Requiem à advocacia, ou jobs for the boys?
Curiosos, opinion makers, utilizadores do chat GPT, aqueles que fizeram um curso, ou que não fizeram nenhum, que sabem direito ou não têm ideia alguma, podem prestar consultas.
No exercício das boas práticas e respeito pelas instituições, decidiu o nosso Governo enviar à Ordem dos Advogados o projeto de lei de alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados, às onze da noite, em véspera de feriado e fim-de-semana prolongado.
Prazo de resposta? No dia de Santo António!
Aparentemente, quem tomou esta decisão deveria estar convencido que a Ordem dos Advogados encerraria para banhos. Enganou-se!
E no dia do Corpo de Deus, todos os advogados receberam por comunicado da Senhora Bastonária o dito projecto.
Aqui evidencia-se a determinação governamental de acabar com a advocacia, subtraindo-lhe grande parte da função ao eliminar dos actos próprios a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a negociação e cobrança de créditos.
Portanto, fica o patrocínio judicial como acto próprio do advogado (e solicitadores).
O demais, bem o demais é para quem quiser.
Curiosos, opinion makers, utilizadores do chat GPT, aqueles que fizeram um curso, ou que não fizeram nenhum, que sabem direito ou não têm ideia alguma, podem prestar consultas, que jurídicas dificilmente o serão.
Sem qualquer controlo do cumprimento das regras deontológicas, conflito de interesses, incompatibilidades e segredo profissional são só alguns dos perigos.
Obviamente, que não sendo advogados não estarão inscritos na Ordem dos Advogados, nem, tão pouco, na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
Enfim, mas entidades haverão a quem caberá nomear um licenciado em direito para cuidar do segredo e do conflito de interesses.
Garantir qualidade, seriedade, conhecimento e aprumo, não é coisa com que o Governo se apoquente.
Todavia, criar meios e mecanismos de controlo e intrusão nas Ordens já é tema de cuidado.
Pois, cria-se, nesta versão hedionda, um Conselho de Supervisão, um Provedor dos Destinatários dos Serviços e impõem-se não inscritos nos Conselhos Disciplinares. Tudo somado, passará a Ordem dos Advogados a ter obrigatoriamente 51 membros de órgãos não inscritos na Ordem.
E, pasme-se, impõe-se a remuneração, nomeadamente do provedor do destinatário dos serviços, quanto aos demais dependerá do volume de trabalho, podendo, ou não, ser remunerados. E, salvaguarda-se, até, a existência de senhas de presença e ajudas de custo.
De uma só penada extingue este Governo a característica de voluntarismo, abnegação e liberdade que sempre norteou os advogados na entrega ao exercício de cargo na Ordem.
Sim, porque até há uns anos atrás, até o Bastonato era gratuito, mas a entrega a tempo inteiro da gestão de uma Ordem como a dos Advogados mostra como essencial a exclusividade e obviamente a necessidade de remuneração.
Porém, estas mudanças, que impõem outros cargos remunerados e abrem a possibilidade a todos, trazem 51 pessoas não inscritas, que, decerto, terão expectativas.
Parte desta imposição, absolutamente alheia às normas e diretrizes comunitárias, parecem indiciar a preparação de novas vagas, cargos e poleiros for the boys, falta saber se os encararão como jobs ou apenas como hobbies.
Aliás, muito haverá a questionar e saber.
Na Ordem dos Advogados impõe-se o provedor dos destinatários dos serviços a par dos conselhos de deontologia e do conselho superior.
E quem será o provedor dos destinatários dos serviços prestados por não advogados?
Quem assumirá tal responsabilidade?
Pois nada mais se sabe.
O que resulta, e sem grandes conjecturas é uma determinação cega em calar as Ordens profissionais, nomeadamente as que maior impacto têm, como é o caso da dos Advogados, Médicos e enfermeiros.
Se isto não traz benefício para a sociedade, não parece interessar nada.
Afinal mostra-nos o Governo da nação que os fins justificam os meios.
E assim se chega ao Dia de Portugal do ano de 2023.
Sem honra, sem respeito e indiferente aos direitos das pessoas, à função social e constitucional da advocacia e da sua necessidade para a integridade do Estado Social de Direito.
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