Governo não cai, mas Costa passa a ter duas oposições, dizem Marques Mendes e Júdice

Marques Mendes e José Miguel Júdice não acreditam que o Governo caia, mas as condições de governabilidade ficaram muito deterioradas. A prazo, Costa terá em Pedro Nuno Santos um opositor.

A vida de António Costa já era difícil, a braços com uma sucessão de casos e demissões, mas a crise desta semana é de outro calibre, desde logo por envolver o ministro com mais peso no Partido Socialista e putativo candidato à liderança. Para Luís Marques Mendes e José Miguel Júdice, o Governo ficou irremediavelmente fragilizado a 4 anos do fim da legislatura e o primeiro-ministro passará a contar com oposição também dentro do PS.

A indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis, provocou mais três baixas no elenco governativo. Além da antiga administradora da TAP, que era desde o início do mês secretária de Estado do Tesouro, o caso levou à saída do Secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, e do Ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos. Em nove meses, o Executivo conta 11 demissões. Mais mais do que elevarem a soma, os acontecimentos desta semana marcam uma mudança profunda para o Executivo, acreditam os comentares ouvidos pelo ECO.

“O Governo tinha uma oposição e vai passar a ter duas, a externa e a interna. Essa é a grande mudança”, vaticina o advogado Luís Marques Mendes. “Para António Costa era mais confortável ter Pedro Nuno Santos dentro do que fora. É um futuro candidato à liderança do PS e tem apoios muito fortes no aparelho. Nos primeiros tempos estará calado, dentro de uns meses vai ser o adversário”, afirma o comentador da SIC.

De repente há uma oposição a Costa. Pode ser uma oposição dormente, mas quem está descontente agora tem um líder.

José Miguel Júdice

Advogado

“De repente há uma oposição a Costa. Pode ser uma oposição dormente, mas quem está descontente agora tem um líder”, considera também o advogado José Miguel Júdice. “Vai dar alento e aquecer as noites frias do Bloco e dos eleitores que oscilam entre o Bloco e o PS”, diz. Para o também comentador da SIC, Pedro Nuno Santos “não deixou de ser poderoso” dentro do partido e “não vai desistir”. E nota que vários ex-ministros que “quando saem ficam zangados com o primeiro-ministro”, como Ana Gomes, Pedro Siza Vieira e Alexandra Leitão.

Durante o dia surgiram comentários de responsáveis políticos da direita a sugerir que o Executivo não tinha condições para continuar e a Iniciativa Liberal apressou-se a anunciar que iria apresentar uma moção de censura no Parlamento. Apesar da gravidade da crise, nenhum dos dois comentadores espera que o Governo caia, pelo menos para já. José Miguel Júdice considera que “esta crise está resolvida pelo primeiro-ministro com a saída de Pedro Nuno Santos. Foi até à última muralha protetora. Só não estaria terminada se o primeiro-ministro, sabendo disto [indemnização a Alexandra Reis], tivesse aceite a nomeação da Secretária de Estado do Tesouro. Acho razoável que não soubesse”.

O problema do Governo é, no entanto, mais profundo. “Há uma crise endémica desde o início do Governo de maioria absoluta. A confiança naquela instituição fica fragilizada. Há uma maior propensão a crises do que se este caso fosse um outlier“, diz José Miguel Júdice. “Esta foi a gota de água. Deixou de haver o benefício da dúvida. Tudo o que faça vamos achar no back of our mind que pode ser uma trapalhada. António Costa tem quatro anos pela frente com um ambiente de fim de reino”, acrescenta.

Esta é a situação mais difícil que o Governo já teve. As condições de governabilidade estão profundamente diminuídas.

Luís Marques Mendes

Advogado

O Governo não vai cair. O Presidente da República não vai dissolver o Parlamento por causa disto. Com uma maioria absoluta isso não se coloca”, defende Luís Marques Mendes. Mas o episódio desta semana deixa sequelas profundas. “Dentro da estabilidade possível, esta é a situação mais difícil que o Governo já teve. As condições de governabilidade estão profundamente diminuídas“, considera o advogado.

Com a agravante de que vem aí um ano difícil: “A situação do Governo em 2023 vai ser calamitosa por razões políticas”, que se somam ao facto de ser “um ano difícil em termos económicos”, onde é esperada “maior contestação social”, prevê o jurista. “Eu pessoalmente tenho dúvidas que o Governo chegue a 2026. A seguir às eleições europeias, em 2024, se tem uma pancada grande pode cair”, estima o antigo presidente do PSD.

Luís Marques MendesEgídio Santos 23 Maio, 2018

Contactado pelo ECO, Francisco Louçã, antigo líder do Bloco de Esquerda, não quis alongar-se em comentários por a situação não ser ainda muito clara, mas considerou que “esta crise é muito pesada para o Governo”. Espera uma remodelação na próxima semana, que acredita irá cingir-se aos governantes que já apresentaram a demissão: “É duvidoso que o primeiro-ministro mexa noutros setores. Seria uma confissão de fracasso maior do que aquela que a realidade lhe impõe”. O facto de o PS ter a maioria absoluta é uma salvaguarda contra uma queda do Executivo.

Fernando Medina ganhou espaço na sucessão?

O despacho conjunto de Pedro Nuno Santos e Fernando Medina a pedir esclarecimentos à TAP sobre a indemnização paga a Alexandra Reis deu a ideia de uma frente unida dentro do Governo. À medida que a crise foi escalando, as Finanças afirmaram em resposta à RTP que desconheciam por completo o processo, deixando o ministro das Infraestruturas isolado. Já esta quinta-feira, o antigo ministro das Finanças, João Leão, afirmou ao Expresso que nem a TAP nem Pedro Nuno Santos o informaram. O ministro das Infraestruturas acabaria por se demitir, apesar de afirmar na carta de demissão que apenas o seu secretário de Estado estava a par do pagamento da indemnização.

Fernando Medina é considerado o sucessor preferido de António Costa e para José Miguel Júdice o ministro das Finanças “viu-se livre do seu principal rival”. Luís Marques Mendes considera, ainda assim, que “Medina não tem força política, consistência e apoios” para chegar à liderança. Diz mesmo que “não acredita” que o ministro não soubesse, porque é normal alguém que sai antes de terminar o mandato receber uma indemnização.

Seja em 2026 ou antes ainda, acho que o Governo vai sair esturricado. Nenhum ministro que esteja lá dentro tem condições para ser candidato à liderança do PS. Nenhum.

Luís Marques Mendes

Advogado

Para o antigo líder do PSD, quem estiver no Executivo terá muita dificuldade em disputar o cargo de secretário-geral do PS: “Seja em 2026 ou antes ainda, acho que o Governo vai sair esturricado. Nenhum ministro que esteja lá dentro tem condições para ser candidato à liderança do PS. Nenhum.” Na opinião do comentador da SIC, Pedro Nuno Santos também se demite “porque fez uma leitura política da situação. Se ficar até ao fim vai na enxurrada”.

António Costa é parte do problema e não da solução

Ainda que não vejam o Governo a cair, os dois comentadores também não acreditam que o primeiro-ministro tenha capacidade para inverter a degradação rápida da governação. “António Costa está completamente acossado. Esta crise desfez o que o primeiro-ministro fez na véspera de Natal com a entrevista à Visão”, considera José Miguel Júdice. “António Costa não vai embora, mas vai ficar desequilibrado. Vão existir mais erros“, prevê.

“Isto comparado com o período final do Cavaquismo, que também funcionou mal, ainda é pior. Nem os dois anos finais do Cavaquismo foram tão maus. Cavaco nunca perdeu o controlo e a liderança e António Costa está a perder tudo isto”, diz Luís Marques Mendes. Para o advogado, o facto de o primeiro-ministro ter vindo dizer que desconhecia os antecedentes do pagamento da indemnização e que aguardava o esclarecimento cabal dos ministros, “é uma agravante e não um atenuante”. “Os ministros não o informam? Isso revela falta de autoridade”, acrescenta.

José Miguel Júdice.Hugo Amaral/ECO

O primeiro-ministro tem dois péssimos defeitos que são não ser cauteloso e não saber escolher colaboradores. Tem um método para escolher colaboradores que é terem vindo do aparelho do PS e não terem feito quase nada”, critica José Miguel Júdice. “É fundamental que o próximo ministro das Infraestruturas e a próxima Secretária de Estado não venham do aparelho. Tem de ir buscar gente de qualidade”, prescreve.

Luís Marques Mendes considera que António Costa “tem dificuldade em tomar decisões”, razão porque o seu desejo é ser presidente do Conselho Europeu, que é alguém que faz pontes e não presidente da Comissão Europeia, que tem de tomar decisões. “Começa a passar o tempo, não toma medidas de fundo, e vem ao de cima” a incapacidade para decidir”, afirma.

Tenho para mim que os primeiros-ministros são vítimas das qualidades que inicialmente os catapultaram para o poder“, diz o antigo ministro dos Assuntos Parlamentares. “Cavaco era um homem com autoridade. Ao fim de 10 anos foi vítima dessa autoridade, acusado de autoritarismo. Depois veio António Guterres que era um homem de diálogo. No final, já ninguém tinha paciência para o diálogo. António Costa é um homem de grande habilidade. Neste momento dizem que é só um habilidoso. Não consegue ser mais do que isso. No final, são vítimas das suas próprias virtudes”.

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