O que chama aos fundos da Airbus usados por Neeleman na TAP? “Uma doação, será?”, diz Humberto Pedrosa

O empresário Humberto Pedrosa, antigo acionista da companhia aérea, revelou que deu uma garantia pessoal para uma linha de crédito à TAP após a privatização em 2015.

Humberto Pedrosa considerou uma “doação” os 226 milhões de euros recebidos por David Neeleman da Airbus e que o empresário brasileiro usou para capitalizar a TAP na privatização da companhia aérea em 2015. Já o antigo acionista e administrador colocou 12,5 milhões do seu próprio dinheiro.

Humberto Pedrosa entrou para o capital da TAP através da Atlantic Gateway, em conjunto com David Neeleman. Os acionistas pagaram cinco milhões de euros cada um por 61% da companhia aérea e comprometeram-se a injetar prestações acessórias para a capitalizar. Humberto Pedrosa colocou 12,5 milhões, apesar de ter 50,1% da Atlantic Gateway, David Neeleman, com 49,9%, injetou 226 milhões de dólares. Esta última quantia veio da Airbus, no âmbito do negócio para a aquisição de 53 novos aviões.

Questionado na comissão parlamentar de inquérito à TAP pela deputada Mariana Mortágua, do BE, sobre o que se podia chamar a estes fundos do fabricante de aeronaves, Humberto Pedrosa respondeu: “Não sei o que lhe hei de chamar. Uma doação, será?”.

 

“Eu considero que esse dinheiro foi o dinheiro que a Airbus deu ao senhor Neeleman para a capitalização da TAP tem a ver com o pacote do negócio feito com a Airbus. Perante a dimensão do negócio e a expectativa de continuar a vendar aviões à TAP a Airbus disponibilizou esses 226 milhões para a capitalização da TAP”, disse o ex-administrador não executivo, garantindo que só soube dos chamados “fundos Airbus” duas semanas antes da concretização da privatização, em novembro de 2015.

Humberto Pedrosa afirmou por várias vezes não estar a par de decisões e pormenores. “O homem da aviação era o David Neeleman. Era ele que geria e comandava a operação”, disse. Mais à frente na audição afirmou que tinha uma posição “fiscalizadora” do parceiro no capital da TAP.

O antigo acionista foi instado também a explicar porque ele, o filho David Pedrosa e David Neeleman não recebiam um salário como administradores da TAP mas através de um contrato de serviços celebrado entre a Atlantic Gateway e a companhia aérea, como avançou o ECO.

“A Atlantic Gateway tinha despesas com advogados e outras diversas. Entendemos em determinada altura receber o salário via prestação de serviços. O dinheiro não vinha [diretamente] para o bolso dos acionistas e administradores, por isso não havia Segurança Social e IRS”, disse.

O dono da Barraqueiro precisou que a Atlantic Gateway recebia 75 mil euros por mês. O dinheiro que sobrava depois de pagas as despesas era canalizado, através de dividendos, para a sua holding HPGB e a DGN de David Neeleman. “Esta situação de prestação de serviços até existia dentro da TAP. A TAP SPGS pagava salários mas não tinha receita. Tinha um contrato de prestação de serviços com a TAP SA”, revelou.

Bruno Dias, do PCP, questionou se existiram negócios da TAP com o grupo Barraqueiro e quais os montantes associados. “Não havia serviços da Barraqueiro à TAP, salvo alguma exceção de aviões que eram cancelados, às vezes no Porto, e era-nos pedido um autocarro para transportar os passageiros para o hotel. Eram coisas pontuais”, respondeu.

“David Neeleman era um investidor. Eu sou um empresário”

Quando, em 2020, o Governo optou por nacionalizar a posição de David Neeleman na TAP, o empresário recebeu 55 milhões para prescindir das prestações acessórias. Humberto Pedrosa acabou por sair do capital com os aumentos de capital do Estado, saindo sem nada. “Perdi prestações acessórias”, assumiu. O dono da Barraqueiro assume que podia ter visto antes que não tinha condições para manter-se no capital e que “ia ficar reduzido a pó”, recorrendo a uma expressão usada por Pedro Nuno Santos.

“Um recebeu 55 milhões e o outro não recebeu nada. Parece-me um pouco estranho, sem querer levantar suspeitas”, comentou Bernardo Blanco, da IL. “Há uma diferença entre um acionista e outro. O senhor David Neeleman era um investidor que entrou para fazer uma mais-valia num determinado espaço de tempo. Eu sou um empresário. Vejo as companhias a longo prazo”, respondeu.

“Podia ter saído na altura quando saiu David Neeleman. Tive sempre uma expectativa que a pandemia não se alongasse muito tempo. Como gostava da TAP e apostava na TAP, fiquei até ser possível ficar. Quando verifiquei que não havia condições para ficar saí com prejuízo”, disse.

O PS questionou o antigo acionista sobre os negócios feitos pela Azul com a TAP, nomeadamente o leasing de 17 Embraer e ATR, “aviões que tinham dificuldades em levantar quando condições climatéricas eram piores e gastavam mais combustível”. “Não eram interessantes para a Azul e acabam por vir para a TAP com as mesmas dificuldades”, afirmou o deputado Bruno Aragão. Humberto Pedrosa justificou a opção com a “necessidade imediata de aviões”. “Na altura foi a melhor opção, não havia outra.

Bruno Aragão apontou ainda o facto de a Azul estar a usar slots que a TAP abandonou no aeroporto de Campinas para concorrer com própria TAP, nomeadamente através de um acordo com a alemã Air Condor.

Humberto Pedrosa deu aval pessoal a dívida da TAP

Na sua intervenção inicial aos deputados, David Neeleman afirmou que quando chegou à TAP a companhia estava com capitais próprios negativos “sem saldo de caixa, com pagamentos em atraso e em risco de não poder pagar salários”. Perante esta situação, revelou que “facilitou uma linha de crédito com garantia pessoal e usou linha de crédito aberta pela banca para o Grupo Barraqueiro” para financiar a companhia aérea.

Quando entrámos na TAP “sabíamos que situação não era boa, mas não sabíamos que era tão má”, afirmou, questionado por Filipe Melo, do Chega. “Nesse mês se não conseguíssemos ir buscar dinheiro não havia dinheiro para salários”, disse, acrescentando que a linha de crédito da Barraqueiro foi usada para esse fim.

Filipe Melo questionou como fez investimento de milhões sem conhecer a real situação da companhia? Humberto Pedrosa referiu que confiou na análise feita por David Neeleman.

O antigo administrador salientou que a Atlantic Gateway aceitou na altura pagar 10 milhões de euros por 61% da TAP apesar das duas avaliações feitas à altura apontarem para um valor entre 129 e 512 milhões negativos. Foi questionado porque não fez o mesmo em março de 2020, no início da pandemia.

Eu não conheço nenhum empresário privado que tivesse disponibilidade de mil milhões para colocar na TAP. Não estamos a falar em trocos. Para dar ajuda à TAP era preciso mil milhões. Se tivesse, eu tinha posto, porque acredito na TAP”, disse Humberto Pedrosa aos deputados. “É uma grande companhia e uma grande marca. Futuramente há de ser uma grande companhia, precisa é de ter uma boa gestão”, afirmou.

A deputada Mariana Mortágua quis saber porque Fernando Pinto ficou a ganhar mais como consultor da TAP do que quando era CEO, através de um contrato para a prestação de serviços de consultoria. Como fez várias vezes ao longo da audição, deixou elogios ao antigo parceiro no capital da companhia aérea. “Ele era essencial para a transição [de presidente executivo] porque era o homem que conhecia a empresa. Era a ele que se pedia ajuda em todas as dúvidas. Ele era assíduo na companhia e quando não estava estava sempre disponível”, respondeu.

A parlamentar do BE perguntou também porque Fernando Pinto era administrador da Atlantic Gateway. Pedrosa explicou que isso se deveu ao facto de a ANAC exigir um gestor com experiência de aviação que tivesse nacionalidade de um país da União Europeia, como exige a legislação. Foi aí que Mariana Mortágua revelou que no ano seguinte, em 2016, David Neeleman conseguiu a cidadania europeia através de um “visto gold” concedido por Chipre.

Humberto Pedrosa manteve a participação no capital da TAP SA até dezembro de 2021 e na TAP SGPS até novembro de 2022, tendo as participações desaparecido com os aumentos de capital do Estado. Foi também administrador não executivo da transportadora aérea entre novembro de 2015 e o final de setembro de 2020.

(notícia atualizada às 22h30)

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