Reestruturação da TAP “não foi decisão ideológica”. Privados recusaram pôr dinheiro, diz Frasquilho
O antigo presidente do conselho de administração da TAP afirmou na comissão parlamentar de inquérito que acionistas privados rejeitaram injetar dinheiro na TAP na pandemia.
“Não se tratou de um decisão ideológica, mas de uma operação de emergência” que permitiu salvar a TAP e milhares de empregos. Foi assim que Miguel Frasquilho, antigo presidente do conselho de administração descreveu esta quinta-feira o financiamento público à companhia em 2020 e o plano de reestruturação submetido a Bruxelas.
“Não tenhamos ilusões se o objetivo era salvar a TAP não havia outra alternativa”, garantiu o antigo chairman na comissão parlamentar de inquérito (CPI), referindo que os acionistas privados, a Atlantic Gateway de David Neeleman e Humberto Pedrosa. “A nossa primeira opção foi recorrer ao auxílio dos acionistas privados. Quando confrontados com necessidade premente da entrada de financiamento a resposta dos acionistas privados foi negativa”, disse Miguel Frasquilho, que liderou o conselho de administração entre junho de 2017 e junho de 2021, na sua intervenção inicial.
O antigo chairman foi questionado pelo deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, sobre a razão da opção por apoios no âmbito de um processo de resgate e reestruturação da TAP em vez de recorrer às ajudas europeias no âmbito da pandemia. Miguel Frasquilho afirmou que “foi a Comissão Europeia que não aceitou que a TAP ficasse só nos auxílios covid”, segundo lhe relatou o Governo, porque não esteve nas reuniões em que essa decisão foi transmitida.
O ex-administrador explicou que o Governo insistiu que o auxílio fosse para a TAP SA, dona da companhia aérea, que tinha um balanço equilibrado, e não para a TAP SGPS, que estava em falência técnica. Bruxelas não aceitou porque a TAP SA tinha créditos de 900 milhões de euros sobre a SGPS, pelo que se esta última entrasse em falência o mesmo aconteceria com a primeira. A transportadora portuguesa acabaria por receber apenas uma pequena parte da injeção de 3,2 mil milhões em auxílios covid.
O “buraco” de 900 milhões foi em grande parte provocado por transferências da companhia aérea para a SGPS para esta cobrir as perdas da M&E Brasil, a empresa de manutenção e engenharia naquele país. Reconhecendo os prejuízos recorrentes daquela operação, desde a aquisição em 2006, Miguel Frasquilho sublinhou, no entanto, a importância do negócio para o crescimento da TAP no Brasil.
Nunca saberemos qual teria sido a evolução da TAP sem esta compra [da M&E Brasil] em 2006. Foi a partir daí que a operação da TAP no Brasil cresceu muitíssimo.
“Nunca saberemos qual teria sido a evolução da TAP sem esta compra em 2006. Foi a partir daí que a operação da TAP no Brasil cresceu muitíssimo. Não lhe sei dizer no fim do dia se impacto foi positivo ou não”, apontou o antigo chairman. Miguel Frasquilho sublinhou a importância de a companhia aérea voar atualmente para 11 destinos naquele país, a única transportadora europeia a fazê-lo, considerando que atribui à empresa um grande valor na privatização.
Questionado por Hugo Carneiro, do PSD, o antigo responsável afirmou que a M&E Brasil era acompanhada por vários membros da comissão executiva em função dos respetivos pelouros. Miguel Frasquilho explicou que em 2019 foi decidido vender as instalações em Porto Alegre, ficando apenas as do Rio de Janeiro, o que atenuou os prejuízos, que voltaram a agravar-se com a pandemia. Só em 2021 é que a comissão executiva determinou que a companhia aérea iria deixar de fazer a manutenção de aeronaves na M&E Brasil, para avançar para a venda ou liquidação. Esta última avançou no ano passado.
O administrador foi ainda confrontado com o desejo da Comissão Europeia de que houvesse uma partilha dos custos de reestruturação com os credores da TAP. “Mesmo antes dos cortes de salários que foram implementados para tentar salvar o maior número de postos de trabalho, começámos a trabalhar com os lessors que são quem financia a compra dos aviões. Conseguimos benefícios financeiros de 1,3 mil milhões até 2025″, referiu Miguel Frasquilho. Os obrigacionistas não foram envolvidos, porque a Comissão Europeia considerou que “teria um impacto negativo em Portugal”, uma vez que na emissão feita em 2019 tinha participado um grande número de pequenos acionistas. Bernardo Blanco assinalou que é a própria Comissão que questiona o facto de os credores não terem sido chamados a participar no esforço.
“Não houve algoritmo nenhum”
O antigo presidente do conselho de administração confirmou que “nunca” a Comissão Europeia exigiu um corte dos salários, mas que “havia metas para a massa salarial”. Miguel Frasquilho sublinhou que “os salários foram cortados porque isso permitiu salvar milhares de empregos na TAP”. O antigo administrador disse que sem a redução salarial teriam sido eliminados 3.000 postos de trabalho e não 1.200.
O deputado Bruno Dias questionou Miguel Frasquilho sobre o algoritmo usado pela TAP para os despedimentos na companhia. O antigo chairman negou a sua existência: “Não houve algoritmo nenhum”. “Dá a ideia que houve uma coisa que se pôs a correr e que as pessoas foram escolhidas sem intervenção humana. Tivemos critérios para a saída”, acrescentou.
O antigo administrador referiu que foram usados critérios de experiência, produtividade, limitações, habilitações e custo salarial, definidos pela gestão. “Pessoas da mesma família nunca foram ambas embora. No fim do processo chegaram-nos casos pessoais, de dramas pessoais, doença prolongada, morte de familiares. Essas pessoas foram retiradas da lista”, garantiu, reiterando que “não houve nenhum algoritmo automático”. Filipe Melo, do Chega, questionou se não havia algoritmo quem foi então o responsável pelos despedimentos. “Foram os responsáveis da TAP e eu era um dos responsáveis”, respondeu Miguel Frasquilho.
Tivemos de fazer um plano conservador que fosse considerado credível pela Comissão Europeia para ser aprovado. Sem plano aprovado a TAP tinha acabado em junho ou julho de 2020.
Bruno Dias, do PCP, confrontou por várias vezes o antigo presidente do conselho de administração com o facto de os despedimentos na TAP terem sido excessivos, argumentando que há data da aprovação do plano de reestruturação já existiam perspetivas mais otimistas para a evolução do tráfego aéreo. “É como se estivéssemos a preencher o totobola à segunda-feira depois dos jogos ao sábado e domingo”, retorquiu o antigo secretário de Estado do Tesouro. “Nós vivemos os tempos mais arriscados da aviação. Pior do que o 11 de Setembro. Acha que algum gestor fica satisfeito em fazer despedimentos”, acrescentou.
“Tivemos de fazer um plano conservador que fosse considerado credível pela Comissão Europeia para ser aprovado. Sem plano aprovado a TAP tinha acabado em junho ou julho de 2020”, garantiu o ex-chairman.
Contactos com ministérios “sem limitações”
Tal como outras personalidades que passaram pela comissão de inquérito, o responsável foi questionado por Mariana Mortágua se tinha conhecimento de pedidos da Presidência da República para alteração de voos. “Nunca tive pedidos desse género”, foi a resposta.
Ao contrário da CEO da TAP, que referiu que tinha indicações para que os contactos fossem feitos com a tutela setorial, o Ministério das Infraestruturas, e não com a tutela financeira, o Ministério das Finanças, o antigo chairman afirmou que teve sempre uma boa relação com ambas. “Nunca tive limitações de contacto com as Infraestruturas ou as Finanças”, garantiu.
Miguel Frasquilho salientou, em resposta ao PS, a importância que o plano de reestruturação teve na preservação do hub da TAP. “A grande mais-valia da TAP diz respeito ao modelo de hub and spoke e à ligação entre o médio curso e o longo curso. No ponto a ponto nunca será competitiva com as low-cost. Mas estas também não fazem longo curso. Não voam para o Brasil ou para África. O papel da TAP é fazer a ponte entre diversas paragens e distribuir os passageiros”, explicou.
[Sem o hub] íamos passar a apanhar os voos intercontinentais em Madrid, Paris ou Londres. Talvez passados muitos anos viesse uma companhia tomar o lugar da TAP. Mas os danos seriam enormes.
Sem o hub, “íamos passar a apanhar os voos intercontinentais em Madrid, Paris ou Londres. Talvez passados muitos anos viesse uma companhia tomar o lugar da TAP. Mas os danos seriam enormes”, apontou.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se por um período de 90 dias.
(notícia atualizada às 21h45)
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