Jerry Moriarty é CEO da Associação Irlandesa de Fundos de Pensões, país que está a reformar o sistema. A mudança é difícil, até porque "os pensionistas tendem a ser poderosos como grupo de lóbi", diz.
O sistema público de pensões irlandês atribuiu um montante baixo, que visa apenas evitar que os trabalhadores caiam na pobreza quando se reformam. Está, por isso, em curso uma reforma que vai criar um sistema complementar, organizado pelo Estado, mas em que as poupanças serão geridas por fundos de investimento privados. Jerry Moriarty, CEO da Associação Irlandesa de Fundos de Pensões, defende que “há uma segurança adicional que as pessoas sentem por terem os seus planos pessoais e não terem de se preocupar se o Estado será capaz de pagar as pensões que estão à espera de receber dentro de 30 ou 40 anos”, afirma.
Embora considere que existe a noção de que é preciso reforçar a sustentabilidade dos sistemas públicos, o também administrador da Pensions Europe, que representa as associações de fundos de pensões, reconhece que as reformas são difíceis de fazer, até porque “os pensionistas tendem a ser muito poderosos como grupo de lóbi” e “os políticos são muito sensíveis às suas necessidades”.
Quanto mais envelhecida for a população, mais difícil será fazer essa mudança, refere Jerry Moriarty, que será um dos oradores na conferência “Qual o futuro das pensões de reforma em Portugal? Onde estamos? Para onde queremos ir?”, organizada pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP) e que acontece esta terça-feira no CCB, em Lisboa.
O líder do grupo de trabalho sobre o futuro das pensões na Pensions Europe defende que deve existir uma “maior responsabilização pessoal” pelas poupanças para a reforma e salienta a importância de “levar as pessoas a pouparem o mais cedo possível, assim que começam a trabalhar”.
Na Irlanda há uma pensão atribuída pelo Estado, mas que é baixa face ao custo de vida. Os dados da OCDE indicam que permite receber, em média, cerca de 35% do rendimento que se tinha antes da reforma. Por outro lado, só cerca de metade dos trabalhadores tem planos voluntários, de forma a complementar a pensão pública. Vem daí a necessidade de criar este novo sistema, baseado na inscrição automática dos trabalhadores?
O principal objetivo é aumentar a taxa de cobertura das pensões. É para tapar esse buraco. Além de ter valor fixo, a pensão do Estado na Irlanda foi desenhada apenas para impedir que as pessoas caiam na pobreza na reforma. Não permite que mantenham o mesmo nível de vida ou o rendimento de que precisam. Ainda temos uma população relativamente jovem, mas está a envelhecer. Nos próximos 20 a 30 anos o perfil demográfico vai mudar dramaticamente. Se não resolvermos este problema agora, estaremos a criar um grande problema no futuro.
No novo sistema, por cada três euros que o trabalhador desconta, a entidade empregadora terá de colocar mais três euros e o Estado um euro. As empresas não vão pressionar os trabalhadores a cancelarem a inscrição no novo sistema de pensões para não terem este encargo adicional?
Isso pode acontecer, mas na legislação que foi publicada essa pressão é considerada ilegal. Se o empregador pressionar o trabalhador de forma indevida pode ser multado. Por outro lado, só é possível os trabalhadores desvincularem-se do sistema após seis meses, o que também ajudará a que se habituem e acabem por ficar. Se desistirem, podem reaver as contribuições. Já as do empregador não serão devolvidas.
As contribuições serão investidas em três fundos, com perfis de risco e retorno diferentes. Além, disso, haverá também um fundo “ciclo de vida” para onde o dinheiro irá se o trabalhador não quiser fazer uma opção.
Na verdade, a maioria das pessoas não vai escolher e serão colocadas, por defeito, no fundo com a estratégia ciclo de vida.
Quando se chega à idade da reforma 100% já estará em obrigações e tesouraria. Dessa forma consegue-se uma proteção do capital.
Uma das críticas que é sempre apontada a estes sistemas de capitalização é que o trabalhador pode ter o azar de ocorrer uma crise financeiras mesmo antes de chegar a altura de receber a pensão e acaba por ter muito menos do que estava à espera. Não há nenhuma salvaguarda?
A ideia dos fundos ciclo de vida é que à medida que se aproxima a idade de reforma o dinheiro é retirado de investimentos mais arriscados para menos arriscados. Por exemplo, diminuindo a exposição a ações e aumentando a exposição a obrigações ou tesouraria, que tendem a ser mais estáveis. Quando se chega à idade da reforma 100% já estará em obrigações e tesouraria. Dessa forma consegue-se uma proteção do capital.
Além disso, será possível continuar a investir no fundo após a reforma. O que permitirá fazê-lo por um período mais longo e receber mais tarde, o que mitiga o impacto da ocorrência desses acontecimentos extremos na pior altura.
Quem vai gerir estes fundos de pensões do novo sistema?
Haverá uma agência de processamento central criada pelo Estado, que irá funcionar como um sistema de pensões. Será sujeita à mesma regulação que os restantes planos de pensões e à legislação europeia. Terá a incumbência de assegurar a inscrição dos trabalhadores, receber as contribuições e escolher as sociedades gestoras dos fundos. Serão estas que farão a gestão dos investimentos e serão selecionadas através de um concurso público.
Imagino que vai haver muito interesse das gestoras privadas.
Certamente que sim. Estes sistemas começam devagar, mas depois acumulam ativos de forma bastante rápida. Se olhar para o Reino Unido, em dez anos já tem entre 10 a 12 milhões de inscritos e acumulou um montante muito significativo de poupanças. Por isso, sim, será muito atrativo.
Porque irão ganhar bastante com as comissões.
O plano é que existirá um limite nas comissões. A indicação é que será de 1,5% sobre os ativos, o que é relativamente baixo. Mas, obviamente, se se está a gerir muito dinheiro, mesmo com uma taxa pequena existem benefícios significativos. É por isso que o processo de licitação será muito importante para garantir que se obtém o melhor valor.
Foram feitas várias análises, nomeadamente pelo Economic Social Research Institute. Inicialmente, fará com que a economia encolha um pouco, porque entre as contribuições do trabalhador, do empregador e do Estado estamos a tirar dinheiro que seria gasto noutro fim.
A expectativa é que concorram as maiores gestoras de ativos do mundo?
Diria que sim. A Irlanda é um mercado relativamente pequeno e temos algumas sociedades gestoras locais, mas mesmo essas normalmente são detidas pelas gestoras globais. Espero que exista muito interesse internacional.
Há estimativas sobre o impacto económico desta medida?
Foram feitas várias análises, nomeadamente pelo Economic Social Research Institute. Inicialmente, fará com que a economia encolha um pouco, porque entre as contribuições do trabalhador, do empregador e do Estado estamos a tirar dinheiro que seria gasto noutro fim. Mas a longo prazo, após 30 anos, quando as pessoas começam a receber o dinheiro e temos pessoas mais bem preparadas para a reforma, o impacto torna-se positivo.
Julgo que é por causa destes impactos negativos iniciais que é muito difícil implementar estes sistemas. Claro que vai tirar dinheiro do bolso das pessoas, que terão menos para gastar. Também vai aumentar os custos das empresas. Politicamente, a dificuldade é sempre levar a que as pessoas aceitem a dor no curto prazo para que ganhem no longo.
Que críticas enfrentou o governo irlandês?
Acho que de uma forma geral, a um nível de topo, toda a gente percebe que temos de fazer alguma coisa. Não podemos ter uma situação em que metade da população chega à reforma sem poupanças ou a ter de depender apenas de um sistema público que já está sob pressão em termos de sustentabilidade. Um sistema de pay-as-you-go depende de ter um fluxo constante de novos trabalhadores, de pessoas jovens, a entrarem no sistema, cujas contribuições servem para pagar as pensões de quem está na reforma.
A nossa demografia está a mudar muito. Neste momento, temos cerca de cinco trabalhadores por cada pensionista, mas dentro de 30 anos serão dois trabalhadores por cada trabalhador. Há o reconhecimento de que o mais importante é concordar sobre o objetivo político e conseguir um consenso alargado. Na Irlanda, passámos muito tempo a debater esta questão. Nunca será perfeito, mas existe a oportunidade de mudar as coisas com tempo. É mais importante avançar do que ficar à espera de encontrar um modelo perfeito.
Estão previstas alterações ao sistema de pensões público?
Foram feitas algumas mudanças no sistema público ao longo dos anos. É menos generoso do que no passado, mas continua a ser generoso no sentido em que continua a ser um sistema de benefício definido e continua aberto à entrada de novos trabalhadores. A maioria dos esquemas de benefício definido na Irlanda já não estão abertos. Esse setor está a encolher significativamente e existem questões de sustentabilidade, mas neste momento não há planos para novas mudanças no sistema público.
Há uma segurança adicional que as pessoas sentem por terem os seus planos pessoais e não ter de se preocuparem se o Estado será capaz de pagar as pensões que estão à espera de receber dentro de 30 ou 40 anos.
Em Portugal, temos um sistema pay-as-you-go e os planos privados têm um peso reduzido. Tem havido várias propostas e uma delas passa por permitir que os trabalhadores passem a canalizar parte dos descontos para a Segurança Social para um plano privado. Ou seja, tal como a Irlanda, o Estado seria responsável por uma pensão mínima e o trabalhador teria a liberdade de decidir como seriam aplicadas as restantes contribuições. É uma proposta que faz sentido?
É difícil avaliar quando se está a olhar de fora, porque é necessário ter uma compreensão completa do sistema do país. Isso foi feito noutros países, como a Suécia, e de alguma forma também no Reino Unido, onde é possível ter parte das contribuições geridas pelo privado. Se olharmos puramente de uma perspetiva de gestão de risco, a diversificação é sempre boa.
Considero que há uma segurança adicional que as pessoas sentem por terem os seus planos pessoais e não terem de se preocupar se o Estado será capaz de pagar as pensões que estão à espera de receber dentro de 30 ou 40 anos.
Os governos mudam as regras e as pessoas acabam a receber menos.
Sim, já vemos isso em muitos países com o aumento da idade de reforma. Na Irlanda, a idade de reforma passou de 65 para 66 anos e já existiram propostas para subi-la para 67 ou 68 anos. Há uma diferença para quem está agora no mercado de trabalho face a quem se reformou com 65 anos. Isto mostra que devemos ter um pouco de responsabilização pessoal, pode ser bom. É uma questão difícil e por isso é que quando se fazem mudanças é preciso ser muito claro em relação aos objetivos e depois encontrar a melhor forma para os atingir.
Até porque o processo de transição é muito difícil. Neste caso, se as pessoas começarem a canalizar parte das contribuições para um plano privado alternativo, numa primeira fase o Estado terá muito maior dificuldade em financiar um sistema pay-as-you-go.
Sem dúvida, a transição é um grande desafio. Neste momento, quem faz contribuições para sistemas de pensões pode ter isenções fiscais quando recebe o dinheiro na reforma. No sistema de inscrição automática, o Estado terá de fazer uma contribuição direta. Ora, do ponto de vista do Estado, é muito diferente ter uma despesa do que não receber tanto em impostos.
Os pensionistas tendem a ser muito poderosos como grupo de lóbi. Os políticos são muito sensíveis às suas necessidades. Além disso, já estão numa fase da vida em que já não podem tomar ações que permitam mitigar uma diminuição da pensão.
Olhando de uma forma mais alargada para a Europa, temos assistido a reformas em vários países. Considera que as mudanças estão de facto a garantir a sustentabilidade a longo prazo?
Considero que há uma vontade de ter uma maior sustentabilidade, mas o que vemos é que na maioria dos países é muito difícil introduzir reformas. Os pensionistas tendem a ser muito poderosos como grupo de lóbi. Os políticos são muito sensíveis às suas necessidades. Além disso, já estão numa fase da vida em que já não podem tomar ações que permitam mitigar uma diminuição da pensão. Acho que há um foco muito maior no desafio demográfico e as pessoas estão mais conscientes, mas é difícil.
Na Irlanda, que é um dos países com o sistema de pensões mais forte, está a tentar converter tudo de um sistema de benefício definido para um sistema de contribuição definida individual. É uma enorme mudança. Como fazê-lo de uma forma que seja justa e equitativa para toda a gente? É muito difícil. Mas acho que todos compreendem os desafios sobre a sustentabilidade do sistema.
Politicamente, é um processo muito difícil de gerir.
É muito difícil. Os políticos, por causa da natureza da política, focam-se normalmente nas questões de curto prazo. É isso que lhes dá votos. Não se pode culpar apenas os políticos, porque na verdade é isso que os eleitores querem. Querem melhorias de curto prazo nas suas vidas. Por isso, é muito difícil que as pessoas aceitem a dor que é necessária para ter benefícios a longo prazo.
À medida que a população envelhece será ainda mais difícil fazer essas reformas, porque a maioria dos eleitores não quererá sofrer com a mudança?
Sem dúvida. Esse é um grande problema neste momento. Por outro lado, as projeções demográficas a muito longo prazo são difíceis e questionáveis. Na Irlanda, estamos a prever que passaremos de cinco trabalhadores por cada pensionista para dois ou um dentro de 30 anos. É questionável que seja possível ter uma economia funcional com esse rácio. Teremos de garantir que temos mais pessoas em idade ativa, seja encorajando a imigração ou através de outras medidas. Ou talvez os avanços tecnológicos venham a permitir que a economia funcione com menos trabalhadores.
Temos a tendência de olhar para as pensões como um tema isolado, mas não podemos. Se tivermos uma população mais envelhecida e uma população jovem mais pequena, as despesas com educação serão muito menores. É preciso olhar para a questão de forma holística.
O cenário poderá não ser assim tão mau.
É difícil antecipar, mas sim, pode não ser tão mau e as pessoas podem encontrar outras formas. Também está a tornar-se cada vez mais comum as pessoas continuarem a trabalhar após a reforma ou terem trabalhos em regime de part-time. Também podem ter outras poupanças. Não têm forçosamente de depender apenas da pensão.
Acho que é muito importante levar as pessoas a pouparem o mais cedo possível, assim que começam a trabalhar.
Há muitas dinâmicas, mas ainda assim é preciso agir desde já.
Há imensas dinâmicas que são difíceis de prever, mas ao mesmo tempo não podemos usar isso como uma desculpa para não fazer nada. É preciso ter um plano para o futuro.
E considera que a Europa está a fazer corretamente esse planeamento?
Acho que há consciência de que deveriam estar a fazê-lo, mas também a consciência de quão difícil é fazê-lo.
A tendência será, de qualquer forma, para as taxas de substituição do último salário serem mais baixas.
É provável, em particular nos países onde as taxas de substituição são muito elevadas neste momento. Sobretudo se forem pensões do Estado, torna-se mais difícil de sustentar.
O que seria um sistema de pensões ideal?
O mais importante é ter um bom equilíbrio entre um sistema público, com um nível adequado de pensões e que seja sustentável, com um sistema privado. Além disso, acho que é muito importante levar as pessoas a pouparem o mais cedo possível, assim que começam a trabalhar.
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