O erro do SVB foi não ter certificados de aforro

Daqui a uns tempos o Estado português pode sofrer uma pequena “vingança” por parte da banca comercial, a quem tem “roubado” milhares de milhões em aforros.

Os mercados financeiros têm estado em sobressalto nas últimas semanas, após o colapso do banco americano Silicon Valley Bank (SNB) ter deixado o Credit Suisse no meio de uma tempestade perfeita, levando à sua aquisição por parte do rival UBS.

Já muito se tem escrito sobre as causas e as consequências destes desenvolvimentos, pelo que tentarei não entrar em repetições desnecessárias. Aquilo que gostaria de mencionar é o seguinte: como já ficou claro, a causa imediata do colapso do SVB foi o facto de ter investido em ativos nominalmente seguros (obrigações hipotecárias e de dívida pública), mas com elevado risco de taxa de juro, i.e. eram ativos cujo valor de mercado, em caso de necessidade de liquidação, sofreria uma elevada desvalorização pelo facto de as taxas de juro atuais estarem mais elevadas do que à época em que tais ativos foram adquiridos.

Como este efeito é importante para o que quero transmitir, tentarei explicar brevemente a razão para tal acontecer: Imagine que adquire por 100€ uma dívida (ativo) que lhe paga um juro de 2% ao ano. Se daqui a uns meses os juros no mercado estiverem a 3% para risco semelhante, torna-se claro que terá de oferecer um desconto adicional (face aos 100€) para que alguém lhe compre esse ativo que só paga 2%. Numa situação em que não precise de liquidez, as suas alternativas serão manter o ativo até à maturidade sem perda de capital, mas continuar a receber 2% quando poderia estar a receber 3%, ou assumir a perda de capital com a venda a desconto e reinvestir a 3% o que lhe pagarem. Se a dívida até for do mesmo emissor e o mercado estiver a funcionar sem fricções, ambas alternativas deveriam oferecer-lhe o mesmo retorno líquido.

O problema do SVB é que não estava perante duas alternativas de investimento: estava sim perante um pico de pedidos de reembolso dos seus depósitos, pelo que se viu obrigado a vender aqueles ativos de, digamos, 2%, num mercado de 3 ou 4%. O que recebeu em pagamento não pôde reinvestir. Teve de utilizar para pagar aos seus credores (depositantes), gerando um buraco gigante nas suas contas.

Vemos, portanto, que uma dívida de um emissor credível e com boas garantias pode ainda assim representar um risco relevante dependendo dos termos da sua remuneração. E aqui chegamos à ironia que gostaria de assinalar. Em Portugal, há (pelo menos) um tipo de dívida pública que está isento deste risco de taxa de juro. Não porque tenhamos descoberto o elixir milagroso dos almoços grátis, mas porque, para variar, o Estado decidiu distorcer a balança de incentivos, oferecendo um subsídio implícito aos seus credores (que, em geral, neste caso, se confundem com eleitores). Falo, como se torna óbvio pelo título deste artigo, dos Certificados de Aforro (CAs). Trata-se de um produto que tem aumentado exponencialmente em popularidade nos últimos meses, por ter uma remuneração que acompanha a Euribor a 3 meses com um adicional de 1%.

O que torna este produto comparável à situação do SVB é que a remuneração dos certificados de aforro tem um limite máximo de 3,5% (ainda que com alguns “bónus” de permanência). Ora, com a recente subida, que não deverá ser a última, de 50 pontos base nas taxas diretoras do Banco Central Europeu, é possível que não falte muito para que a própria Euribor chegue a esse nível, estando a remuneração dos CAs já no seu máximo contratual. Isto significa que os detentores de certificados de aforro poderiam em breve ficar numa situação semelhante ao SVB: serem donos de dívida que paga 3,5% quando os juros de mercado atingem, digamos, 4%.

Numa situação de mercado, caso os detentores dos certificados quisessem transmiti-los ou obter o seu reembolso antecipado, nenhuma entidade aceitaria adquiri-los pelo seu valor nominal, exigindo sim um desconto que compensasse a diferença de remuneração verificada. Mas, no caso dos CAs, o Estado decide garantir o seu “valor de mercado”, assegurando aos detentores o melhor de dois mundos: tanto podem manter o ativo até à maturidade como antecipar o seu reembolso e investir o montante numa remuneração superior sem qualquer desvalorização do seu investimento inicial. Isto parece uma solução muito simples, mas há alguém que paga o “bail-out”: o Estado.

Na verdade, daqui a uns tempos o Estado português pode até sofrer uma pequena “vingança” por parte da banca comercial, a quem tem “roubado” milhares de milhões em aforros: imaginemos que, com novos aumentos por parte do BCE, a banca decide começar a pagar 4% nos depósitos a prazo, com possibilidade de novas atualizações. Com a mesma velocidade com que muitos portugueses acorreram aos CAs, podem então decidir resgatar o seu dinheiro para o voltar a colocar nos bancos. Numa situação de mercado, os aforradores teriam de fazer como o SVB e assumir uma perda com a desvalorização do seu instrumento inicial. Mas, no caso dos CAs, como o Estado garante o capital, poderá ter de vir a emitir dívida a 4% para assegurar o reembolso de certificados que o financiavam a 3,5%. Pagam os contribuintes o almoço grátis dos aforradores. O erro do SVB foi não ter certificados de aforro…

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