Galamba resiste (para já), mas audição sobre TAP abre novas pistas

A audição do ministro das Infraestruturas na comissão de inquérito era uma prova de fogo depois da demissão recusada por Costa. As revelações sobre o SIS abriram novas pistas de investigação.

João Galamba, ministro das Infraestruturas, foi ouvido esta quinta-feira na comissão de inquérito à TAPMIGUEL A. LOPES/LUSA 19 Maio, 2023

João Galamba chegou à audição na comissão parlamentar de inquérito à TAP como o mais fragilizado dos ministros do Governo. Resgatado pelo primeiro-ministro depois de se demitir por causa dos acontecimentos no seu ministério, na prestação perante os deputados jogava-se também o seu futuro político e até o do Executivo. Quase sempre sereno, o ministro das Infraestruturas aguentou o embate, mas não matou a polémica e abriu novas pistas de discussão política.

A audição de João Galamba começou, na verdade, no dia anterior. A sua chefe de gabinete, Eugénia Correia, rebateu o testemunho do ex-adjunto, Frederico Pinheiro, e defendeu de forma acérrima o ministério e o ministro. De tal forma que Galamba recorreria por mais de uma vez ao seu depoimento perante os deputados para responder às perguntas. É disso exemplo a intervenção dos Serviços de Informação e Segurança (SIS) para recuperar o computador de Frederico Pinheiro, um dos assuntos que mais polémica tem gerado sobre os acontecimentos no ministério das Infraestruturas no dia 26 de abril.

Eugénia Correia tinha afirmado aos deputados que a iniciativa de contactar o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), que depois acionou o SIS, tinha sido dela própria. João Galamba manteve-se fiel a essa versão, mas os deputados quiseram escalpelizar ao detalhe o envolvimento do ministro e os contactos que fez. E nem tudo bate certo com o que afirmara antes.

Um desses contactos foi com o primeiro-ministro. João Galamba tinha dito numa conferência a 29 de abril que tentou informar o primeiro-ministro do que se passara no ministério, mas que António Costa “estava a conduzir e não atendeu”. Esta quinta-feira, revelou que acabou por conseguir falar com o primeiro-ministro “ao final da noite, talvez pela uma ou duas da manhã”.

O governante disse que relatou ao primeiro-ministro os acontecimentos daquela noite no ministério. Já a terminar a audição, perante a insistência do deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, revelou que informou António Costa do reporte feito ao SIRP sobre o alegado roubo do computador por Frederico Pinheiro.

O gabinete do primeiro-ministro tinha afirmado em resposta ao Observador, a 1 de maio, que “o primeiro-ministro não foi nem tinha de ser informado. Nem tomou qualquer diligência”. Terá sido informado, embora só depois dos factos terem ocorrido. A chefe de gabinete diz que alertou o SIRP antes das 22h e Frederico Pinheiro relatou que entregou o computador ao SIS pela meia-noite. De todo o modo, João Galamba disse que não conseguia precisar a hora exata em que falou com António Costa.

Apesar da proatividade da sua chefe de gabinete, houve um membro do Governo que lhe recomendou contactar o SIS, assumiu. Foi António Mendonça Mendes, secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, a quem ligou às 21h52, relatou. Eugénia Correia ligou às 21h54 ao SIRP. João Galamba garantiu que a sua chamada com o colega do Governo terminou depois da ligação da chefe de gabinete, assegurando que não falou com ela sobre esta possibilidade antes de a mesma ter essa iniciativa.

O primeiro telefonema dessa noite foi para outro membro do Executivo: José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, a quem ligou às 21h10 e 21h12, para que fosse acionada a PSP. Falou depois com o diretor da PSP. Este contacto com José Luís Carneiro não tinha sido referido na conferência de imprensa.

Confirmo que na conferência não referi o nome do ministro da Administração Interna e hoje referi. A conferência de imprensa foi feita no calor dos acontecimentos.

João Galamba

Ministro das Infraestruturas

“Confirmo que na conferência não referi o nome do ministro da Administração Interna e hoje referi”, disse João Galamba. “A primeira pessoa a quem liguei foi o ministro da Administração Interna”, disse esta quinta-feira aos deputados. “A conferência de imprensa foi feita no calor dos acontecimentos. Há coisas que podiam ter sido ditas melhor. Cometem-se erros”, acrescentou. O ministro ligaria ainda à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, pelas 22h53.

Mentiu ou não mentiu?

Outros dos ingredientes à volta da exoneração de Filipe Pinheiro são as reuniões preparatórias da ex-CEO da TAP antes de ir à Comissão de Economia esclarecer a indemnização de Alexandra Reis, a 18 de janeiro. Christine Ourmières-Widener disse já na CPI que tinha reunido com o grupo parlamentar do PS e elementos do ministério das Infraestruturas e dos Assuntos Parlamentares no dia 17. Quando abordou a questão no Parlamento, João Galamba, não referiu que no dia 16 também ele tinha estado reunido com a ex-CEO. E disse sempre que a iniciativa tinha partido da gestora.

Pedro Filipe Soares, do BE, arrancou as suas questões acusando João Galamba de mentir, ao ocultar a reunião de dia 16. Foi o ex-adjunto que mais tarde revelaria esse encontro. O ministro negou ter mentido, porque não foi questionado sobre essa reunião em particular e manteve que foi a CEO, através de Frederico Pinheiro, que manifestou o desejo de participar na reunião preparatória. Algo que considerou normal. “Não teria sido normal era não reunir com a presidente da TAP”, refere o ministro, referindo que estava “ansiosa” com a audição. “Preparação política não é manipulação, deturpação ou ocultação”, chegou a dizer.

Salário do novo CEO da TAP suscita polémica

Antes ainda de começar a audição, a revista Sábado noticiou que Tiago Aires Mateus, presidente da comissão de vencimentos da TAP, tinha apresentado a demissão na quinta-feira, em discordância com a proposta para o salário do novo presidente executivo da companhia aérea, Luís Rodrigues.

O parecer da comissão foi de que o novo CEO deveria ganhar 420 mil euros brutos por ano, sem direito a prémios. O valor terá sido calculado a partir do ordenado de Fernando Pinto enquanto líder da TAP no período em que o Estado era o único acionista, como acontece atualmente. O Governo tinha, no entanto, acordado com Luís Rodrigues pagar-lhe o mesmo vencimento fixo que o de Christine Ourimières-Widener: 504 mil euros.

João Galamba afirmou aos deputados que recebeu a indicação da demissão de Tiago Aires Mateus às 3h00 da manhã. Questionado sobre se conseguia explicar porque foi definido um salário diferente pela comissão de vencimentos, respondeu: “Não, senhor deputado”. Galamba assumiu que o acordo para o ordenado foi feito sem a comissão de vencimentos se ter pronunciado.

Assumindo desconhecer o parecer da comissão, disse que “a causa de demissão do presidente da comissão de vencimentos tem a ver com isso”. Mas rejeitou que tenha existido pressão do Governo. “Negamos categoricamente que o Ministério das Infraestruturas o tenha feito de qualquer forma”, disse.

Luís Cabaço Martins, que presidiu à comissão de vencimentos da TAP até meados de 2021, afirmou esta semana na CPI que cabe à comissão definir a remuneração fixa e variável dos membros da comissão executiva, em função da situação da empresa e da indicação dos acionistas.

A companhia aérea acabou por ser um assunto menor na audição, apesar de ser o objeto da CPI, mas o ministro quis deixar uma nota de otimismo, afirmando que “tudo indica, com os dados até agora conhecidos, que o ano de 2023 será muito positivo”, sublinhou. “São excelentes notícias para a TAP e o país”.

João Galamba, ministro das Infraestruturas, na comissão de inquérito à TAPMIGUEL A. LOPES/LUSA 19 Maio, 2023

Galamba diz que foi ameaçado por Frederico Pinheiro

O prato forte foram mesmo os acontecimentos no ministério envolvendo Frederico Pinheiro e elementos do seu gabinete. Se o ministro aparentava estar calmo na postura corporal, o mesmo não se pode dizer da forma como tratou o ex-adjunto ao longo de toda a audição. Se na véspera Frederico Pinheiro tinha acusado João Galamba de ameaças verbais no telefonema da exoneração, o ministro deu troco ao longo de várias horas.

Nego categoricamente que tenha ameaçado Frederico Pinheiro mas afirmo que fui ameaçado por Frederico Pinheiro e não foi pouco. Se havia alguém muito, muito exaltado não era eu. A seguir, foi fazer o que fez: agredir pessoas”, relatou o governante. Assumindo-se como uma “pessoa colérica”, João Galamba diz que “estava aliviado” e “muito tranquilo” por demitir Frederico Pinheiro do cargo de adjunto, menos de uma hora depois de ter aterrado em Lisboa no regresso da viagem de trabalho a Singapura. Na versão de Galamba, “foram feitas ameaças físicas violentas” por parte do ex-adjunto.

Galamba diz que exonerou Frederico Pinheiro porque terá praticado “comportamentos incompatíveis num gabinete de um Governo”: “desobedeceu a instruções de um chefe de gabinete, mentiu a colegas e mentiu-me e não atendeu a telefonemas”. Perante o comportamento registado entre 24 e 26 de abril, período que demorou a enviar as notas da reunião de 17 de janeiro a enviar à comissão parlamentar de inquérito, João Galamba entendeu que “era meu dever exonerar imediatamente o ex-adjunto”.

Nego categoricamente que tenha ameaçado Frederico Pinheiro mas afirmo que fui ameaçado por Frederico Pinheiro e não foi pouco. Se havia alguém muito, muito exaltado não era eu. A seguir, foi fazer o que fez: agredir pessoas

João Galamba

Ministro das Infraestruturas

Mais à frente, João Galamba lançou mais suspeitas sobre Frederico Pinheiro. “Havia relatos de que tirava cópias não se sabe bem para quê“, acusou o ministro em resposta ao PS. Inicialmente, o ex-adjunto estaria a usar a fotocopiadora apenas para fornecer informação à CPI. No entanto, “começou-se a perceber que também era para outras coisas, acusou o ministro em resposta aos deputados do PSD. Terá sido por esse motivo que o ministro terá mandado proibir a entrada do ex-adjunto no edifício do Ministério das Infraestruturas.

Galamba manifestou ainda “estranheza” com a preocupação de Frederico Pinheiro com o computador. “A pessoa que é exonerada a primeira coisa que faz é ir a correr buscar o computador agredindo pessoas”. “É uma preocupação bizarra, estranha e incompreensível”, sublinhou. “Não foi por questões pessoais, seguramente. Foi por outra coisa. Felizmente o computador está na Polícia Judiciária e vamos saber”, disse o ministro.

As mais de cinco horas de declarações de Eugénia Correia serviram para responder a outras perguntas dos deputados, como o episódio em que alegadamente Frederico Pinheiro terá perdido as mensagens trocadas por WhatsApp, devido a uma intervenção de um técnico do ministério.

Acho muito estranho que após ser exonerado alguém ir desesperadamente buscar o computador. Não foi por questões pessoais, seguramente. Foi por outra coisa. Felizmente o computador está na Polícia Judiciária e vamos saber

João Galamba

Ministro das Infraestruturas

O ministro alega que “ninguém tentou apagar nada” do telemóvel do ex-adjunto e que apenas teve conhecimento do caso através de relatos. “Quem fez tudo [no telemóvel] foi o doutor Frederico Pinheiro”, afirmou o governante.

Porque tem condições para continuar como ministro? “Porque entendo”

Com a audição ainda a decorrer, é conhecida a manchete do Expresso desta semana: “Marcelo não segura Costa se Galamba Cair”. Horas antes, o Presidente da República tinha afirmado que “é uma ilusão achar que se pode ser importante sem pagar um preço, que se pode ter poder sem ter responsabilidade, isso não existe”. Palavras que remetem para a comunicação ao país feita após a recusa de António Costa em demitir o ministro das Infraestruturas.

Paulo Moniz, do PSD perguntou a João Galamba se não acorda com vergonha depois das palavras de Marcelo e os acontecimentos no ministério. “Acordo com vergonha? Não, senhor deputado. Acordo todos os dias com orgulho e sentido de dever e obrigação de cumprir o meu trabalho. Valorizo a confiança do primeiro-ministro, mais nada me dá ou tira noites de sono”, disse.

Paulo Rios Oliveira, também do PSD, já tinha perguntado ao ministro “em que é que se baseou para dizer que tem todas as condições para continuar no cargo?” “Porque entendo”, foi a resposta.

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