Pensões, que futuro?

Portugal tem um sistema menos generoso, com taxas de substituição do último salário que serão cada vez mais baixas, mas que nem assim tem a sustentabilidade garantida.

Soube-se esta semana que as pensões vão aumentar entre 3,89% e 4,83% a partir de janeiro – algumas décimas mais do que o previsto no Orçamento do Estado – à conta da revisão em alta do PIB e inflação. A subida ficará, mesmo assim, muito abaixo do que resultaria da fórmula de cálculo das pensões prevista na legislação, o que na prática significa um corte permanente, uma vez que os aumentos futuros incidirão sempre sobre uma base menor.

O Governo justificou a decisão de avançar com um diploma para travar o aumento das pensões em 2023 com a necessidade de proteger a sustentabilidade do sistema público. É certo que a inflação deste ano tem um caráter extraordinário, mas mais uma vez ficou demonstrado que o Estado não consegue honrar o compromisso assumido com os pensionistas.

O sistema já foi bem mais generoso. A partir de 2008, com a entrada em vigor da legislação que introduziu o fator de sustentabilidade e alterou o cálculo das pensões para incluir faseadamente toda a carreira contributiva, a idade de reforma aumentou e o cheque futuro da Segurança Social encolheu. A chamada taxa de reposição (a percentagem do salário no final da vida ativa que é coberta pela pensão) chegou a ser de 90%. Segundo um estudo muito recente da Nova School of Business and Economics sobre o Protection Gap na economia portuguesa, a taxa de reposição média, que em 2019 era de 74%, vai caindo nos próximos anos até atingir 46% em 2070. É menos de metade do último salário e será a terceira maior redução na Europa.

Isto mantendo as regras atuais, uma vez que nada garante que este e os futuros governos não venham a introduzir cortes, como acontecerá em janeiro, de forma a preservar o sistema.

Na breve análise à sustentabilidade financeira da Segurança Social que consta do relatório do Orçamento do Estado, está escrito que o sistema previdencial começará a apresentar saldos negativos a partir do início da próxima década, a rondar os 0,8% do PIB. Ou seja, dentro de sete ou oito anos, aquilo que os trabalhadores descontam já não chegará para pagar ao número crescente de pensionistas.

É aí que entrará em ação o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), que deverá fechar este ano com 22,2 mil milhões de euros em ativos, robustecido pelas crescentes fontes de receita introduzidas nos últimos anos: Adicional ao IMI, uma parcela do IRC e o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário. Assumindo uma rentabilidade de 4% dos investimentos ao longo do tempo, o Governo projeta que o FEFSS não se esgote até 2060. Se a almofada cobre, é porque está tudo fantástico?

Não. Se estivesse, não era preciso o corte de 2023. Nem o Governo teria dito ao FMI que pretendia “criar um grupo de trabalho para explorar as opções para reforçar a sustentabilidade da Segurança Social”, assinalando que “as reformas passadas nas pensões mitigaram os efeitos orçamentais do envelhecimento, mas que será necessário mais esforço nos próximos anos”. É que a demografia portuguesa, que já é desafiante, caminha para o arrepiante.

Segundo o último Ageing Report da Comissão Europeia, em 2019 havia em Portugal 3,7 pessoas com 65 ou mais anos por cada 10 em idade ativa (20 a 64 anos). A projeção aponta para que o rácio passe para 6 em cada 10 em 2040 e para quase 7 em cada 10 em 2050. Posto ao contrário, haverá 1,45 trabalhadores por cada potencial pensionista. Já agora, juntando aos idosos os jovens que ainda não trabalham, dentro de 28 anos haverá mais dependentes do que população ativa para os sustentar. Dá que pensar.

Por um lado, temos um sistema muito menos generoso, com taxas de substituição do último salário cada vez mais baixas, sem as quais capitularia. Por outro, nem isso garante a sustentabilidade a prazo do sistema e o próprio Governo reconhece que são necessárias alterações. Ou seja, é um problema para os futuros e os atuais pensionistas.

Mesmo sem capitulação, uma grande parte dos reformados sofrerá uma perda muito acentuada do poder de compra face ao último salário. Se a proporção da população acima dos 65 é cada vez maior, superando os 50% lá para meados da próxima década, a quebra de rendimento terá um impacto recessivo na economia pela redução do consumo privado. Afinal, não está tudo bem.

A situação seria bem menos adversa se existisse uma cultura generalizada de poupança para os “anos dourados”. Segundo o estudo sobre o Protection Gap, apenas 13% da população tem mecanismos complementares de reforma. Um inquérito realizado no âmbito de outro estudo para o regulador dos seguros, coordenado pelo economista Fernando Alexandre, da Universidade do Minho, conclui que 57% não poupa para a reforma.

Para evitar males maiores é preciso atuar o mais rapidamente possível, incentivando alternativas. O Pensions Outlook 2022 da OCDE, divulgado na quinta-feira, aponta a urgência de se criarem sistemas complementares, que permitam uma a diversificação das fontes de financiamento da reforma, “tornando os sistemas de pensões mais resistentes aos desafios que enfrentam, tais como o envelhecimento da população”.

A OCDE coloca o foco no papel que pode ser desempenhado pelas entidades empregadoras, de forma isolada, ou em “parceria com o trabalhador”. O Estado também pode ter aqui um papel. Jorge Bravo, professor da Nova SBE, sugere que as contribuições das empresas para um fundo de pensões deem direito a um desconto na fatura do IRC. O Reino Unido introduziu em 2008 um sistema de inscrição automática para os trabalhadores, em que quer estes quer o empregador colocam contribuições. Quem o desejar, pode pedir a desvinculação. A Irlanda vai fazer o mesmo a partir de 2024. Por cada três euros que o trabalhador descontar, a empresa põe outros três e o Estado um.

A vantagem da inscrição automática é que permite atingir uma cobertura muito mais abrangente destes sistemas complementares. Outra opção é sensibilizar a população para a necessidade deste pé-de-meia, o que passa pelo Estado assumir de forma transparente que as pessoas vão perder poder de compra e reforçar os incentivos fiscais à poupança, invertendo o caminho que foi feito nos últimos anos.

Quanto mais tarde, mais difícil será reformar. Jerry Moriarty, administrador da Pensions Europe e CEO da Associação Irlandesa de Fundos de Pensões, assinala, em entrevista ao ECO, que “os pensionistas tendem a ser poderosos como grupo de lóbi”, dado o seu peso no eleitorado. Quanto mais envelhecida for a população, maior será o custo político das reformas e a resistência a fazê-las.

Moriarty, que participou esta semana num conferência da APFIPP sobre pensões, lembra também que é necessária uma visão holística do problema. Encorajar a emigração pode permitir manter ou mesmo aumentar a população ativa, em vez dela encolher. Há outros fatores que podem pesar. É provável que mais pessoas queiram trabalhar além da idade da reforma no futuro, mesmo que apenas em part-time. Os avanços tecnológicos poderão trazer um salto na produtividade. Por outro lado, sendo o número de jovens menor, as despesas do Estado com educação também o serão.

As projeções a longo prazo têm uma elevadíssima dose de incerteza, mas a pensão que se irá receber do Estado também. O melhor é mesmo ter um plano B.

E na próxima semana?

  • Termómetro global

A semana começa com a divulgação da leitura final dos índices PMI referentes a novembro nas principais economias: Japão, China, Espanha, Itália, França, Alemanha, Reino Unido, EUA e Zona Euro. Os indicadores deverão apontar, de forma genérica, para uma ligeira contração da atividade. Quarta-feira, é divulgada a evolução da produção industrial na Alemanha, em outubro.

  • Pistas finais do BCE

A semana que antecede a reunião de política monetária do BCE será marcada por vários discursos de membros do banco central, com destaque para Christine Lagarde, na segunda e na quinta-feira.

  • Banco do Canadá sobe taxas

Quarta-feira há reunião de política monetária do Banco do Canadá. Mercados e economistas estão divididos sobre se haverá uma subida de 25 ou 50 pontos base. O ING está mais inclinado para o segundo, prevendo que a taxa de referência atinja um pico de 4,5% no primeiro trimestre de 2023.

  • Greve de tripulantes de cabine da TAP

O Sindicato Nacional do Pessoal da Aviação Civil tem agendada uma assembleia geral para terça-feira, para tomar uma decisão final sobre o pré-aviso de greve agendado para dias 8 e 9. A paralisação dos tripulantes é o cenário mais provável e a TAP já conta com ele, tendo pedido aos passageiros para remarcarem os voos. A companhia aérea estima que a greve tenha um impacto negativo de 8 milhões.

  • Transatlantic Business Summit 2022

A Câmara de Comércio dos EUA em Portugal (AmCham) realiza, na terça-feira, a sua conferência anual. Nuno Rangel, da Rangel Logistics Solutions, Thomas Hegel Gunther, da VW Autoeuropa, Marcelo Lebre, da Remote, Diogo Mónica, da Anchorage, Isabel Vaz, da Luz Saúde e Daniela Braga, da Defined.ai são alguns dos oradores do extenso programa. Pelo Governo, estará Bernardo Ivo Cruz, secretário de Estado da Internacionalização.

Nota: Este texto faz parte integrante da newsletter Semanada, enviado para subscritores à sexta-feira, assinada por André Veríssimo. Pode subscrever a Semanada aqui.

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