Setor do mel atravessa “a pior crise em 40 anos” devido à seca
Portugal perdeu "cerca de 200 mil das mais de 700 mil colmeias" devido ao decréscimo do efetivo de abelhas, dramatiza o o presidente da Federação Nacional de Apicultores, Manuel Gonçalves.
O setor do mel está a enfrentar em Portugal o pior ano em décadas com quebras estimadas de 80%, ainda consequência das sequelas da seca de 2022, afirmou esta segunda-feira o presidente da Federação Nacional de Apicultores, Manuel Gonçalves.
“Estamos a passar a pior crise em 40 anos”, frisou o dirigente, em Mirandela, no distrito de Bragança, à margem da apresentação do novo projeto BeeLand, que foi pensado para estudar o setor e procurar soluções para os problemas, com perto de um milhão de euros financiados pelo Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).
Sem solução, explicou o dirigente, está a produção deste ano, que não conseguiu recuperar dos danos causados pela seca em 2022, e apresenta quebras estimadas na ordem dos 80%.
Manuel Gonçalves concretizou que Portugal perdeu “cerca de 200 mil das mais de 700 mil colmeias” devido ao decréscimo do efetivo de abelhas, que vinha sendo registado desde há três anos e se agravou nas quebras do ano passado.
Segundo o presidente da federação, por colmeia é produzida uma média de nove quilos de mel num ano normal. “Neste momento, não passamos dos dois quilos e meio”, indicou.
Esta realidade fará com que muitos apicultores venham a ter de “optar por não extrair mel para manter o seu efetivo de abelhas” porque “se extraírem mel podem levar à morte de abelhas”, como explicou Cristofe Espírito Santo, do Centro Nacional de Competências da Apicultura e Biodiversidade.
“O setor precisa de ajuda para sobreviver este ano, que não se conseguia prever ser tão mau para as abelhas, que fazem um serviço tão importante para a comunidade. Porque sem as abelhas nós não conseguimos ter fruta ou hortícolas”, alertou Cristofe Espírito Santo.
Para o presidente da federação, “isto é uma catástrofe total”. O responsável referiu que já o dissera ao Governo, mas “até agora os apicultores não só não vislumbram ajuda para a campanha deste ano como continuam a ser, entre os parceiros europeus, os únicos sem qualquer apoio direto”.
As ajudas que existem à apicultura em Portugal, segundo disse, são dadas a organizações de produtores, e nenhuma diretamente ao apicultor.
Projeto BeeLand quer preservar abelhas e recuperar estatuto do mel
Um novo projeto propõe-se estudar e procurar soluções para preservar as abelhas e recuperar o estatuto do mel em Portugal, com perto de um milhão de euros para várias ações apresentadas em Mirandela, no distrito de Bragança.
O projeto, denominado BeeLand, é financiado pelo Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e envolve 16 parceiros entre empresas, academia e organizações do setor apícola, com um prazo de execução até 2025.
O propósito, como foi expresso em Mirandela, é estudar o setor e mudanças provocadas por fatores como as alterações climáticas, os incêndios ou a seca, e procurar soluções para as novas realidades que acarretam, nomeadamente ao nível dos méis portugueses com Denominação de Origem Protegida (DOP).
Portugal tem nove regiões DOP onde o mel produzido obedece a uma série de regras definidas há 30 anos e que não se adequam aos tempos atuais, com mudanças nomeadamente ao nível da vegetação, que altera a cor e sabor, como explicaram os responsáveis pelo projeto.
Muitos apicultores não conseguem cumprir os requisitos e o mel certificado tem vindo a perder terreno, com uma queda de cerca de 450 mil quilos em 2010 para 15 mil quilos em 2020, embora a produção total nacional de mel tenha aumentado até 2019.
Os dados foram avançados por Cristofe Espírito Santo, do Centro Nacional de Competências da Apicultura e Biodiversidade, uma das entidades envolvidas no projeto BeeLand. “A culpa não é do apicultor, nem das abelhas”, enfatizou, explicando que uma das prioridades do projeto é atualização do caderno de encargos dos méis DOP, de forma a que responderam às condições atuais.
Além disso, “os DOP indicam tradicionalidade do produto, mas a tecnologia evoluiu. Hoje esses méis são feitos com a mesma qualidade mas 30 anos de experiência”, segundo o presidente da Federação Nacional de Apicultores de Portugal, Manuel Gonçalves.
“Estamos a aperceber-nos que vamos ter que valorizar os nossos méis DOP de produção biológica para conseguirmos manter-nos no mercado. O nosso mercado é o das lojas de produto de qualidade e das lojas de bairro, não é para a grande distribuição”, afirmou.
A federação, também parceira do projeto, destaca que, “neste momento, com a grande transformação que está a acontecer na agricultura, com a plantação de espécies que necessitam de polinização, as condições climáticas, a procura de polinização de abelhas, é necessário começar a ordenar o território”. Para o efeito, defende que é preciso criar em Portugal “uma bolsa de polinização para em qualquer momento estar disponível, para organizar o setor” para que, em situações de crise como a atual, não haja quebras no setor.
O projeto BeeLand procurará saber “se nas nove regiões DOP a caracterização do mel se mantém igual ou se houve alteração” devido, por exemplo, à mudança de vegetação, com plantas que desaparecem e invasoras que se instalam. Outro objetivo é fazer crescer a comercialização dos méis DOP, concretamente “que os produtores consigam que pelo menos 50% da sua produção seja vendida em locais onde tenha uma mais-valia”.
O representante dos apicultores considerou ainda ser imperioso criar em Portugal uma “bolsa de polinizadores para responder à muita procura”, que atualmente está a recorrer a estrangeiros.
O trabalho das abelhas assegura “a maior parte dos alimentos”, como salientou Cristofe Espírito Santo, apontando que o projeto BeeLand visa “apoiar, dar inovação e dinamizar o setor através da regeneração de áreas ardidas, atualização dos cadernos de encargos das DOP e criação de plataformas digitais que sirvam de repositório de informação de trabalhos científicos, investigação aplicada, casos concretos/reais”.
O projeto prevê ainda o desenvolvimento de métodos rápidos para análise de mel e a instalação no polo de inovação da Direção Regional de Agricultura, em Mirandela, de campos experimentais para regenerar áreas incultivável com espécies autóctones, como rosmaninho, urze, para aumentar os efetivos de abelhas e ajudar a polinização desta área”.
“Os resultados que vão ser obtidos aqui, depois também podem ser replicados noutros pontos do país ou mesmo aplicados noutras explorações”, afirmou.
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