BRANDS' ECO O Centro Internacional de Negócios da Madeira na ultraperiferia jurídica das “Regiões Ultraperiféricas”

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  • 3 Abril 2023

A revisitação cíclica do regime fiscal do Estado do CINM leva à problematização do artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE relativo à discriminação positiva das regiões ultraperiféricas.

Este artigo, essencial num modelo de coesão territorial comunitária, nunca foi “bem digerido” pelas instituições burocráticas europeias. Discriminações positivas implicam juízos e decisões de diferenciação às quais um burocrata acrítico é, por natureza, avesso. Num modelo de decisão administrativa pura, a igualdade horizontal é bem mais simples de exercer que uma igualdade material corretiva.

Este exercício, sempre sofrido e de resultado incerto, ocorre em todas as reanálises do regime fiscal do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), com uma agravante: sempre que ocorre um novo ciclo de reanálise, o grau de desconfiança aumenta, aumentando o risco potencial para os operadores, erodindo-se o objetivo do regime de atração. Note-se que, hoje em dia, o próprio uso do termo “atração” poderá fazer perigar a própria manutenção do regime, atenta a aversão dogmática à indiciação de um “favor”, quando o mesmo é até obrigatório atento o regime constitucional comunitário.

Porém, o novo ciclo de reapreciação é ainda mais crítico atento o que temos vindo a assistir ao nível da posição da Comissão referente ao Regime III (2007-2013). A base das objeções foram essencialmente duas: o conceito de posto de trabalho e a localização do local de imputação espacial do lucro a atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira.

Este procedimento vem colocar uma pressão insustentável em todo o processo de reapreciação e demonstra inequivocamente o intolerável “conservadorismo” jurídico da Comissão Europeia. De facto, os conceitos que usa para a concretização dos conceitos de posto de trabalho e de localização da operação decorrem de um modelo que já era obsoleto no início do nosso século, quanto mais no final do primeiro quartel do século XXI.

Carlos Baptista Lobo, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lobo, Carmona e Associados, Sociedade Advogados

Ora, nos dias de hoje, o desenvolvimento da atividade laboral é essencialmente remota. Qualquer agente de boa-fé não poderá estar a pensar que as regiões ultraperiféricas irão atrair grandes projetos industriais, com linhas de produção a la século XX. Pelo contrário, a Madeira desenvolveu as suas capacidades ao nível das redes de comunicação e posicionou-se como um porto seguro para a prestação de serviços tecnológicos. E esta tipologia de atividade desenvolve-se em rede com um alcance global.

O mesmo se aplica ao conceito de atividade empresarial. As empresas desmaterializaram-se e atuam a uma escala universal. A localização do lucro é algo que está a ser tratado em sede da iniciativa BEPS. Ou seja, o que está em discussão enquanto problema global nos modelos de imputação espacial do lucro empresarial é precisamente o fundamento de acusação da Comissão Europeia à alegada “conduta desviante” do CINM. A hipocrisia é notória: o CINM focou-se na atração daquilo que é deslocalizável e móvel e é acusado pelo seu sucesso; ao invés, se se tivesse focado naquilo que é imóvel e não deslocalizável, não teria sucesso e, consequentemente, não seria prosseguido.

E é este o jogo que deve ser evitado na presente ronda de negociações: a limitação do escopo de incentivo a atividades não móveis ou assentes em modelos económicos ancestrais tem de ser denunciada e repudiada. O artigo 349.º do Tratado deve, obrigatoriamente, ser prosseguido de forma proativa e proficiente. Tal significa que deve ser concretizado por via de instrumentos de discriminação positiva que permitam o equilíbrio concorrencial entre “áreas centrais”, que gozam de economias de escala e de externalidades de rede, e áreas ultraperiféricas que só podem recorrer às telecomunicações para suprir as suas ineficiências. E tal só pode ocorrer precisamente nas atividades deslocalizáveis e imateriais, ancorando agentes e atividades económicas que podem ser prestadas em qualquer ponto do globo, na área focal da Madeira, potenciando o seu incorpóreo natural: segurança e qualidade de vida num ambiente regulado pelas instituições comunitárias.

Carlos Baptista Lobo, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lobo, Carmona e Associados, Sociedade Advogados

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