Vinho Português no Brasil, o que esperar dos próximos anos?

  • Rodrigo Gentil Quina
  • 10 Dezembro 2022

O Brasil parece também ter redescoberto Portugal como destino turístico, e o Vinho faz parte dos atrativos que trazem a Portugal tantos turistas Brasileiros.

A incerteza e a expectativa não estão só no mercado Brasileiro, estão em todos os mercados, vivemos um momento em que a previsibilidade dos negócios e das vendas são muitas vezes ultrapassadas pela realidade, por eventos inesperados, e o setor do Vinho apesar de se ter mostrado bastante resiliente nos últimos anos e com crescimento tanto nas exportações como no mercado nacional, é permeável aos acontecimentos internacionais.

E para tentar olhar para o futuro, faz sentido primeiro olhar para trás. E se olharmos para a as exportações de Vinho Português para o Brasil nos últimos 20 anos, é difícil encontrar uma correlação entre política e vinho comprado.

No ano de 2000 o Brasil era o mercado mais importante em termos de exportação de Vinho engarrafado DOP para Portugal, com altos e baixos, mas com uma tendência de crescimento que começa a ser mais evidente a partir de 2007 e não parou de crescer mais, dobrando entre 2015 e 2021. Claro que este movimento não aconteceu só no Brasil, mas foi um dos países que mais impulsionou o crescimento dos Vinhos Portugueses.

Neste momento, no total das exportações de Vinho Português, o Brasil é o 4º Mercado em valor, com um volume de exportações em 2021 de cerca 73 Milhões exportados, representa uma quota de 8% das nossas exportações de Vinho. Se olharmos para os Vinhos DOP, o Brasil é o mercado líder para as nossas exportações, e a quota nesta categoria é de 13%. Então podemos olhar para o Brasil como um mercado importante no todo, mas com um peso muito relevante para os Vinhos com Denominação de Origem Protegida.

Ao longo destes anos em análise, tivemos na Presidência do Brasil Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva, Dilma Roussef, Michael Temer e Jair Bolsonaro. Vemos que o crescimento das nossas exportações se acentuou nos últimos cinco anos, mas é difícil criar uma ligação direta. No estudo da Wine Intelligence, verificamos que entre 2010 e 2021 o número de consumidores de Vinho no Brasil dobrou, com 36% da população brasileira adulta a consumir Vinho, isto tem sido impulsionado por mudanças de comportamento, com uma faixa grande da população a consumir vinho pelo menos uma vez por mês, o que representa mais de 50 milhões de adultos.

Além do aumento do consumo de Vinho no Brasil e do peso do Vinho importado, Portugal tem vindo a conquistar posições no Ranking dos Países fornecedores e se em 2011 Portugal disputava o 4º,5º lugar com Itália e França, nos últimos anos disputa o 2º lugar com a Argentina, conseguindo consistentemente ser o 2º País mais importado, só ficando atrás do Chile.

Isto tem sido fruto de um grande trabalho de comunicação e divulgação no Brasil, através da ViniPortugal, das diferentes CVRS, dos Produtores e de muita gente envolvida nesse esforço. O Brasil parece também ter redescoberto Portugal como destino turístico, e o Vinho faz parte dos atrativos que trazem a Portugal tantos turistas Brasileiros. Uma das pessoas que tem trabalhado em nome do Vinho Português no Brasil, nos últimos anos, é o Diretor Geral da Exponor Brasil e atual responsável da Promoção da ViniPortugal no Brasil, Domingos Meirelles, que tem a seguinte opinião sobre o possível impacto das eleições no Brasil.

“Tal como era previsível, as eleições presidenciais no Brasil foram muito disputadas e o vencedor ganhou com uma pequena margem, no entanto, como em democracia “por um voto se ganha e por um voto se perde”, o que importa é o que vem por aí.

E para o setor de vinhos o importante é saber qual será a política económica futura, uma vez que, inflação alta e consequentes juros altos, têm forte impacto, não só nas vendas, como também no comportamento dos atores econômicos.

Não há dúvida que o Brasil, tal como outros países do mundo, sofre neste momento uma alta inflacionária. Pessoalmente, entendo que entre diversas causas, aparecem por ordem de importância a pandemia, à qual se juntou posteriormente a guerra na Ucrânia. A política económica no Brasil foi célere em aumentar as taxas de juros para conter a inflação e, tudo indica que em boa hora o fez, conseguindo travar o prematuramente o crescimento da inflação. Não por acaso, a inflação brasileira é atualmente mais baixa que a dos Estados Unidos, o que não deixa de ser um fato a salientar.

O mercado já trabalha com previsões que a inflação e as taxas de juros se manterão altas até (pelo menos) meio de 2023. Perante tais desafios, a questão que importa é saber qual será a política económica que o novo governo eleito irá implementar. Se o governo do PT mantiver a tradição de aumento da despesa, será normal que a queda da inflação e, consequentemente, das taxa de juros seja mais lenta. No entanto, existe também a expectativa que um legislativo mais independente, possa servir de amortecedor para medidas mais ortodoxas, que o próximo governo possa tomar.

Perante este quadro e sabendo que o mercado de vinho não vive isolado, havendo mais inflação e taxas de juros mais elevadas, haverá menos dinheiro em circulação, o consumo irá retrair-se, levando a uma expectável diminuição do consumo, ou eventualmente haja um trade off por vinhos mais baratos. Por outro lado, taxas de juros mais altas, tendem a fazer o Real valorizar-se face ao Euro, o que seria sempre positivo para os exportadores portugueses.

Também é preciso ter em atenção ao fenómeno dos importadores no Brasil. Com uma inflação mais baixa e sobretudo com taxas de juros mais baixas, o custo do dinheiro ficou mais barato e por isso fazer stock também ficou mais barato.

No momento em que as taxas de juro subirem para dois dígitos, os importadores começam a ter em conta o custo do dinheiro parado (stocks) e podem voltar a preferir não importar e comprar localmente às importadoras tradicionais, ainda que assim percam um pouco de margem. Este fenómeno pode impactar os produtores portugueses que começaram a vender diretamente para redes de retalho que importavam diretamente, sobretudo as menores.

Mas o Brasil é o Brasil, país continental, de grandes recursos naturais e onde a iniciativa privada funciona muito bem, apesar dos governos. Estou certo que o consumo de vinhos é já uma realidade para muitos brasileiros e, por isso, o consumo deverá continuar a crescer. Como os vinhos portugueses têm uma excelente perceção de qualidade/preço, é normal que as vendas também continuem a crescer. Há que acreditar e continuar a investir no mercado.”

Pedi o contributo de alguém que está também muito presente nos dois mercados, tanto em vendas como Produção – Rui Correia – à data em que escrevo este artigo, Head of Marketing and Sales da Global Wines que produz em Portugal e no Brasil, marcas como Cabriz, Casa de Santar e Rio Sol (Brasil). “Espero que a base de consumidores no Brasil continue a aumentar, bem como o consumo per capita. Não consigo fazer uma ligação entre os aumentos de vendas e consumo dos últimos anos e a política. Não consigo afirmar que tenha sido pelas políticas de Jair Bolsonaro que isso tenha acontecido e também não posso afirmar que agora será diferente.

Nem tão pouco acredito que já se tenha conseguido explorar o mercado na sua totalidade, pelo que há com toda a certeza muito ainda para fazer e, independente de quem esteja no poder, desde que não crie mais barreiras à importação de vinhos, muitos consumidores para conquistar.”

Resumindo, apesar do otimismo de que o mercado irá fazer o seu papel e o consumo de Vinho se irá manter e Portugal continuará com a sua posição, elencaria as seguintes preocupações:

O consumidor brasileiro manterá um poder de compra que lhe permita comprar Vinho importado de Portugal?

Como é que o Real se irá comportar face ao Euro, irá desvalorizar?

Como é que as taxas de juro irão influenciar a gestão de stocks dos Importadores?

As relações Portugal – Brasil, independentemente das lideranças políticas, vão continuar fortalecer-se através dos residentes e do Turismo?

O Vinho Brasileiro com qualidade crescente, irá tomar espaço aos Vinhos importados?

A nosso favor joga que o consumo e a paixão pelo Vinho no Brasil, continuam a crescer, com base em vários fatores, nomeadamente ser uma bebida desejada, que o consumo é identificado com classes mais altas, o que tem feito que haja um cada vez maior desejo de conhecer e o crescimento de uma cultura vínica, que tem outros drivers culturais importantes. O que é de relevo é que cada vez mais a cultura vínica cresce no Brasil e os agentes Portugueses têm tido um papel de destaque também pela proximidade da língua e pelo trabalho muito presente no mercado.

É um mercado em que Portugal apesar de concorrer com o resto do mundo tem uma posição privilegiada. É um mercado 20 vezes maior que Portugal e com um potencial de crescimento no consumo per capita de 2,64 litros/ano contra os 51,9 litros/ano de Portugal. Acredito que as relações entre Governos vão-se fortalecer, não sei se terá um impacto directo nas exportações e no consumo, mas terá um impacto positivo no relacionamento. E o Vinho e os negócios são relacionamento, vamos ter de continuar a trabalhar, ser ágeis a reagir à volatilidade do mercado, mas continuar no terreno com força, educação, acções, eventos, presença dos produtores no Brasil. Em Portugal, continuar a receber bem os turistas e os residentes Brasileiros para criar mais laços com Portugal, a Gastronomia e o Vinho.

  • Rodrigo Gentil Quina
  • Wine Business and Sales Advisor

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