Os prejuízos do Banco de Portugal

É altura de o Banco de Portugal dizer a verdade aos portugueses sobre o valor dos prejuízos que tem escondidos no seu balanço. Os contribuintes que os vão pagar têm direito a conhecê-lo.

Sempre que ouvimos alguém dizer que se pode gastar sem limite porque não custa nada devemos ficar de sobreaviso. Os nossos filhos têm muitas vezes esta atitude porque são demasiado novos para perceber o que custa ou porque estão na idade da irresponsabilidade e do não “quero saber”, que atinge o auge por volta dos 17 anos em que agora alguns “responsáveis” os querem por a votar.

Aplicar este tipo de atitude irresponsável aos governadores de bancos centrais ou a economistas premiados com o Nobel deveria ser impensável. Normalmente são pessoas sisudas, mas compenetradas nas suas funções e, porque conhecedoras, conscientes de que o mundo não é perfeito. Acima de tudo são suficientemente sabedores para perceber que com as decisões vêm sempre aspectos negativos a acompanhar as desejadas consequências positivas.

Infelizmente, os governadores de bancos centrais e os economistas premiados também têm as fraquezas dos seres humanos. Foi certamente por isso que durante anos assistimos a uma política monetária com taxas de juro negativas e economistas conceituados como Olivier Blanchard e Joseph Stiglitz a afirmarem que os governos deveriam aproveitar essas taxas para se endividar o mais possível e aumentar o investimento público. Isto numa altura em que os países já estavam sobreendividados.

No caso dos economistas é difícil perceber como podem dar conselhos desses. Vêm na linha da declaração infeliz de Keynes sobre a bondade da despesa pública para abrir e fechar buracos nas estradas. Ambos sabem que os recursos não são infinitos e também conhecem a lei dos rendimentos marginais decrescentes, e, acima de tudo, sabem que a divida contraída para pagar esses investimentos tem de ser paga no futuro. Mesmo que algumas emissões de divida sejam obtidas a taxas negativas é o montante total da dívida que está a crescer e que no futuro, quando as taxas já não forem negativas, terá de ser renovada e paga.

Por isso fico sempre admirado que alguns economistas possam ser tão bons e ao mesmo tempo tão levianos nas afirmações que fazem. Uma explicação poderá ser o facto de não terem responsabilidades políticas, o que lhes dará alguma liberdade para que a sua imaginação ultrapasse os limites do razoável.

O mesmo não se passa com os governadores dos bancos centrais e com os comités que os acompanham. Têm a responsabilidade de gerir a política monetária e cambial apesar de não terem legitimidade democrática, não podendo ser destituídos em eleições em nome da independência que supostamente possuem. Isso dá-lhes uma responsabilidade ainda maior pelas consequências das suas decisões.

Estes responsáveis viram-se há alguns anos perante uma realidade objectiva: A dívida dos países desenvolvidos cresceu a um ritmo insustentável, com os EUA na liderança. Obama, Trump e Biden colocaram a divida pública norte-americana em níveis estratosféricos. Na Europa também os governos gastaram o mais que puderam: França, Reino Unido e até a austera Alemanha estão cada vez mais endividados (e nem falo de Portugal). As justificações apresentadas foram sempre excelentes desde “a dívida não é para se pagar” e do “não pagamos” dos radicais socialistas até ao “o que interessa é o valor da dívida em % do PIB” dos teóricos, que é como quem diz, desde que a percentagem pareça aceitável os governos podem endividar-se à vontade. Depois “alguém a pagará, mas isso é no futuro, não é agora”.

Perante este cenário, o que é que os bancos centrais supostamente “independentes”, mas pressionados pelos governos, resolveram fazer? Descobriram uma fórmula mágica para a nova política monetária: estimular a economia “sem” qualquer custo. O duplo objectivo era garantir financiamento a custos baixos ou mesmo negativos para ajudar os governos a pagar as dívidas que criaram com as suas políticas populistas e, indirectamente, também as empresas muito endividadas.

Esta poção mágica de taxas de juro baixas durante anos a fio foi “ingerida” apesar de ir contra o mandato legal dos bancos centrais, que é manter a taxa de juro de referência em níveis estáveis e razoáveis, a rondar os 2%. Mas quem mandava eram os governos que queriam taxas de juro baixas e a sua pressão para reduzir a dívida foi demasiado forte para governadores e comités de política monetária. Por isso os bancos centrais cederam à pressão e aceitaram financiar a desalavancagem das dívidas num continuo desrespeito da lei que os próprios governos aprovaram.

Para reforçar esse apoio, juntaram às taxas de juro já baixas uma política de “quantitative easing” que ainda as fazia baixar mais, em que os bancos centrais compram títulos de dívida pública, na sua grande maioria, a bancos comerciais, permitindo-lhes ter acesso a mais fundos para investir em outros activos que, desta forma, podem ser canalizados para dinamizar a economia. Este mecanismo está em uso desde 2009, mas inicialmente com valores modestos. Nos últimos anos, e especialmente com a pandemia, os valores tornaram-se cada vez maiores e levaram mesmo ao crescimento da massa monetária de uma forma irracional e ao “explodir” da inflação. Foi mais uma falha de governo sob a forma de uma teoria que defende haver dinheiro fácil e sem custo.

A criação de ilusões dá sempre mau resultado e os problemas surgem quando são expostas e a realidade vem ao de cima. O resultado da política monetária expansionista “forçada” pelos governos não foi o desejado pelos seus responsáveis e falhou em todas as suas dimensões:

  • Falhou porque o crescimento económico não apareceu apesar da ilusão criada. Os países desenvolvidos continuaram estagnados e a sofrer os efeitos restritivos da burocracia excessiva, das inúmeras falhas de governo, dos elevados impostos e das políticas erradas.
  • Falhou porque os governos não aproveitaram a oportunidade para reduzir a divida significativamente. Pelo contrário, continuaram a gastar irresponsavelmente, embalados por prioridades e políticas erradas ao nível do ambiente, da energia ou da saúde, e também por descarado eleitoralismo. A seguir veio a pandemia e o crescimento da dívida voltou a acelerar.
  • Falhou porque os bancos centrais nunca cumpriram a sua missão de conseguir a estabilidade dos preços. A política monetária seguida levou primeiro a um nível de inflação negativo e quando a inflação apareceu finalmente, a um nível que ultrapassou os 10% anuais. Com o regresso da inflação voltou também o cenário da estagflação dos anos 1970.
  • Finalmente, falhou porque os bancos centrais foram acumulando nos seus balanços milhares de milhões de USD, EUR, GBP ou CHF em divida dos governos e também alguma divida de empresas. Estes títulos de dívida representam agora um enorme prejuízo para os bancos centrais.

Porquê? Porque aplicar uma política que financia aplicações com taxa fixa a longo prazo com taxas de juro variáveis de curto prazo e assumir que estas taxas de juro serão sempre mais baixas é ser mau gestor em qualquer parte do mundo, mas foi isso que os bancos centrais pressionados pelos governos fizeram.

A política monetária expansionista implementada para ajudar os governos foi um verdadeiro “tiro no pé” dado pelos bancos centrais pois provocou a subida da inflação, e com ela a subida das taxas de curto prazo que passaram a ser mais elevadas do que as de longo prazo. A aposta em rentabilidades baixas e certas investindo com custos de financiamento incertos e mais elevados está a provocar prejuízos de grande dimensão que os bancos centrais têm agora “escondidos” nos seus balanços.

A informação disponível (aqui e aqui) indica que, a preços de mercado, só as perdas conjuntas do FED (1,3 biliões USD – “trillion” em inglês), do Banco Central Europeu (800 mil MUSD), do Bank of England (230 mil MUSD), do banco central da Suiça (150 mil MUSD) e do canadiano (26 mil MUSD) totalizam 2,5 biliões de USD (equivalente a 11 vezes a economia portuguesa). Todo este custo será suportado pelos contribuintes.

O banco central holandês e o australiano anunciaram recentemente ter um capital social negativo (no caso da Holanda de 8 mil MUSD), o que significaria a falência técnica para qualquer empresa ou banco comercial. Os restantes bancos centrais, incluindo os vários FEDs, o Banco Central Europeu ou o suíço estão descapitalizados face às perdas que possuem nos respectivos balanços, não respeitando nenhuma das exigências de solvabilidade que impõem aos bancos comerciais. Quem é que vai garantir que os bancos centrais voltarão a ser saudáveis? Adivinhou, são os impostos que nós pagamos para os governos desperdiçarem.

Em Portugal, a falta de transparência do Banco de Portugal não nos permite saber qual a dimensão dos prejuízos com estas operações, mas o governador já informou o governo que não vai distribuir os dividendos de que beneficiava para equilibrar as contas públicas quando era ministro das Finanças e defendia uma política monetária irresponsável.

O balanço do Banco de Portugal no final de 2021 indicava títulos de dívida pública e de empresas no valor de 86 mil M€, um crescimento de 83% desde o final de 2017. É altura de o Banco de Portugal dizer a verdade aos portugueses sobre o valor dos prejuízos que tem escondidos no seu balanço. Os contribuintes que os vão pagar têm direito a conhecê-lo.

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