A iliteracia financeira combate-se com mais transparência
A transparência e a partilha de informação dos produtos financeiros por parte de seguradoras, bancos e reguladores são essenciais para fomentar a literacia financeira que tantos apregoam.
Chegou aquela altura do ano que o seu gestor de conta ou mediador de seguros lhe liga para o persuadir a fazer uma subscrição do seu Plano Poupança Reforma (PPR). A conversa repete-se todos os anos: “Aproveite para investir na sua reforma e ainda ganha logo 20% do que investir, que o Estado paga. Não há melhor negócio que este”.
Desde 1989, quando os PPR começaram a ser vendidos, que estes produtos de poupança e investimento para a reforma são vendidos com base no benefício fiscal que conferem aos investidores no momento da subscrição e não pela qualidade da gestão que oferece. Não é de estranhar: a maioria dos 767 PPR que estavam ativos no final do ano passado não merece o seu dinheiro.
Nos últimos seis anos terminados em 2021, os PPR registaram uma rendibilidade média anual bruta de apenas 2,13%, que se traduziu num ganho real (descontado da inflação) de 1,36%. É muito pouco para um produto que investe numa perspetiva de longo prazo.
Daí que o benefício fiscal no valor de 20% do montante investido (até 400 euros), consoante a idade do investidor, revela-se numa cenoura perfeita para persuadir os portugueses a aplicarem as suas poupanças nestes produtos que, recorrentemente apresentam desempenhos muito precários. E ao que parece funciona: no final do ano passado, segundo dados da CMVM, mais de 2,2 milhões de investidores tinham dinheiro aplicado em PPR que, no seu conjunto, agregava 21 mil milhões de euros de ativos sob gestão, 23% superior ao montante registado em 2017.
No entanto, no vasto universo de PPR disponíveis no mercado nacional há raras exceções. São disso exemplo os fundos Casa Global Value PPR, Invest ARR PPR, NB PPR/OICVM e o PPR SGF Stoik. Em comum, estes PPR têm algo que continua a ser raro de encontrar: consistências de ganhos, uma estratégia de investimento bem definida para o longo prazo (que é como deve ser orientada a preparação de um complemento reforma), cobram baixas comissões (em comparação com a maioria) e são muito transparentes na disponibilização da informação sobre a gestão dos fundos.
A transparência dos produtos financeiros não é uma questão displicente na tomada de decisão de investimento. É algo sério que parece ser repetidamente relegado para segundo plano por muitas gestoras e comercializadores de PPR, e até por alguns reguladores. É isso que encontramos há largos anos no universo dos PPR sob a forma de seguros que representam mais de 80% do dinheiro aplicado pelos portugueses em PPR.
Não são raros os casos de seguros PPR que só disponibilizam informação sobre a gestão do produto a cada seis meses. Em contrapartida, no universo dos fundos PPR há gestoras que todos os meses enviam relatórios aos seus clientes documentando a evolução do fundo e as principais tomadas de decisão (é o caso dos quatro PPR apresentados no artigo), reforçando essa informação com relatórios trimestrais mais detalhados.
Não há razão para tanto secretismo. O mesmo sucede com a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) que apenas divulga as rendibilidades e as comissões dos seguros PPR uma vez por ano e “fora de horas”. Este ano, por exemplo, os dados referentes a 2021 foram apenas divulgados em julho. Além disso, apesar de todos os anos a ASF publicar estes dados no seu sítio na internet, não é possível consultar o histórico destes dados.
É certo que a ASF tem feito um esforço no sentido de disponibilizar mais informação sobre o mercado, publicando relatórios anuais sobre a sua evolução e até disponibilizando algumas estatísticas mensais, trimestrais e anuais. Mas é crucial que dados como o desempenho passado dos PPR sob a forma de seguros estejam disponíveis para consulta, tal como acontece com a CMVM e a APFIPP em relação à informação sobre os fundos PPR.
A transparência e a partilha de informação são essenciais para fomentar a literacia financeira que tantos apregoam. Não basta dizer que é preciso os portugueses terem mais conhecimentos sobre a gestão do seu dinheiro. E também não é só o Estado que tem de fazer mais e melhor nesta matéria. A literacia financeira começa justamente por haver mais transparência sobre os produtos financeiros por parte de quem os gere e os vende. Só assim os investidores conseguirão tomar melhores decisões financeiras para o seu futuro. E isso ainda não acontece.
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