Um Estado 5G: Governo, Governança, Gestão, Garantias e Garbo

O problema português é que a opção do mais Estado, compreensível num governo de esquerda, tem sido acompanhada de uma deterioração da qualidade dos serviços públicos.

O país é pobre. De acordo com os dados disponíveis no sítio da Pordata, mais de metade dos agregados familiares portugueses declararam, em 2021, ter recebido, no máximo, 13.500 euros brutos. E se, num rasgo de ousadia, subirmos dois escalões, descobrimos que apenas 20% dos agregados familiares receberam mais de 27.500 euros por ano. Leram bem: 53% dos agregados familiares auferiram, no máximo, 1.125 euros brutos mensais (contado a 12 meses). E, na loucura, 80% dos agregados não receberam mais do que 2.291 euros por mês.

Notem, os estimados leitores, que estou a falar de agregados que, de acordo com os dados disponíveis no Pordata, em 2021 tinham cerca de 2,7 pessoas em média. Ou seja, numa liberalidade estatística, apenas para início de conversa, em mais de 50% das famílias o rendimento médio por pessoa é de 416 euros brutos por mês. E se chegarmos ao escalão até onde estão 80% dos agregados, o rendimento médio por pessoa é de menos de 850 euros brutos por mês.

Por outro lado, cerca de 16,4% dos portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza e, descontados os apoios sociais, seriam 43,3%. Ou seja, mais de um quarto da população precisa dos apoios sociais atribuídos pelo Estado para estar acima do limiar da pobreza. E o que é o limiar da pobreza? 6.608 euros por ano, 550 euros por mês.

Ao mesmo tempo que a carga fiscal aumentou para 36,4% do PIB, atingindo um novo recorde em 2022, e oesforço fiscal – que “se baseia, não só nas receitas fiscais de um determinado país, mas, também, no rendimento gerado e no número de habitantes” – é o 6.º mais elevado da UE. Ou seja: mais de metade dos portugueses são pobres, menos de metade excessivamente onerados fiscalmente e, de uma forma geral, o país é estruturalmente dependente de apoios do Estado.

Se o debate menos Estado ou mais Estado importa sempre, neste cenário importa mais. Até porque quando se fala de Estado, ainda que tantas vezes pareça uma abstração, tantas vezes usada para erodir um pouco mais a coesão social acicatando dicotomias entre funcionários públicos e trabalhadores do privado, estamos a falar de serviços essenciais a uma comunidade: da segurança pública à segurança externa, da saúde à educação, do apoio aos vulneráveis ao estímulo ao investimento, do planeamento urbano à regulação, da justiça ao exercício da democracia.

E se é verdade que nesta matéria, em abstracto, me inclino mais para a primeira via, a do menos Estado, do que para a segunda, a do mais Estado, num tempo em que as relações internacionais recomendam prudência – para dizer o mínimo – ao liberalismo económico tout court, e num país que padece dos problemas acima identificados, defender menos Estado, assim só, parece ser solução incompleta e danosa da coesão social. É que não podemos deixar ninguém para trás.

Há, todavia, uma terceira via, prudente, pragmática e vital: a do Melhor Estado. Ainda que este Governo venha insistindo em Mais Estado e Pior Estado: com o aumento do número de funcionários públicos e da despesa fixa e permanente, e da despesa inútil e lesiva, de que a TAP é, mais do que um exemplo, uma realidade feita caricatura.

Ainda sobre o debate Mais Estado vs Menos Estado – questões de liberdade e de concepção ideológica à parte, não é esse o propósito deste artigo – e a alternativa de Melhor Estado, vale a pena lembrar que aquele debate centra-se, normalmente, no dilema de fazer mais com mais recursos (mais impostos) ou de fazer menos com menos recursos (menos impostos). Nalguns casos, o debate vai um pouco mais longe, ao domínio da eficiência, e propõe fazer o mesmo com menos recursos.

O problema português é que a opção do mais Estado, compreensível num governo de esquerda, tem sido acompanhada de uma deterioração da qualidade dos serviços públicos, no que podemos classificar de Pior Estado. O colapso do SNS, da escola pública, as interrupções dos serviços de transporte, as opções estratégicas e a execução dos fundos estruturais usados para conveniências conjunturais e, em síntese, o mau governo, são exemplos flagrantes e preocupantes. Nisto, pagam primeiro os mais vulneráveis e depois pagam os restantes: todos os portugueses, Portugal, a autoridade do Estado e a qualidade da democracia.

A McKinsey, porém, em Abril de 2017, publicou um documento chamado Government Produtivity – Unlocking the 3,5 Trillion Oportunity, onde se questiona como fazer mais com menos, alargando assim o debate à eficácia – com novas respostas a novas necessidades –, à eficiência – fazendo melhor e mais racionalmente o que se faz – e à qualidade – dando melhores respostas com melhores níveis de serviço. É esta a vida do Melhor Estado. Mais do que valer a pena abraçar este desafio, parece ser, em face do que disse anteriormente, quer quanto às condições estruturais debilitadas e debilitantes do país, quer quanto à alteração do quadro das relações internacionais, essencial fazê-lo.

O problema português é que a opção do mais Estado, compreensível num governo de esquerda, tem sido acompanhada de uma deterioração da qualidade dos serviços públicos, no que podemos classificar de Pior Estado. O colapso do SNS, da escola pública, as interrupções dos serviços de transporte, as opções estratégicas e a execução dos fundos estruturais usados para conveniências conjunturais e, em síntese, o mau governo, são exemplos flagrantes e preocupantes. Nisto, pagam primeiro os mais vulneráveis e depois pagam os restantes: todos os portugueses, Portugal, a autoridade do Estado e a qualidade da democracia.

E se digo que as opções até agora levadas à prática são compreensíveis num Governo de esquerda, é porque a esquerda, sempre mais focada na redistribuição de riqueza, tende a onerar a pouca que existe, obliterando não poucas vezes qualquer tentativa de a criar. Enquanto houver, vão, quando não houver, revolução. É porque não há, no limite, redistribuição de riqueza se não houver criação de riqueza. A esta circunstância ideológica, Portugal, com o PS, soma uma lógica sôfrega de poder, onde os interesses partidários se sobrepõem aos interesses nacionais.

Ultrapassada que esteja esta circunstância político-partidária, o Estado e a Administração Pública portuguesa têm que se reformar. Eu sei que o tema é quase tão antigo quanto a decisão sobre o novo aeroporto, mas os fracassos do passado e a falta de vontade do presente não invalidam a necessidade. Assim, proponho 5 dimensões para abordar e vencer este desafio, e exorto o espaço político não-socialista a encontrar as condições necessárias e a sentir a obrigação irrenunciável de lhes endereçar soluções.

Considerando que este PS – que, nesta matéria, deveria também ser parte da solução – não só não lhes endereçou resposta alguma, como caminha para uma década de agravamento activo e passivo das condições que tornam os desafios em problemas, sem nunca daí tirar nenhuma oportunidade útil para o país, esta afirmação – a de que o espaço não-socialista tem que sentir a obrigação irrenunciável de lhes endereçar soluções – deve forçar o PPD/PSD, o CDS e a IL a não só endereçar-lhes soluções, como a estabelecerem uma plataforma comum de entendimento suficientemente alargada, que possa servir de base a parte de um programa de governo futuro.

As cinco dimensões são: de Governo, de Governança, de Gestão, de Garantias e de Garbo. Uma espécie de Governo 5G. O país precisa:

  • de decidir em que áreas quer estar presente na sociedade e que competências exercer (governo);
  • como se organiza, promove sinergias e elimina redundâncias e o que descentraliza e como (governança);
  • gerir em função de objectivos de resultados e não de processo e sindicar publicamente essa gestão, que tem que ser mais profissionalizada do que partidarizada (gestão);
  • assegurar estabilidade nas políticas públicas, avaliá-las, corrigi-las e dar segurança aos cidadãos, também ao nível de direitos adquiridos, respeitando o contracto social (garantias);
  • respeitar e dignificar os funcionários públicos, reconhecendo-lhes um papel vital na vida do país (garbo).

As experiências recentes – o PRACE no tempo de José Sócrates e o PREMAC no tempo de Passos Coelho – não deram resposta à questão essencial e estrutural do governo; Tocaram vagamente na questão da governança (no PRACE); Em matéria de gestão reduziram vagamente a despesa (no PREMAC); As garantias, por falta de vontade (PRACE) e de condições políticas (PREMAC), acabaram por sair, por acções imperiosas (Passos Coelho) e por falta de alcance estratégico (Sócrates), prejudicadas; E o garbo foi coisa que, no emaranhado kafkiano em que se tornou a Administração Pública, se perdeu há muito.

O tema merece muito mais desenvolvimento, e este artigo vai já demasiado longo, mas fica, para já, a enunciação dos pilares essenciais. Termino, por ora, com a última frase do documento da McKinsey que citei acima: “A transformação do governo é difícil, mas é possível e extremamente necessária. Quando alcançado, pode desbloquear novas fontes de produtividade para melhorar a vida dos cidadãos”.

Nota: O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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