“A Euribor a 3% é um valor demasiado baixo”, defende economista-chefe da AllianzGI

Stefan Hofrichter, economista-chefe da AllianzGI, defende que o BCE tem de fazer mais para baixar a taxa de inflação, aumentando ainda mais as taxas de juro e apressar a restrição quantitativa.

À medida que o Banco Central Europeu (BCE) aumenta as taxas de juro para controlar a inflação, coloca-se a questão se a autoridade monetária da Zona Euro poderá parar num nível chamado “neutro” ou se ainda precisará de arrefecer a economia, apesar de estar a caminhar para a recessão.

A taxa neutra é aquela que não estimula nem abranda o crescimento da economia, conseguindo um equilíbrio entre o PIB com o seu potencial e estabilizando ao mesmo tempo a inflação. Acredita-se que para o BCE, essa taxa se situa entre 1,5% e 2%. Porém, de acordo com os atuais valores da taxa de inflação, Stefan Hofrichter, economista-chefe da Allianz Global Investors (AllianzGI) que tem sob gestão quase 600 mil milhões de euros, não tem dúvidas de que a entidade liderada por Christine Lagarde tem pouca margem de manobra para deixar de continuar a aumentar as taxas de juro.

Apesar de um pouco por todo o mundo se registar um abrandamento da atividade económica, o mercado de trabalho continua a mostrar sinais de resiliência. É possível termos uma recessão com um mercado de trabalho sólido?

Não. Uma recessão sem uma deterioração do mercado de trabalho não é uma recessão. Mas podemos ver a questão por outro prisma: é muito provável termos uma recessão dado o comportamento de subida das taxas de juro para valores acima do valor neutral considerado pelos bancos centrais, que levará a uma deterioração do mercado de trabalho.

Mas é só pela solidez do mercado de trabalho que ainda não entrámos numa recessão?

O mercado de trabalho é sem dúvida um indicador chave para avaliarmos se uma economia está ou não numa recessão porque está diretamente ligado ao rendimento das famílias. A força do mercado de trabalho que vemos hoje é talvez o argumento mais forte para que a recessão ainda não tenha acontecido, e para que não venha a acontecer até 1 de janeiro, mas provavelmente acabará por acontecer em meados do próximo ano.

Que outros indicadores o alertariam para uma situação de recessão na economia mundial?

Além do mercado de trabalho, o mercado imobiliário é outro indicador que nos dá uma leitura clara da situação da economia. E atualmente o mercado imobiliário está a arrefecer. É isso que estamos a observar em alguns mercados, como o Canadá, onde observamos correções de 10%, e a Suécia que já dá sinais de grandes perdas.

É preciso fazer mais para baixar a taxa de inflação. O BCE também diz que é tudo uma questão de taxas. Mas, na verdade, também tem muito a ver com a política de restrição quantitativa, que ainda não começou.

Temos também observado cada vez mais países a apresentarem uma inversão da sua curva de rendimentos. Alemanha, Brasil, Reino Unido e EUA são alguns desses exemplos. São dados preocupantes?

A inversão da curva de rendimentos é um indicador bastante importante de antevisão de uma recessão, mas temos de olhar para lá da curva. Os mercados centram-se particularmente no gap entre as yields das obrigações a dez e dois anos, que há uns meses apresentava uma inversão razoável. Mais recentemente, este diferencial foi substancialmente distorcido e isso deve deixar-nos sob alerta.

Olhando para crises anteriores, vivemos hoje um período mais severo do que alguns períodos na década de 1970 e 1980 ao nível da política monetária?

A atual inversão da curva de rendimentos dos países pode ser mais profunda desta vez porque a Fed tem de fazer mais, os bancos centrais têm de fazer mais do que aquilo que têm feito ou estão dispostos a fazer para combater a inflação, em comparação do que acontecia há 30 ou 40 anos. E isso terá grandes consequências para a economia mundial.

Atualmente, os contratos de futuros sobre a taxa Euribor para julho de 2023 apontam para uma taxa de 3%. É um valor subestimado?

Não é excessivo. A Euribor a 3% é até um valor demasiado baixo.

Acredita então que o BCE irá aumentar as taxas de juro para lá da barreira dos 3%?

Provavelmente o BCE acredita que a taxa de juro neutral se situa entre 1,5% e 2%. Isto significa que a taxa de juro real da Zona Euro fica entre -0,5% e 0%, assumindo uma taxa de inflação de 2%. Será esta uma taxa de juro real neutral para uma economia que está a crescer com uma taxa de crescimento potencial de 1%? Não. É demasiado baixa.

Temos um enorme estímulo monetário que foi concedido durante muito tempo pelos bancos centrais à economia e esta liquidez que foi injetada no sistema ainda está connosco e precisa de ser absorvida.

Qual seria a taxa de juro real neutral que faria sentido o BCE considerar?

Provavelmente uma taxa entre 0,5% a 0,75%. Se a isso somarmos uma taxa de inflação de 2% ou 2,5%, então chegamos a uma taxa de juro neutral de 2,5% ou mais. E depois ainda é preciso adicionar o combate à inflação. Por tudo isso acredito que a expectativa do mercado não é que a taxa de depósitos na Zona Euro se fixe nos 3%. É um valor demasiado conservador.

Mas temos ouvido cada vez mais vozes dentro do BCE referindo a necessidade de haver um abrandamento da subida das taxas de juro e muitos a anteciparem até que a política de subida de taxas de juro terminará no primeiro trimestre do próximo ano, após as reuniões de dezembro deste ano e de fevereiro do próximo.

É preciso fazer mais para baixar a taxa de inflação. O BCE também diz que é tudo uma questão de taxas. Mas, na verdade, também tem muito a ver com a política de restrição quantitativa, que ainda não começou. É preciso fazer progressos nesse sentido.

Vários governadores de diferentes bancos centrais da zona euro já anunciaram que a restrição quantitativa deverá ter início no próximo ano. É demasiado tarde?

Veremos. O importante é que deem início a essa política e depois que façam o devido acompanhamento.

Muitos analistas acreditam que a taxa de inflação no próximo ano, sobretudo a partir do segundo semestre, venha a registar uma correção a pique e possa inclusive chegar a 2024 com valores próximos aqueles que foram registados no início deste ano. Qual é a sua expectativa sobre a evolução da inflação para os próximos dois anos?

Estou bastante cético em relação a essa ideia generalizada. A inflação descerá porque quando o ciclo económico está a mudar, a inflação desce sempre. Mas esse é o argumento convencional baseado na experiência dos últimos 30 anos: crescimento económico gera subida da inflação e o abrandamento do crescimento económico provoca uma correção da inflação para níveis com os quais os bancos centrais se sentem confortáveis. Mas as coisas mudaram.

Isso é uma forma de dizer que “desta vez é diferente”?

Não. Estou apenas a dizer que alguns dos fatores que hoje explicam a inflação são semelhantes aos que tivemos no passado, mas temos um enorme estímulo monetário que foi concedido durante muito tempo pelos bancos centrais à economia e esta liquidez que foi injetada no sistema ainda está connosco e precisa de ser absorvida. E isto não acontece rapidamente.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“A Euribor a 3% é um valor demasiado baixo”, defende economista-chefe da AllianzGI

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião