Private Equity, a próxima bolha?
Em 2022 os mercados de ações e obrigações foram penalizados pelos investidores, o imobiliário já começou a ser, mas o mesmo não se passa com os private equity. Vai continuar assim?
O ano de 2022 tem sido bastante “sangrento” no que diz respeito aos mercados de capitais em geral, desde obrigações até ações, passando pela subida exponencial do USD contra a maior parte das moedas mundiais, sendo este, no meu ponto de vista, o fator que mais contribuiu para a inflação na Europa.
De facto, não há muitos ativos cotados positivos em 2022, pelo contrário, estão bem negativos: Empresas de referência mundial, como a Amazon, a cair quase 50% à data de hoje [8 de Dezembro de 2022]; a Microsoft a perder 27% no ano, a Siemens a perder 14%. A nível de índices de ações, temos até à data em 2022, nos EUA, S&P500 -17.70%, Nasdaq -30.16%, índices de obrigações EUA, o ICE BofA US Corporates -17.52%, o ICE BofA US High Yield -13.03%. Ações Europe EuroStoxx 50 -10%, Obrigações taxa fixa globais, ICE BofA Global Corporates -17.82% e ICE BofA High Yield – 15%; etc…
Devido a atuação nos últimos anos por parte dos bancos centrais mais relevantes mundiais, com a injeção constante de capital na economia, o crescimento da inflação em finais de 2021 era previsível, sendo que a inesperada guerra na Ucrânia exponenciou ainda mais os números inflacionistas, com a subida quase sem controlo da maior parte das matérias-primas globais.
A inflação global está hoje em números que não se viam desde os anos 90… e é sem dúvida preocupante! Desde o fim da II Guerra Mundial que a inflação é combatida, pelos bancos centrais, com a subida de taxa de juro, de forma a provocar uma retração do consumo e promover a poupança, forçando, assim, que os preços acabem por baixar. O grave problema dos últimos quase 100 anos que passaram desde a II Guerra Mundial é que hoje as famílias, países e empresas estão mais endividadas do que nunca e a subida de taxa de juro poderá trazer mais do que um problema económico, um problema social.
Face ao fenómeno que vivemos nos últimos anos, de taxas de juro extremamente baixas, para poderem atingir taxas de rentabilidade aceitáveis, os investidores tiveram de encarar e aceitar mais risco e diversificar os seus investimentos. Houve, sem dúvida, mais apetência pelo risco em geral, seja de ações, obrigações, imobiliário e private equity. Como já foi referido, em 2022 os mercados de ações e obrigações foram até agora altamente penalizados pelos investidores, o imobiliário já começou a ser em algumas partes da Europa e dos EUA, no entanto o mesmo não se passa com os fundos de private equity. Porque será?
A definição genérica de private equity – “capital privado, participações privadas, investimento em empresas maduras ou investimento em empresas já estabelecidas” – é um tipo de atividade financeira realizada por instituições que investem essencialmente em empresas que ainda não são cotadas em bolsa de valores, ou seja, ainda não tiveram acesso ao mercado de capitais, com o objetivo de captar recursos para alcançar desenvolvimento da empresa. Esses investimentos são realizados via empresas de participações privadas, as quais gerem os fundos de private equity.
Segundo a The Economist, o montante global investido ou à espera de ser investido por fundos de private equity passou de $1.3 triliões em 2009, para $4.6 triliões hoje. Este crescimento radical na oferta e investimento em private equity aconteceu não só pelo objetivo de diversificação, mas também pela procura de mais rendimento por parte dos grandes gestores do mundo.
Uma vez que este tipo de fundos de private equity dá a possibilidade ao investidor de ter uma participação numa empresa de capital fechado, com elevadas perspetivas de rendimento, tornou-se apetecível como fator de alavancagem de retorno, de uma carteira de investimento. Mas elevadas são também as comissões associadas a tais fundos, não só as comissões de entrada, como as de gestão, as quais, quando se conseguem rendibilidades elevadas, poderão ser diluídas, mas em períodos de alta volatilidade serão difíceis de aceitar.
Os maiores investidores no mundo deste tipo de ativos são os enormes fundos de pensões americanos. No entanto, houve também uma quase banalização na comercialização deste tipo de ativos, com a maior parte dos bancos, tanto na Europa, como nos EUA, que aproveitaram as excelentes comissões geradas por estes ativos e ofereceram aos seus clientes algum tipo de investimento em private equity.
Os mercados de capitais, por serem extremamente líquidos, evidenciam quase ao minuto o sentimento dos investidores, mas também das empresas em relação à realidade económica atual e esperada dos próximos meses. O mesmo não se passa com os fundos de private equity, os quais, obviamente, têm muito pouca – ou nenhuma – liquidez, o que faz com que haja um atraso entre o valor real do fundo e o que é reportado nas avaliações divulgadas aos investidores. O problema atual é o critério e a forma de avaliação dos mesmos, porque certamente não estão atualizados ao dia, o que poderá ser surpreendente quando os gestores dos fundos atualizarem as avaliações reais dos mesmos, ou por iniciativa própria, ou por uma auditoria ao fundo no final do ano.
Tal como no mercado de capitais, muitos gestores de private equity compraram ativos com múltiplos bastante altos e daqui para a frente será quase impossível apresentar uma estabilidade dos retornos extraordinários verificados nos últimos anos, esperando-se uma grande volatilidade para o futuro, o que deve preocupar o investidor em private equity. Podemos, desde logo, constatar através de alguns investment trusts cotados na bolsa americana, que replicam as cotações de fundos de private equity, que estão em 2022 com perdas em média acima dos 25%, desde tecnologia, indústria e imobiliário. Obviamente, estou a generalizar, haverá alguns fundos cujos gestores que mantiveram a disciplina, focaram-se em sectores mais defensivos e compraram ativos a preço de saldo que podem ter menos volatilidade. Mas não me parece ser essa a regra no setor.
A anteriormente referida subida das taxas de juro será também um desafio enorme para os gestores de private equity, uma vez que normalmente estes fundos usam entre 30%-50% (senão mais) de dívida nas suas compras de forma a alavancar o capital do investidor. Uma dívida cada vez mais cara será necessariamente um fator negativo que poderá retrair novos investimentos dos fundos de private equity e afetar os já efetuados com elevada alavancagem.
Em geral, na maior parte dos ativos “investíveis” é impossível desassociar o binómio risco/retorno, os fundos de private equity não são exceção e apresentam elevados riscos. Depois de todas as correções no mercado de capitais em 2022, os investidores estão mais retraídos e mais exigentes em relação ao risco que estão dispostos a tomar, por exemplo um ativo como obrigações de taxa fixa de empresas high yield (empresas com rating baixo) nos EUA pagam 9.40% com uma maturidade média de 2,5 anos em USD. Há 2 anos pagavam 4%… e essa diferença não se deve apenas à subida exponencial da taxa de juro, o spread de risco também aumentou.
Há uma correlação óbvia deste tipo de ativos com a taxa de juro, mas o prémio a pagar está a ser cada vez mais alto e o mesmo será expectável por parte dos restantes ativos, incluindo os private equity.
Estou curioso em relação aos próximos meses sobre o que se passará com a generalidade dos fundos de private equity, mas certamente não serão boas notícias…
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