Bastante estabilidade, alguma flexibilidade e com muita fé no investimento
Nos próximos quatro anos, Governo prevê défice pouco alterado e que crescimento económico gere mais receita fiscal que servirá não para financiar despesa corrente. Mais do mesmo.
No programa de estabilidade o governo aposta, e bem, numa maior redução da divida, com a ajuda de uma revisão em alta da inflação. Esta estabilidade é agora acompanhada de maior flexibilidade, enquanto mantém corretamente uma política orçamental restritiva. No entanto, mesmo com esta flexibilidade, este programa falha ao não conter uma estratégia de médio prazo de apoio ao investimento privado, e sem ele não se atinge o segundo objetivo deste programa: o crescimento.
Ao contrário do que dizia há alguns meses quando apresentou o OE para 2023, Fernando Medina indica agora que não pretende atingir pouco mais do que um saldo orçamental equilibrado. De facto, nesta fase dos ciclos (político e económico), agitar a bandeira de um grande superavit não é de facto o mais correto e popular. Assim, caso hajam surpresas positivas no crescimento ou na execução orçamental, serão usadas para novas medidas de apoio a economia. A prioridade será uma redução do IRS de cerca de 2000 milhões de euros até 2027 (menos de 1% do PIB), o que é positivo, mas não chega e devia ser alargado a outros impostos.
Mais uma vez, o governo estima uma grande aceleração do investimento, agora também do sector privado, aumentando em cerca de 2 pontos do PIB. No entanto, não explica como chega lá. Num contexto de subidas de taxas de juro e de uma maior aversão ao risco por parte dos bancos, só mesmo com muita fé se pode esperar mais investimento e com isso mais crescimento…
Mas comecemos precisamente por ver em maior detalhe as estimativas de crescimento.
Para este ano, o governo está (justificadamente) mais otimista que o FMI, e espera um crescimento de 1.8% em vez de 1%. O crescimento real continuou a surpreender pela positiva, fruto dos apoios ao rendimento das famílias e redução da poupança, que ajudaram a manter o consumo, mesmo com mais inflação. A isto se juntou uma performance ainda mais forte do turismo. Para o que resta deste ano, todas as indicações apontam que quer o consumo, quer o turismo estão novamente mais fortes do que o esperado, sendo de antever uma expansão sólida. Olhando para os próximos anos, vemos que as estimativas do governo acabam por estar relativamente alinhadas com o FMI e com outras organizações internacionais. Existe um risco ainda elevado de uma recessão global, mas neste caso o governo nem está a ser exageradamente otimista quando comparado com outros.
No final deste programa, em 2027, o governo estima que Portugal crescerá apenas 1,8%, incluindo já o efeito do PRR. Parece e de facto, é pouco, mas tendo em conta que o crescimento global será cada vez mais fraco, crescer agora 1,8% equivale a um crescimento de mais de 2.5% há uns anos. O problema, é que nessa altura Portugal praticamente não crescia e precisa por isso agora de recuperar os anos perdidos…
Passando para a estratégia orçamental. De um ponto de vista macro, ela continua acertada. Conforme se vê no gráfico 1, a política orçamental mantém-se anti cíclica e restritiva, como vem nos livros. Havendo até alguma margem para mais medidas de apoio este ano e nos seguintes. Assim, o governo faz bem em reduzir o IRS, e até o deverá reduzir mais do que o prometido já que poderá ter alguma margem este ano (a volta de 0,5% do PIB).
Classificação da política orçamental (2023-2027)
Mas esta estabilidade e flexibilidade escondem aquele que continua a ser o calcanhar de Aquiles da política orçamental deste governo: o facto de o aumento da receita fiscal servir apenas para financiar mais despesa corrente, prestações sociais (pensões) e agora, o aumento dos juros. Reduzir o défice e a divida são objetivos meritórios, mas são “apenas” condições necessárias mas não suficientes para garantir mais crescimento.
Como é visível na tabela de cima, entre 2023 e 2027, o governo estima apenas uma melhoria de pouco mais de 1000 milhões de euros do saldo orçamental. Para esta melhoria, o aumento da receita conta com 17.000 milhões, dos quais mais de 10.000 vindos de receita fiscal (um aumento de perto de 16% quando comparado com 2023!) e perto de 6.000 (20%) de aumento de contribuições sociais devido ao crescimento do emprego e dos salários. Do lado da despesa, o governo estima um aumento de mais de 14.000 milhões de euros (12% entre 2027 e 2023) dos quais 7.600 de prestações sociais (maioritariamente pensões), 4.000 de despesas com pessoal e, fruto do aumento das taxas de juro, mais 2.600 milhões de despesas com juros. O investimento (excluindo o PRR) aumenta uns meros 550 milhões, ou seja, apenas 7% ao longo de 4 anos!
Em suma, nos próximos 4 anos, o governo prevê um défice pouco alterado e que o crescimento económico gere um aumento de receita fiscal que servirá não para financiar investimento que aumente o crescimento de longo prazo, mas sim, despesa corrente. Por outras palavras: mais do mesmo.
E se o governo espera mais do mesmo, como pode prever um aumento do investimento privado? Nas suas estimativas, o governo prevê aumentar o peso do investimento (total) no PIB em perto de 2 pontos percentuais nos próximos 4 anos, ao contrário do FMI que espera uma redução de 1 ponto. Como espera atingir este objetivo, principalmente com a implementação do PRR atrasada e num contexto de subidas de taxas de juro de uma cada vez maior aversão ao risco por parte dos bancos? Não seria melhor anunciar também nesta fase um plano de redução do IRC e outros apoios ao investimento?
Ou será que o governo se esqueceu que este plano também deve incluir o crescimento?
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