo e lento, portanto o caráter familiar normalmente aporta uma estabilidade e uma aceitação dos ritmos e das rentabilidades que normalmente não é compatível com uma empresa de cariz financeiro.
Têm sido abordados por investidores interessados em comprar a empresa, sejam eles portugueses ou estrangeiros?
O mundo dos vinhos tem um lado romântico que atrai muito os homens de negócio bem-sucedidos. Portanto, essas sondagens já fazem parte da nossa vida. Mas não temos qualquer motivação [para vender]. Estamos inclusive num processo de sucessão, já com a nova geração – dois filhos (Pedro e Tiago) e um sobrinho (Vasco) – já a atuar na empresa, com funções na área comercial e de enologia. Gostamos do que fazemos e temos vontade de continuar a fazer.
O que está previsto no cronograma do plano de sucessão?
O meu plano é, dentro de cinco a seis anos, ceder as funções executivas à nova geração e, sobretudo, que a empresa também dê mais um passo na sua profissionalização. Isso dará espaço aos quadros e aos elementos da família que se mostrarem capazes. Estão em plano de formação e de qualificação.
A liderança executiva continuará a estar entregue a uma pessoa da família, em vez de chamar um gestor independente para o topo da organização?
Se houver gente na família capaz de o fazer, é óbvia e lógica [essa opção]. Se não houver, teremos de encontrar soluções externas. Esse tema não está fechado, mas é promissor o empenho, a dedicação e a vocação que têm demonstrado. Portanto, estamos confiantes de que sairá gente capaz [desse grupo de três pessoas da nova geração].
Mas porque diz que, com a sua saída, deve ser aumentada a profissionalização da gestão?
Porque nessas alterações há sempre um reforço das competências dos quadros da empresa. Os quadros válidos vão apoiá-los e, portanto, há espaço também para os quadros crescerem. É também por sentir que as competências poderão crescer com as alterações que se vierem a efetuar. De certo modo, a empresa já tem uma gestão profissionalizada, num grau elevado para uma empresa familiar. Temos uma administradora de fora do núcleo familiar.
Sente, a esse nível da gestão, alguma coisa a mudar no mercado do vinho?
O sucesso das empresas depende da qualidade dos quadros. Pensar que a família sozinha vai gerir a empresa também é uma utopia que dá maus resultados. Temos de ter gente de fora, qualificada, profissionais que venham com a sua competência e também com a sua racionalidade aportar uma visão a um negócio em que o lado emocional muitas vezes se sobrepõe ao racional.
O mundo dos vinhos é um pouco isso. Todos sonhamos em produzir o melhor vinho do mundo, vinhos de gama alta. E tem de haver uma racionalidade também nessa ambição, fundamental para que a empresa possa progredir. Tem de haver uma componente muito grande de equilíbrio financeiro. Às vezes, quem está de fora vê melhor do que quem está dentro.
Entrou na empresa da família há 40 anos, sempre trabalhou aqui, e está há 20 anos na liderança executiva, quando sucedeu ao seu pai, que teve 42 anos à frente da companhia. Que vantagens e desvantagens têm esta longevidade na direção de uma empresa?
A vantagem poderá ser a consistência do posicionamento, uma visão estratégica, a consolidação de resultados. A desvantagem? Se tivesse havido a possibilidade de ter alguém mais competente do que eu, que poderia ter feito melhor. Mas vamos morrer na dúvida sobre se teria sido possível [risos].
Ao longo destas duas décadas atravessou vários momentos complicados. Qual foi o maior desafio?
O maior desafio foi adequar a empresa ao seu tempo. Porque as vantagens de uma empresa histórica, com uma tradição muito grande, são importantes e são um ativo, um argumento de venda, quando a empresa está atual e com um produto que vai ao encontro das preferências do consumidor e das tendências do paladar dos dias de hoje. Senão toda essa tradição e história não é mais do que um atestado de a empresa estar envelhecida e incapaz de atuar nos tempos modernos.
O que significou isso, em termos concretos?
Foi trazer a empresa para o século XXI em termos de modelo de negócio. A vida comercial das empresas tem ciclos, há mercados muito rentáveis que deixam de o ser, há segmentos de mercado em que a empresa se afirmava que deixaram de ter rentabilidade, áreas de negócios que começaram a ter problemas. Tem de haver uma dinâmica.
Por exemplo, o segmento de primeiro preço de vinho do Porto, em que a empresa era muito forte nos anos 1980, deixou de ter rentabilidade e sustentabilidade e tivemos de sair disso para entrar noutros segmentos. Em 1997, quando iniciámos o processo de reestruturação, chegámos à conclusão de que 75% do nosso negócio de vinho do Porto não tinha rentabilidade. Tomámos a difícil e corajosa decisão de restringir a nossa atividade de vinho do Porto aos 25% rentáveis e de ajustar o stock a essa medida.
Estamos no segmento premium e não no de combate, de que abdicámos. Isso veio restringir e balizar a nossa atividade para um segmento mais pequeno, mas em que nos temos dado bem e que tem contribuído para a sustentabilidade financeira da empresa. Tínhamos uma dependência absoluta do nosso negócio de vinho do Porto e tivemos de desinvestir em segmentos que menos interessavam para focar na nossa marca, desenvolver o negócio dos vinhos do Douro, reativar a categoria espumante num segmento premium.
A crise de 2008 / 2011 não foi a melhor altura para termos feito determinados investimentos. Tivemos de o digerir, de andar a marcar passo. Na altura investimos muito em propriedades e alguns negócios não correram tao bem. Teve de se corrigir. É difícil ter uma bola de cristal.
Olhando para trás, o que mais se orgulha de ter feito? O que foi mais decisivo?
Ver uma empresa que estava muito envelhecida, comercialmente a entrar em campos sem sustentabilidade, e conseguir dar a volta e trazê-la para um modelo de negócio e para uma atualidade que lhe permite ter a liderança de mercado em vários mercados. Trazer a empresa para o séc. XXI num ambiente de grande tradição e história não é algo óbvio. Os nossos congéneres, as famílias tradicionais de vinhos do Porto, acabaram por vender as empresas. Restam três ou quatro, das dezenas que havia.
Também a nossa aposta 100% no Douro foi uma aposta acertada. Nos anos 1990 decidimos sair de todos os negócios do vinho Verde, do Dão e da Bairrada. Tínhamos interesses nessas regiões e, sobretudo, comercializávamos grandes quantidades desses vinhos.
E do que se arrepende? O que teria feito de diferente, olhando para trás?
Nem sempre acertamos nos ciclos. Quando se está a reestruturar e a modernizar uma empresa, a entrar em novas áreas, a fazer investimentos e desinvestimentos, a rotação de ativos, acertar nos timings é fundamental. Não acertamos em todos. A crise de 2008/2011 não foi a melhor altura para termos feito determinados investimentos. Tivemos de o digerir, de andar a marcar passo. Na altura investimos muito em propriedades e alguns negócios não correram tão bem. Teve de se corrigir. É difícil ter uma bola de cristal.
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“Ter a família sozinha a gerir uma empresa é utopia que dá maus resultados”, diz líder da Real Companhia Velha
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