Como é que se muda o Estado
A reforma do Estado saiu do debate público nos últimos tempos. Mas o que é uma reforma do Estado? Temos de centrar o Estado de novo nas funções de soberania e nas funções de regulação e supervisão.
A questão da reforma do Estado e dos serviços públicos, e da necessária redução da despesa corrente primária, tem estado afastada do debate público nos últimos tempos. Talvez por algum cansaço, dado que durante muito tempo falou-se demasiado e fez-se pouco. Creio que aquilo que disse a semana passada, numa entrevista ao Jornal de Negócios, talvez contenha parte do problema: “a direita não é capaz de fazer a reforma do Estado, a esquerda não o quer fazer”. Mas em que consiste, de facto, em linhas gerais, uma reforma do Estado?
O que deve ser discutido é o modelo de sociedade que pretendemos. Não é possível conciliar o atual Estado com saldos orçamentais positivos e com a participação na zona Euro. Pelo que temos três hipóteses: mudar de modelo, abandonar o Euro ou continuar em “morte lenta” à espera de um milagre. Apesar de Católico, não creio que tenhamos um milagre à nossa espera. Por outro lado, a saída do Euro é um desastre económico, social e político. É regredir 30 anos. É matar a minha geração, a anterior, e as seguintes.
Desta forma, temos de centrar o Estado de novo nas funções de soberania e nas funções de regulação e supervisão. É aqui que tem de começar o processo de mudança. Um Estado de excelência nestas áreas, com instituições fortes, mas controladas por um sistema judicial isento, transparente e célere. Adicionalmente, compete ao Estado a função de redistribuição. Esse é o pilar fundamental: garantir que nenhum Português deixa de ter acesso aos serviços públicos por insuficiência económica.
Tudo o resto, serviços sociais (Educação e Saúde), ou o investimento público podem ser realizados pelo público ou pelo privado. Para o utente é irrelevante quem o faz. O que interessa é a qualidade e o custo do serviço.
Esta mudança e reforma deve servir para proteger e melhorar o nosso Estado Social. É condição inequívoca que nenhum Português, por motivos de ordem económica, pode deixar de ter acesso aos cuidados de saúde, à educação e a uma existência digna. Adicionalmente, temos de manter os instrumentos de correção das desigualdades sociais. E aí, o SNS é porventura o instrumento mais eficaz na redução das assimetrias sociais. Mas também as prestações sociais não contributivas, tipo RSI, são extremamente eficientes. Ou seja, a reforma do Estado não consiste necessariamente, numa primeira fase, em gastar menos, mas passa sobretudo por gastar melhor.
Mas o processo de redução da despesa pública é também ele bastante relevante, embora deva ser visto numa perspetiva de médio e longo prazo. As experiências internacionais de consolidação orçamental nos últimos 30 anos mostram que se a receita (sobretudo fiscal) é importante num primeiro momento (pela maior rapidez na sua execução), é a despesa (sobretudo a corrente primária), que tem um papel determinante no sucesso a médio prazo. Não há consolidação orçamental sustentável se, no final, o grande esforço, ao invés de ter sido feito por via da despesa, tiver sido realizado pelo lado da receita. Contudo, as experiências internacionais apontam para uma solução mista: aumento de impostos e redução de despesa. Dificilmente poderia ser de outra maneira, dado o tempo de resposta de cada medida.
A organização e gestão do setor público consiste num enquadramento que permite finanças públicas equilibradas e sustentáveis e uma utilização mais racional dos recursos públicos. A organização do setor público não depende da sua dimensão e atuação. As decisões políticas sobre os bens e serviços aos quais o Estado garante acesso, ou sobre quais as falhas de mercado a regular estão numa esfera diferente das decisões relativas ao modelo de governo das entidades encarregadas do fornecimento desses bens e serviços ou das tarefas de regulação.
Contudo, no processo de redução do Estado, e consequente redução de custos, há um aspeto que muito raramente é abordado. Como se realiza este processo?
Creio que existem aspetos que têm de ser profundamente pensados e acautelados.
- Em primeiro lugar, as instituições públicas que prestam serviços devem ter as mesmas condições de competição das congéneres privadas. O que implica separar a função de redistribuição da função de prestação de serviços.
- Em segundo lugar, importa aferir de forma rigorosa o custo atual dos serviços públicos. Sem essa avaliação não será possível negociar eficazmente com o privado. Veja-se o péssimo exemplo de muitas PPP.
- Em terceiro, importa reforçar a capacidade de análise e negociação por parte do sector público. Parece-me que esta capacidade se encontra fortemente reduzida.
- Por último, este processo não termina no momento da concessão ao privado. O Estado vai assinar contratos que terão impacto por muitos anos e que têm de ser monitorizados. Senão, corremos o risco do volume e qualidade do serviço cair ao fim de algum tempo. Ou ainda pior, o que agora sai mais barato, vem a mostrar-se mais caro no futuro. Mais uma vez o exemplo das PPP.
Se estes aspetos não forem acautelados, corremos o risco de assistir a uma “canibalização” do sector público. Com uma fatura pesada a ser paga passados alguns anos. Convinha não multiplicar os erros do passado por 10. Assim, é necessário gastar menos e gastar melhor. Isso passa por uma reforma que vise por um lado, as funções do Estado, e por outro a organização e a gestão financeira da Administração Penal.
É necessário reinventar a estrutura organizativa da Administração Penal, passar de uma estrutura em pirâmide para uma estrutura em rede. Apostar nos Recursos Humanos e no potencial das novas tecnologias de informação. Com uma profunda mudança da organização e da estrutura da Administração Pública, com o aumento do nível de competências dos Recursos Humanos, com a reengenharia de processos e procedimentos e a redefinição de normas legais em vigor.
Por último, isto só se faz com um largo consenso político e social.
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