Vasco Teles mudou a estratégia do NB Euro Bond em meados do ano passado e escapou a uma onda ainda mais severa de perdas do mercado. Para este ano, a abordagem mais defensiva do fundo é para manter.
O ano que passou foi muito negativo para a maioria dos ativos financeiros. Mas foi particularmente negro para as obrigações, que há muitos anos não assistiam a quedas tão expressivas.
Como resultado de uma inflação recorde acima dos 10% em muitos países europeus ao longo de 2022, a maioria dos fundos de obrigações europeias foi arrastado para perdas superiores a 20%. Não foi o caso do NB Euro Bond, que encerrou o ano a perder “apenas” 7,8%, graças a uma mudança significativa da sua estratégia de investimento, centrada até então numa aposta em títulos de dívida de países periféricos e de maturidades longas, para procurar “segurança” em títulos de curto prazo como forma de reduzir o risco de taxa de juro.
Há quase 30 anos no mercado, o NB Euro Bond apenas por quatro ocasiões fechou o ano em terreno negativo – justamente no ano passado e em 2021. O impacto dos últimos dois anos fez com que a rendibilidade do fundo gerido por Vasco Teles desde 2008 passasse de uma rendibilidades média anual de 10% no final de 2021 para cerca de 4% atualmente.
Num período marcado por uma grande incerteza económica, Vasco Teles revela que, atualmente, está particularmente centrado em “evitar perdas nos próximos meses”, ao mesmo tempo que prepara a carteira do fundo de obrigações para captar boas oportunidades de investimento quando “quando sentir que o mercado está numa base mais interessante do que está hoje.”
Nesta entrevista, o gestor de 53 anos aborda a estratégia que seguiu em 2022 e que está a desenvolver em 2023, porque continua a deixar de fora das suas preferências os títulos de dívida pública nacional e porque considera que a inflação não deverá ter um comportamento linear como o mercado antecipa atualmente (Pode ler toda a entrevista em texto corrido ou saltar para cada um destes temas carregando no link respetivo).
Nesta fase, o que não queremos e que temos procurado consegui-lo desde meados do ano passado é não ter muito risco de taxa de juro.
As obrigações soberanas, que são o principal ativo do NB Euro Bond, perderam 12% em 2022 e grande parte dos fundos de obrigações encerram o ano a cair mais de 20%. O NB Euro Bond ficou-se por uma desvalorização de 7,38%. Qual foi o segredo?
O ano de 2021 já tinha sido um ano mau e havia vários sinais de que as coisas se estavam a deteriorar. No final de 2021, início de 2022, começou a haver um movimento grande de cobertura de taxa por parte de grandes fundos de pensões e de ALM nórdicos que criaram dinâmicas que nos deixaram um pouco desprevenidos, e as coisas começaram por não nos correr particularmente bem nessa fase. Mas, com o passar dos meses, fomos recalibrando a carteira e, especialmente a partir do verão, ficámos bastante defensivos e começámos a ter uma correlação quase negativa para o benchmarck (índice de referência).
Significa que a meio do ano mudou a estratégia e com isso conseguiu reduzir as perdas.
Sim. Essa mudança fez com que os últimos seis meses tivessem sido particularmente bons face aos primeiros. O paradoxal da nossa estratégia é que acabámos por não perder dinheiro em core nem nos países principais e acabámos por ter uma rendibilidade negativa em títulos de países periféricos, que apesar de ter sido negativa foi bastante menos negativa que a concorrência.
Particularmente sobre que títulos?
Grécia e Roménia. A Roménia não só por ser um crédito ainda relativamente frágil, mas sobretudo porque os títulos foram muito vendidos na altura da invasão da Ucrânia pela Rússia. Foram sobretudo estas duas posições que fizeram o resultado negativo do ano.
A Grécia tem sido uma aposta recorrente do fundo que foi iniciada em 2012 após o processo de reestruturação da dívida grega. O NB Euro Bond chegou a ter um quarto da carteira alocada em dívida grega. Porém, nos últimos dois anos, esta aposta não correu bem. O que se passou?
A Grécia tem sido uma aposta de longo prazo. Em 2021 tínhamos cortado quase a exposição ao risco grego na totalidade, mas, no final de 2021, um pouco extemporaneamente, voltamos a reentrar e gerimos mal essa pressão no início do ano. Acabámos por mantê-la durante bastante tempo, que se revelou por não ter sido particularmente bem sucedida, acabando por pesar no ano negativamente. De qualquer forma, foi numa proporção muito inferior aos ganhos que gerou para a carteira nos últimos dez anos. Atualmente temos uma posição muito reduzida em Grécia.
O fundo tem mostrado um crescente interesse por títulos do Tesouro italiano. Se em junho de 2021 estes títulos representavam 48% da carteira, no final de abril, quase dois terços do fundo estavam alocados em obrigações de Itália. A que se deve esta aposta?
Todas as exposições em dívida italiana estão bastante cobertas por futuros. Não é uma exposição líquida. Portanto, a exposição líquida que temos em Itália neste momento é praticamente zero, apesar de termos bastante exposição a Itália em cash.
Qual a razão dessa estratégia?
Já vem do segundo semestre do ano passado e tem a ver, desde logo, por Itália ter um carry [taxa de cupão] muito elevado no curto prazo, como resultado da curva da taxa de juro estar muito invertida, apresentando yields muito elevadas entre 6 meses até um ano e meio – a partir daí vão caindo. E como ainda estamos muito pouco convencidos de que as coisas vão ser geridas facilmente daqui para a frente, temos a posição coberta com derivados de longo prazo, o que acaba por ser uma visão até negativa em Itália. É uma forma de nos expormos com uma cautela grande relativamente à periferia e aos créditos mais fracos da Zona Euro.
Mas a carteira atual do fundo também não tem uma grande posição em obrigações de países fortes, como Alemanha ou França.
Neste momento não ter Alemanha ou obrigações francesas deve-se, acima de tudo, a uma gestão de duration, do risco da taxa de juro. Nesta fase, o que não queremos e que temos procurado consegui-lo desde meados do ano passado é não ter muito risco de taxa de juro.
Por essa razão é que, ao contrário do que acontecia no passado, hoje a carteira do fundo revela uma maior preferência por títulos de curto prazo.
Exatamente. Centrando a preferência por títulos de curto prazo, até dois anos, aproveitamos o ponto da curva mais atrativo, com maiores carry e melhores rolldowns [capital que pode ser ganho à medida que a yield desce até à maturidade], ao mesmo tempo que são também títulos mais líquidos, por isso com maior facilidade para entrar e sair. Assim, estando a carteira quase na totalidade investida nestes segmentos, temos depois toda a flexibilidade para, através de futuros, gerirmos a duration do dia-a-dia.
A dívida pública nacional está muito bem. O problema é que quando as coisas estão muito bem pagam pouco.
“Regressaremos à dívida portuguesa quando sentirmos que é altura de pôr risco na carteira”
O fundo tem mostrado um forte desinvestimento em títulos de dívida portuguesa. Depois de em 2019 ter fechado o ano com uma alocação de quase 10% da carteira a obrigações e Bilhetes do Tesouro, em junho de 2021 essa posição era de apenas 2,5% e hoje é nula. E assim deverá permanecer, segundo Vasco Teles.
Há largos meses que a carteira do NB Euro Bond não tem qualquer exposição a títulos de dívida portuguesa. As obrigações e os Bilhetes do Tesouro não são um bom investimento?
Este ano, a dívida pública portuguesa, a par da grega e da italiana, tem sido das dívidas públicas mais bem-sucedidas. E o facto de não termos nem obrigações nem Bilhetes do Tesouro na carteira tem-nos custado alguma performance. Mas esta decisão tem a ver com toda a nossa perspetiva em relação à dívida pública de há mais de um ano a esta parte.
Tem uma visão negativa relativamente ao desempenho da dívida pública nacional para os próximos anos?
A nossa visão é que o mercado entrou decididamente num ciclo diferente. Tivemos 30 anos com taxas a cair e agora as taxas vão começar a subir. E como nós não temos uma visão particularmente positiva para o complexo de taxas de juro para os próximos anos, queremos ter títulos o mais líquidos possíveis e, dentro desses títulos, com yields mais elevadas. Daí a nossa preferência por Itália, por exemplo, em vez de Portugal: além dos títulos italianos pagarem mais que os portugueses, são também mais líquidos e temos contratos de futuros disponíveis para cobrir as posições caso pretendamos, algo que não sucede, por exemplo, com os títulos portugueses.
Mesmo com esses “entraves”, não vê boas oportunidades no investimento em títulos de dívida nacional?
A dívida pública nacional está muito bem. O problema é que quando as coisas estão muito bem pagam pouco. As obrigações do Tesouro a 10 anos pagam 15 a 20 pontos base menos que os títulos de Espanha, sendo que é um crédito menos forte e menos líquido. Não há uma visão negativa em relação à dívida pública portuguesa, antes pelo contrário. Provavelmente regressaremos à dívida portuguesa quando sentirmos que é altura de pôr risco na carteira.
Significa que, pelo menos nos próximos meses, a carteira do NB Euro Bond não terá títulos de dívida nacional?
Não antecipava que as obrigações portuguesas tivessem um desempenho como estão a apresentar – e já no ano passado se dizia que Portugal estava caro. E estar “caro” é bom para o país, é bom para os portugueses. Mas o nosso mandato é dar o melhor retorno possível aos investidores não é investir em Portugal ou noutro país.
O que podem então os subscritores do fundo esperar em termos de principais apostas para o resto do ano?
A carteira do fundo reflete uma visão bastante cautelosa para as taxas de juro, especialmente para o longo prazo, e que não é benevolente para o contexto da inflação. Por essa razão, não estou preocupado em decidir em que país investiremos, mas manter a duration da carteira muito controlada para poder reagir rapidamente após uma eventual reação brusca do mercado e assim potenciar ganhos para o investidor, mas que valham o risco.
“Provavelmente, a inflação terá novas vagas”
O mercado está a negociar com base na perspetiva de que a inflação comece a cair a pique já a partir do verão. Vasco Teles não deposita as “suas fichas” neste cenário. O gestor diz que os investidores estão a ser “traídos” pela sua memória mais recente e que a inflação pode trazer surpresas negativas para quem acredita que os preços terão um comportamento linear.
O Fundo Monetário Internacional estima uma inflação para a Zona Euro de 5,3% para este ano e de 2,9% em 2024. É sobre estas previsões que também está a gerir o fundo?
Nós sabemos, já com um grau de certeza grande, de que a partir do verão, teremos a inflação a crescer abaixo dos 4% numa base anual. É uma questão de dinâmica e de aritmética base. Mas o mercado está também a ver a inflação já bastante baixa para 2024 e até 2025. É possível que sim, mas a verdade é que o mercado tem muita dificuldade em prever as coisas num horizonte a mais de seis meses. E nós vimos o que se passou há cerca de um ano, à entrada do verão, em que o mercado via as taxas diretoras do BCE a cerca de 1% porque achava que a inflação ia cair bastante no final de 2022.
Hoje estamos com taxas de quase 3,5%. Os dados da inflação para 2023 já estão relativamente bem calibrados em termos de projeção, mas temos muita insegurança em relação ao que sucederá em 2024 e em diante, desde logo porque, ao subir, a inflação criou muitas tensões e espalhou-se por vários canais da economia. Isto significa que, provavelmente, a inflação terá novas vagas.
Considera que a inflação não desenhará uma tendência de queda, como muitos anteveem, mas que terá picos de subida e descidas?
Claramente a nossa visão é essa. Temos a memória dos últimos 30 anos em que quando a taxa de inflação subia um pouco acabava logo por descer. Por isso, os investidores estão bastante condicionados por esta memória que mostrava a inflação a cair. No entanto, essa dinâmica mudou profundamente no último ano. Daí questionar-me se as expectativas que temos para a inflação e para os cortes de taxa de juro não estão também contaminadas por este vício da nossa memória recente. Isto quer dizer que a inflação pode trazer surpresas negativas para quem espera um ambiente taxas de juro mais baixo para os próximos meses.
O mercado tem muita dificuldade em prever as coisas num horizonte a mais de seis meses.
Como está a posicionar o fundo para tirar partido dessa visão?
Estamos investidos em títulos com duration muito baixa, expostos ao curto prazo, em que o efeito das taxas de juro está muito mais interiorizado. Temos taxas de curto prazo a 3% ou ligeiramente acima deste valor, mas depois não queremos ter Alemanha a 10 anos a pagar 2%.
Estamos muito ancorados no curto prazo e a gerir a duration com futuros, na perspetiva que esta dinâmica macroeconómica não venha a concretizar-se da forma como a maioria dos investidores estão a antecipá-la. E, por isso, estou sobretudo preocupado em garantir que o fundo tenha agilidade suficiente para responder rapidamente às movimentações do mercado.
Qual o sinal que está à procura no mercado para tomar essas apostas?
Eu acho que as taxas de juro de longo prazo vão estar bem mais elevadas do que estão agora. Portanto, estou à espera desse momento que pode demorar dois meses ou seis meses. E como não sei quando isso irá acontecer não vou especular e, por isso, a minha estratégia passa por evitar perdas nos próximos meses e estar pronto e ter espaço para ter risco quando sentir que o mercado está numa base mais interessante do que está hoje.
Que episódios terão de acontecer para se assistir a essas dinâmicas no mercado?
Há duas coisas que são primordiais. A primeira é a dinâmica da inflação que vai ter diferentes vagas: vai cair e vai voltar a subir. E o mercado está a interiorizar que a inflação terá um movimento linear e isso vai destruir muitos posicionamentos. Se isso acontecer, e eu cada vez mais suspeito que isso irá acontecer, vai destruir muitas posições que estão a ser construídas agora e que terão de ser equacionadas e retificadas.
O outro fator é a desalavancagem do balanço do BCE. Nos últimos anos, o BCE distorceu muito o valor dos ativos financeiros e nós estamos sempre à espera daquele movimento em que o mercado começa a subir e ninguém percebe muito bem porquê como resultado de uma entrada constante de fluxo de capital, até que depois começa a vender. E esses movimentos estão a desaparecer, fazendo com que o mercado se encontre numa situação técnica mais frágil e desafiadora.
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