Uma legislação farmacêutica orientada para o século XXI – criação de um mercado único dos medicamentos na UE
Temos de criar um mercado único para os medicamentos. A prioridade será adotar regras que garantam que os medicamentos chegam a todos os doentes na UE e permitir uma concorrência que reduza os preços.
A perturbação sem precedentes causada pela pandemia voltou a colocar os cuidados de saúde numa posição prioritária em matéria de políticas públicas. Na Europa, é agora mais claro do que nunca que, quando se trata de proteger a saúde dos cidadãos, a UE é mais forte quando agimos em conjunto. Foi precisamente este ensinamento que esteve na origem da União Europeia da Saúde, um projeto cujos trabalhos estão em curso desde 2020 e que se serve das oportunidades resultantes da crise para dar resposta aos desafios e lacunas de longa data que afetam os sistemas de saúde em toda a União.
O caso dos medicamentos é paradigmático. O acesso aos medicamentos é um dos elementos mais simbólicos de um sistema de saúde eficiente.
A realidade do quotidiano é que os medicamentos não chegam a todos os doentes com a rapidez suficiente, uma vez que os medicamentos inovadores e promissores que são introduzidos no mercado nem sempre estão equitativamente disponíveis em todos os Estados-Membros. Continuam a subsistir demasiadas doenças sem qualquer tipo de prevenção ou tratamento. Ao mesmo tempo, muitos doentes e sistemas de saúde não podem pagar certos medicamentos devido aos seus preços elevados, sendo que a escassez de medicamentos é um problema crónico que pode deixar os doentes sem as terapias de que necessitam. As tensões geopolíticas também evidenciaram as vulnerabilidades e dependências dos nossos sistemas de saúde, que nos expõem aos caprichos de países terceiros. Entretanto, as prioridades prementes, tais como o aumento das bactérias resistentes aos antibióticos, não estão a ser tratadas com a rapidez e a eficiência necessárias.
A Europa precisa de uma mudança radical em matéria de medicamentos.
Desde a entrada em vigor das atuais regras da UE há mais de 20 anos, as novas megatendências científicas e tecnológicas revolucionaram o panorama farmacêutico e da saúde. O nosso sistema regulamentar não pode permitir-se ficar para trás.
Um sistema farmacêutico moderno, resistente às crises e capaz de dar resposta diariamente às necessidades dos cidadãos constitui uma parte essencial da União Europeia da Saúde robusta que estamos a construir, tendo a COVID-19 como pano de fundo. Quer se trate de aliviar uma dor de cabeça, tratar uma alergia, vacinar uma criança, quer tratar um doente oncológico com os mais recentes medicamentos inovadores, estes são produtos essenciais a que os cidadãos devem ter acesso. Em 2019, foram prescritos medicamentos a 55% das pessoas em Portugal.
No entanto, embora os doentes de alguns dos Estados-Membros da Europa Ocidental e de maior dimensão tenham acesso a 90 % dos medicamentos recentemente aprovados, esta proporção pode não passar dos 10% em alguns Estados-Membros da Europa de Leste e de menor dimensão. O tempo de espera dos doentes no que diz respeito ao acesso aos medicamentos é também muito diferente, podendo variar entre vários anos, em alguns Estados-Membros, e apenas alguns meses noutros. Concretamente, isto significa que alguns doentes não dispõem de opções de tratamento eficazes para a sua doença. É por isso que é tão essencial garantir que os doentes tenham acesso a medicamentos inovadores e a preços comportáveis e que, simultaneamente, a nossa indústria farmacêutica, que é líder mundial, continue a ser forte e competitiva a nível internacional.
O nosso mercado dos medicamentos fragmentado e as nossas regras de aplicação universal fazem parte do problema. Devem ser dados incentivos à nossa indústria inovadora, mas esses incentivos devem estar mais estreitamente ligados à resposta às necessidades dos doentes e dos sistemas de saúde. Para nós, é essencial garantir o acesso dos doentes aos medicamentos em todos os 27 Estados-Membros.
É por esta razão que a nossa prioridade principal será adotar regras que garantam que os medicamentos chegam a todos os doentes na UE, permitindo simultaneamente uma concorrência que reduza os preços e assegure a sustentabilidade dos sistemas de saúde em todos os Estados-Membros. Temos de criar um mercado único para os medicamentos.
Em segundo lugar, mas igualmente essencial, está o apoio à inovação com regras que estimulem a investigação e reduzam os entraves burocráticos. A nossa abordagem poupará 300 milhões de euros em encargos administrativos desnecessários.
Para evitar a escassez de medicamentos, é igualmente necessário melhorar a supervisão das cadeias de abastecimento, em especial para determinar a necessidade de reforçar a autonomia estratégica da UE no que diz respeito ao fabrico de medicamentos e para identificar a necessidade de impor reservas de contingência de determinados medicamentos.
Por último, a resistência aos agentes antimicrobianos tem de ser combatida diretamente antes que esta «pandemia silenciosa» se transforme na próxima crise mundial. Atualmente, 35 000 pessoas perdem a vida todos os anos na UE devido às bactérias resistentes aos medicamentos. Proporemos instrumentos audaciosos, nomeadamente os chamados «vales transferíveis de exclusividade de dados» para proteger os responsáveis pelo desenvolvimento de agentes antimicrobianos inovadores e revolucionários, mecanismos de contratação pública e medidas de utilização prudente, para resolver o problema e estimular a investigação e o desenvolvimento de novos produtos, que há décadas se afiguram insuficientes.
O aspeto essencial para o êxito desta reforma pode ser resumido numa só palavra: «equilíbrio». A indústria farmacêutica europeia deve permanecer na vanguarda da inovação, tendo nós de garantir, ao mesmo tempo, que as regras da UE desempenham o seu papel no apoio à transferência dos benefícios desta inovação para os cidadãos e os doentes em toda a UE.
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