Os custos da ignorância em Portugal (II)

A redução do bem estar das populações originada pelas “falhas de governo” é crescente e é de uma dimensão incalculável.

Os custos da ignorância em Portugal provocados pelo deficiente funcionamento do sistema de preços causado pela excessiva burocracia foram expostos aqui. Neste artigo, a segunda causa para o mau funcionamento do sistema de preços considerada são as “falhas de governo”.

Por “falhas de governo” entende-se o resultado de uma intervenção para corrigir as chamadas “falhas de mercado” que, em vez de o conseguir, conduz a um agravamento dos seus efeitos prejudiciais ou dá origem a uma nova imperfeição no funcionamento do mercado (note-se que as falhas se devem a iniciativas que vão muito para além da mera actividade reguladora).

Normalmente parte-se de uma premissa errada quando se afirma que se há um problema, o governo deve intervir, por que se considera que a intervenção irá solucioná-lo. A realidade é muito diferente. Frequentemente, as intervenções não resolvem o problema e as “falhas de governo” agravam o funcionamento do sistema de preços e introduzem distorções nos mercados, prejudicando ainda mais o bem estar da população.

Esta visão errada que aponta a intervenção como a solução para todos os males tem ainda suporte nas políticas seguidas para estimular a procura agregada. Estas políticas são interpretadas com a ideia simplista de que o aumento da despesa pública tem sempre um efeito positivo na economia, independentemente do contexto e das condições em que é realizada. Mas mais despesa significa maiores “falhas de governo”.

Uma das frases mais conhecidas de Keynes foi que em nome da procura e das expectativas das pessoas “o governo deveria pagar às pessoas para cavarem buracos no chão e depois enchê-los”. A frase é extremamente infeliz pois mesmo considerando o seu contexto faz a apologia do desperdício. Desde que a frase foi proferida Keynes foi usado como justificação para o aumento da despesa pública e o desperdício gerado por políticas públicas erradas aumentou exponencialmente.

E tal como acontece com os custos da burocracia excessiva, os custos das “falhas de governo” para os portugueses não são evidentes, o que facilita a sua ocultação e torna a ideia da intervenção mais atractiva. Uma forma de aferir a dimensão mínima das “falhas de governo” é considerar o aumento de despesa corrente desde 2015. O seu valor anual subiu de 75 mil M€ para o valor orçamentado em 2023 de 102 mil M€, ou seja, um aumento de 30 mil milhões € e uma taxa de crescimento de 40% se retirarmos a descida na despesa com juros (3 mil M€). A despesa corrente feita pelo governo português cresceu a uma média anual de 5% desde 2015.

A pergunta natural de quem não teme o conhecimento e detesta a ignorância é a que é que se destinou todo este dinheiro? A despesa corrente inclui apenas o funcionamento do Estado e não considera o investimento nem os fundos da UE. Normalmente o governo argumenta que é necessário mais dinheiro para resolver os problemas, mas se olharmos para trás o que vemos é que um aumento desta dimensão não resolveu nenhum dos problemas estruturais que afectam a sociedade portuguesa: saúde, educação, segurança social, pobreza, baixa produtividade, estagnação económica, nada disto mudou e, pior ainda, todos se agravaram. Houve uma questão conjuntural, que foi o Covid-19, mas que não justifica tamanha despesa.

Daqui podem e devem tirar-se duas conclusões muito importantes: primeiro, a resolução dos maiores problemas que afectam a sociedade portuguesa não depende de mais dinheiro; segundo, o dinheiro gasto em Portugal nos últimos anos foi desperdiçado, pois não levou a qualquer mudança. Convenhamos que, para uma estimativa por baixo, 30 mil M€ em “buracos cavados no chão e depois enchidos” constituem um enorme desperdício e são um monumento inaceitável à incompetência (o recente envio de 125€ às famílias continua o desperdício).

Este desperdício resulta das “falhas de governo” introduzidas no funcionamento da sociedade portuguesa. As “falhas de governo” são a mais nefasta forma de promoção de ignorância junto dos agentes económicos porque os erros têm custos directos e são habitualmente de montante elevado, e porque também os induzem a tomar decisões erradas. Os exemplos de intervenção governamental em nome da suposta correcção de “falhas de mercado” e que foram ou são prejudiciais são inúmeros, pelo que aqui são indicados apenas alguns:

  • Energia: as sucessivas “falhas de governo” no mercado da energia em Portugal resultam de decisões desastrosas tomadas desde há 15 anos na subsidiação de energias “renováveis” e que levaram a um défice tarifário de enorme dimensão que ainda hoje afecta muito negativamente o bem estar da população. Face ao seu poder de compra, os portugueses já pagavam os preços mais elevados pelo acesso a energia em todo o continente europeu antes da guerra na Ucrânia e a razão para esta situação são as “falhas de governo” provocadas pelas medidas implementadas para a correcção de supostas “falhas de mercado”. Enquanto Portugal recusa as centrais nucleares, que agora são consideradas “renováveis” até pelos “verdes”, e encerra centrais a carvão – Pego e Sines – Espanha, França e outros países estão a reactivá-las. Como refere o Professor Clemente de Pedro Nunes ”… E, com isto, as nossas importações de eletricidade de Espanha atingiram este Outubro a percentagem recorde de 35% do total da eletricidade consumida !!! E desde Julho de 2021, data de encerramento da Central de Sines, as nossas importações de eletricidade já vão a caminho dos 2.500 milhões de euros!!! …”.
  • Saúde: Outro exemplo de “falha de governo” cuja magnitude é enorme, mas ignorada, são os custos mais elevados por doente tratado nas entidades geridas pelo Estado face aos que são tratados por privados, e comparando apenas o mesmo tipo de tratamento. E não são apenas as Parceiras Publico-Privadas. Os contribuintes – e todos pagam o sistema público de saúde, mesmo os que não o usam – são deste modo forçados por intervenção pública a pagar um preço superior pelos serviços, que se traduz numa aplicação ineficiente dos recursos e na redução do poder de compra de empresas e famílias.
  • Educação: também aqui os custos por aluno são superiores nas entidades geridas pelo Estado face às entidades geridas por privados, sendo que as famílias que possuem filhos neste segundo sistema pagam os dois, e também pagam os livros gratuitos distribuídos aos alunos do primeiro. Apesar da ineficiência, a política do governo tem sido estrangular as entidades privadas e dificultar a vida às famílias que as usam, aumentando o desperdício de recursos.
  • Transportes: outra área de eleição para o desperdício. Desde a gestão dos transportes públicos, que agora se estão a tornar supostamente gratuitos (apesar de sermos todos a pagá-los), até casos como a TAP, onde já foram “enterrados” mais de 5 mil M€ e constitui um exemplo paradigmático de como um disparate nunca vem só, a necessidade de aumentar os impostos para tapar os “buracos” keynesianos não tem fim.
  • Habitação: a política de habitação foi provavelmente o maior falhanço do Portugal democrático. Todo o século XX foi um contínuo de “falhas de governo” em que as rendas congeladas e a duração ilimitada dos contratos de arrendamento promoveu a ignorância pela ausência de informação via preços e teve como consequência décadas de degradação dos edifícios e a ausência de uma política urbanística que conduziu ao desfiguramento das cidades portuguesas. A Baixa de Lisboa era, 30 anos depois do 25 de Abril, o exemplo perfeito da grande “falha de governo” que constituiu a política de habitação. No período da troika houve uma correcção deste falhanço com o regime de tributação de residentes não habituais e a Autorização de Residência para Investimento (vulgo vistos “Gold”), que permitiram que as cidades portuguesas estejam hoje muito mais bonitas. Mas apesar de ainda haver muito por recuperar, de haver a necessidade de novas casas, de reduzir a burocracia dos licenciamentos e de disponibilizar os imóveis que o Estado deixa ao abandono, o actual governo está a voltar a repetir os mesmos erros do passado ao recuperar uma intervenção danosa que reactiva “falhas de governo”, com as limitações que já introduziu aos vistos Gold e ao Alojamento Local, e ainda as agrava mais, como o faz a anunciada limitação aos valores das rendas.
  • Política monetária e sistema financeiro: outra das “falhas de governo” mais significativas e que conduziu aos actuais problemas de inflação, afectando seriamente o funcionamento do mecanismo transmissor de informação que é o sistema de preços, foi a política monetária. A política monetária excessivamente expansionista dos últimos 6 anos e o excesso de liquidez “injectado” nas economias desenvolvidas a partir de 2015 pelos bancos centrais foi desnecessário e nefasto porque as economias estavam em crescimento (a economia da UE cresceu a uma média anual de 2,2% até 2019), valorizou de uma forma exagerada activos como casas, acções e outras aplicações, e retirou margem de manobra para a política económica responder de uma forma sustentável a situações de recessão como as verificadas em 2020 com a pandemia ou agora com a guerra na Ucrânia e os problemas no fornecimento de energia (os bons anos devem ser usados para preparar anos maus). E este problema gravíssimo da inflação segue-se a outro, os “buracos” abertos com as “falhas de governo” no sistema financeiro, como os casos Novo Banco, BPN e BANIF.
  • Empresas: a crescente participação do Estado em empresas privadas também se verifica na indústria e em outos serviços. O exemplo agora mais evidente é a TAP, mas a destruição da PT, e as intervenções na Efacec, na Dielmar ou em outras empresas mais pequenas através de fundos que aumentaram a já elevada quantidade de empresas em que o Estado é accionista e que registam perdas consecutivas durante anos a fio (o Sistema de Garantia Mútua registou desde 2008 perdas acumuladas de 881 M€, aqui), dificultam a desejável reestruturação do tecido empresarial nacional, promovem o aparecimento de empresas “zombie” e acumulam milhões de euros de custo para os portugueses. São despesas que não se repetem anualmente, mas que pela sua dimensão e pela frequência com que novos casos vão surgindo, constituem uma “falha de governo” com custos desnecessariamente elevados para os portugueses.
  • Ambiente: é uma das áreas onde as falhas de governo são maiores, mas é também onde é mais difícil avaliar os seus custos. As inúmeras medidas tomadas em nome do ambiente e do aquecimento global, sem se olhar a custos nem querer saber das consequências, alastraram-se a todas as áreas da sociedade. É como uma nova religião, mas sem intervenção divina, ficando totalmente sujeita ao capricho do Homem. Por isso, numa área onde as mudanças já decorrem há várias décadas e continuarão por muitas mais, deveria imperar o bom senso. Infelizmente, são o histerismo, o radicalismo e a demagogia que comandam, e não só afectam os preços e as decisões dos agentes como também contribuem para a estagnação económica.

Os exemplos multiplicam-se por muitos milhões e são extensíveis a todos os sectores e a todos mercados. O cada vez maior intervencionismo a que se assiste e as cada vez mais graves “falhas de governo” que provoca afectam o bom funcionamento do sistema de preços como transmissor de informação necessária para a tomada de decisões, aumentando a ignorância da sociedade, e prejudicando o desenvolvimento económico.

A redução do bem estar das populações originada pelas “falhas de governo” é crescente e é de uma dimensão incalculável. Tal como com os impostos, que abordaremos na próxima semana, a solução para prevenir as “falhas de governo” é a redução do intervencionismo desnecessário.

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