“Fomos enganados nos últimos dois anos” com a aplicação do plano de reestruturação da TAP, diz dirigente dos tripulantes

O presidente do do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil considerou "uma vergonha" o que se tem passado na comissão parlamentar de inquérito à TAP.

Ricardo Penarróias, dirigente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), afirmou na comissão parlamentar de inquérito à TAP que os trabalhadores da companhia aérea foram enganados com a aplicação do plano de reestruturação. Cortes salariais estão a dificultar novas contrações.

“A narrativa ideológica que se tentou fazer de que os salários eram os responsáveis pela crise na TAP era falsa. Esta sala veio-nos dar razão. O que temos vindo a assistir nesta sala é uma vergonha. Fomos enganados nos últimos dois anos. A palavra não é forte, até é fraca”, afirmou Ricardo Penarróias aos deputados da CPI na sua intervenção inicial.

O dirigente considerou que o plano de reestruturação foi concebido pelo Governo e pela TAP com base num “cenário pessimista” e que está hoje completamente desajustado, contestado a manutenção do Acordo Temporário de Emergência (ATE) assinado em 2021.

“Os ATE já não são benéficos para a própria empresa. Tem dificuldade em contratar, em crescer e em consolidar-se no mercado. Está a deixar sair pessoas qualificadas. Para se conseguir manter concorrencial tem necessidade de contratar serviços externos que não atingem os padrões da TAP”, apontou. “Não era preferível reduzir os cortes e contratar mais tripulantes e fazer a operação com os tripulantes da TAP”, acrescentou.

Ricardo Penarróias criticou a manutenção dos cortes salariais (20%), atribuindo-o a uma narrativa “falsa” de que o problema da companhia está nos salários. “Estamos com a operação que era esperada em 2025 e em 2025 já não haveria cortes”, sublinhou. Acusou ainda a administração e o Governo de manterem os ATE com o objetivo de tornar a empresa mais atrativa para um futuro comprador.

O responsável da estrutura sindical que representa os tripulantes disse que o sentimento de que foram enganados resulta também dos escândalos a envolver a administração. “A indemnização de Alexandra Reis é a ponta do iceberg. É o que se diz nos corredores”, afirmou.

O dirigente sindical criticou a falta de transparência da gestão pelo facto de os trabalhadores da TAP não conhecerem ainda as metas do plano de reestruturação, realçando que “tendo em conta os resultados da operação e a inflação” os cortes já não se justificam. Afirmou também que a redução salarial está a dificultar as contratações de pessoal necessário para reforçar a operação.

Ricardo Penarróias condenou o despedimento de 1.200 tripulantes com base “num algoritmo que foi mal feito”. Já cerca de 500 regressaram à companhia aérea. “Por mim, voltar, voltavam todos”, disse. Questionado sobre a possibilidade de a CEO vir a receber uma indemnização, respondeu que, tal como os trabalhadores, se tiver direito deve recebê-la.

Diretora “fantasma”?

Filipe Melo, deputado do Chega, questionou o dirigente do SNPVAC sobre a contratação de Karolina Tiba, uma cidadã polaca, para ser responsável pelo pessoal de cabine, recebendo um salário bruto de perto de cinco mil euros por mês. “Nunca tive contacto com ela. Era importante e produtivo termos tido uma reunião. Ela nem sequer está em funções e já não está na TAP“, respondeu Ricardo Penarróias.

Karolina Tiba foi contratada por Ramiro Sequeira, chief operating officer da TAP, referiu Filipe Melo. O contrato foi assinado pela diretora de Pessoal e Cultura, Ana Dionísio, a 5 de dezembro de 2022.

A existência de diretores “fantasma” “foi algo que nos preocupou muito neste período”. “Aquilo que valorizamos com Luís Rodrigues e a sua equipa é conhecer a realidade da TAP”, afirmou.

TAP prejudicada por Azul de Neeleman

Quando se tornou acionista da TAP, no final de 2015, David Neeleman era também acionista da companhia aérea brasileira Azul. Questionado sobre o papel do empresário. Ricardo Penarróias lembrou a notícia desta semana sobre a elevada dívida da TAP à Azul, avançada pelo Público, sublinhando que “estamos a pagar juros elevadíssimo”.

O responsável pelo SNPVAC deixou um exemplo de como a companhia portuguesa terá sido penalizada pela Azul, ao abandonar a favor desta última a rota entre o aeroporto de Campinas (o hub da Azul), perto de São Paulo, e Lisboa. “Não era rentável para a TAP e, curiosamente, já era para a Azul. Não só manteve como aumentou a frequência desse voo”, disse.

“O privado teve mérito nalgumas questões, mas há muita falta de transparência”, criticou. Ricardo Penarróias apontou ainda que a TAP está a pagar leasings de aviões mais caros à Azul e questionou a cedência da posição para a compra de aviões Airbus A350. “Ainda ninguém me explicou a saída dos A350. Quanto é que custou aos portugueses? A Iberia utiliza” estes aviões”, referiu.

O responsável sindical acrescentou que os acionistas privados fizeram “insuflar” a companhia e que o elevado encargo com o leasing dos novos aviões foi um dos motivos que levou a que a TAP ficasse numa situação financeira débil que a impediu de recorrer apenas aos auxílios aprovados por Bruxelas para fazer face às perdas da pandemia, dispensando um plano de recuperação. Deixou, no entanto, criticas à forma apressada como Antonoaldo Neves, o CEO escolhido pelos acionistas privados, foi afastado na renacionalização de 2020.

Voltando-se para a gestão de Christine Ourimiêres-Widener, que liderou a empresa entre junho de 2021 e 13 de abril de 2023, criticou o fim do contrato com a portuguesa White, que operava aviões ATR para a TAP, levando a um despedimento coletivo.

O “buraco negro” da M&E Brasil e o hub de Lisboa

Os deputados questionaram o dirigente do SNPVAC sobre as perdas da TAP na Manutenção e Engenharia Brasil, a antiga Varig Manutenção e Engenharia (VEM), que levou ao reconhecimento de mil milhões de euros em perdas nas contas de 2021.

O mercado brasileiro é muito importante para a operação da TAP. É uma das joias para a privatização. A ideia até podia ser interessante mas muito rapidamente percebemos que não seria rentável. Fomos enterrando dinheiro. Durante anos a fio a VEM foi uma âncora que não deixou descolar a companhia. Era um buraco negro”, respondeu Ricardo Penarróias.

O responsável do SNPVAC pronunciou-se sobre o interesse da Iberia, defendendo que é fundamental defender o hub da TAP no aeroporto Humberto Delgado, dada a ligação umbilical entre a companhia aérea e a infraestrutura. Mas também o hub no Porto, em Faro e nas ilhas.

A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se por um período de 90 dias.

 

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“Fomos enganados nos últimos dois anos” com a aplicação do plano de reestruturação da TAP, diz dirigente dos tripulantes

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião