Com a inflação a descer há onze meses, a Fed vai efetuar a primeira pausa na subida de juros após dez aumentos seguidos. Contudo, o ciclo de aperto da política monetária ainda não terá terminado.
Depois de aumentar as taxas de juro em todas as reuniões desde março de 2022, a Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos deverá anunciar esta quarta-feira a tão aguardada pausa no ciclo de aperto da política monetária que está a ser o mais agressivo em 40 anos.
Com um aumento acumulado de 500 pontos base (cinco pontos percentuais) em dez reuniões (14 meses), o banco central norte-americano prefere agora esperar para ver como evolui a economia em reação às taxas de juro em níveis restritivos e se a inflação persiste numa trajetória descendente rumo à meta dos 2%.
A decisão não gera consenso, entre os economistas e os próprios responsáveis da Fed. Vários especialistas consideram que não estão reunidas as condições para uma pausa nos juros e diversos membros do banco central não têm escondido que são contra esta interrupção que pode abrandar a luta contra a elevada inflação.
Contudo, depois das palavras de Jerome Powell na última reunião (maio), restaram poucas dúvidas de que as taxas de juro iriam permanecer no intervalo entre 5% e 5,25%. Uma expectativa que saiu reforçada com as declarações mais recentes do governador Philip Jefferson, que será o próximo vice-presidente do banco central.
“Embora seja notório algum progresso para equilibrar da melhor forma o mercado de trabalho e reduzir a inflação, ambos permanecem longe dos objetivos do Fed”, assinalam os economistas do Deutsche Bank, considerando que uma pausa em junho vai “dar mais espaço para avaliar os efeitos desfasados das últimas subidas de juros” e as “restrições adicionais” das “potenciais condições de crédito mais apertadas”.
Inflação recua para mínimo de dois anos
Os dados da inflação referentes a maio, que foram publicados esta terça-feira, contribuíram para cimentar as expectativas de pausa nos juros. O índice de preços no consumidor aumentou 4% face ao período homólogo, o que representa um mínimo de março de 2021 e já a menos de metade do pico de 9,1% que foi atingido em junho do ano passado.
Foi já o 11.º mês consecutivo de alívio da inflação, embora esta esteja ainda ao dobro da meta do banco central (2%). A inflação subjacente, que exclui energia e alimentos, recuou duas décimas para 5,3%, o nível mais baixo desde novembro de 2021.
Pausa não significa fim de ciclo
Apesar de ser quase certo que a Fed vai manter os juros, esta decisão poderá não significar o fim de ciclo de aperto da política monetária. Os economistas e os investidores estão a atribuir uma probabilidade elevada a um agravamento adicional de 25 pontos base, que poderá surgir já em julho.
Quando transmitiram a mensagem de que era possível uma pausa este mês, os responsáveis da Fed tiveram o cuidado de salvaguardar que a política monetária poderia voltar a ser agravada, uma vez que as decisões serão adotadas em função dos dados económicos.
Depois de conhecida a inflação de maio, o mercado passou a atribuir uma probabilidade de 97% à manutenção dos juros na reunião desta quarta-feira. Já o desfecho para a reunião de julho está bem mais dividido, embora os investidores continuem a apontar para um incremento de 25 pontos base para 5,25%-5,5% (probabilidade de 64%) em julho.
As decisões adotadas por outros bancos centrais contribuíram para desfazer a confusão entre pausa e fim de ciclo de subida de juros. O banco central da Austrália (RBA) subiu os juros para máximos de 11 anos (4,1%) depois de uma pausa em abril, tendo sinalizado novos aumentos nos próximos meses. No Canadá os juros seguiam estáveis desde janeiro, mas o banco central subiu a taxa na semana passada, para o nível mais alto em 22 anos, depois de a inflação ter acelerado.
Outros bancos centrais também ainda não deram por terminado o combate à inflação. O Banco Central Europeu vai anunciar esta quinta-feira mais um aumento de 25 pontos base, que não deverá ser o último. Com os salários a crescerem a um ritmo anual acima de 7% e o desemprego a baixar no Reino Unido, o Banco de Inglaterra também deverá prosseguir este mês o ciclo de aperto da política monetária.
“Dot plot” deve afastar corte de juros em 2023
A reunião desta quarta-feira ganha importância adicional por ser revelado o gráfico (conhecido por dot plot) onde estão as médias das projeções dos membros da Fed para a evolução das taxas de juro nos próximos anos, bem como as estimativas atualizadas do banco central para o PIB, inflação e desemprego.
Em março, a Fed previa uma taxa de 5,1% no final de 2023, uma meta que já foi atingida e que os economistas estimam que o banco central opte por manter. Os mercados estão atualmente a descontar um agravamento de 25 pontos base em julho, que será anulado com um corte de igual dimensão no final do ano.
Mesmo com a pausa nos juros, os economistas aguardam que a Fed mantenha um discurso agressivo (hawkish), sinalizando que a pausa não significa o fim do ciclo de subida de juros e repetindo que não é expectável uma inversão da política monetária (corte de juros) este ano.
“É provável que [a Fed] mantenha uma postura de linha dura, deixando todas as opções em aberto, incluindo a possibilidade de uma nova subida nos próximos meses”, refere Franck Dixmier, diretor global de Investimentos em obrigações da Allianz Global Investors. O Deutsche Bank e o ING também antecipam que Jerome Powell vai manter uma comunicação agressiva, mas têm perspetivas distintas para a evolução dos juros.
O Deutsche Bank espera um aumento em julho e o primeiro corte só em março de 2024, ano em que a taxa será reduzida num total de 275 pontos base, situando-se abaixo de 3% no final do ano. O ING aguarda que o corte de juros arranque já este ano (100 pontos base no quarto trimestre), com a taxa a baixar para 3% em meados de 2024. O banco dos Países Baixos estima uma redução acentuada da inflação e deterioração dos indicadores de atividade económica na segunda metade deste ano.
Aterragem suave não é uma miragem
Quando a Fed estava a subir as taxas de juro a um ritmo de 75 pontos base por reunião, no final do ano passado, as declarações de Jerome Powell a manter vivas a esperança de uma aterragem suave da economia eram encaradas com pouca credibilidade. Perante o aperto agressivo das taxas de juro, a recessão na maior economia do mundo era dada com muito provável pelos economistas.
A verdade é que estamos em meados de 2023 e a recessão (ainda) não chegou. A surpreendente robustez do mercado de trabalho e a manutenção do consumo resiliente das famílias, apesar da perda de poder de compra, está a manter a atividade económica em terreno positivo. Embora os sinais de abrandamento sejam mais evidentes e terem sido publicados indicadores mistos, a probabilidade de uma aterragem suave é agora vista como credível.
Numa sondagem da Reuters a 48 economistas, pouco mais de metade vê uma recessão na economia, o que compara com mais de 70% no inquérito realizado há poucas semanas. A média das estimativas aponta para uma contração de 0,4% do PIB no terceiro trimestre e 0,5% nos últimos três meses do ano.
Embora esta evolução vá ao encontro da definição de uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de quebra em cadeia do PIB), nos Estados Unidos é o National Bureau of Economic Research (NBER) que declara oficialmente as recessões económicas. Enquanto a economia continuar a criar bem mais de 200 mil postos de trabalho por mês (339 mil em maio), dificilmente esta entidade terá argumentos para decretar uma recessão na maior economia do mundo.
O Goldman Sachs é um dos bancos de investimento que acredita na aterragem suave da economia. Dá o exemplo de 1994 para mostrar que nem sempre os ciclos de agravamento de juros terminam em recessão, sendo que os “últimos indicadores nos dão um maior conforto sobre a continuada resiliência da economia”.
O Deutsche Bank não tem uma perspetiva tão otimista, continuando a atribuir uma probabilidade mais elevada ao cenário de recessão económica. O banco alemão aponta para o início no quarto trimestre, com o PIB a sofrer uma queda acumulada de 1,25% ao longo de três trimestres, o que resultará numa contração de 0,4% na totalidade de 2024.
Mercados já celebram
Depois de terem sido fortemente fustigados em 2022 devido ao agravamento agressivo da política monetária, os mercados acionistas estão atualmente a celebrar estes sinais reforçados de que o ciclo de subida de juros está a chegar ao fim e a economia continua sem derrapar para uma recessão.
O índice norte-americano S&P500 já está a transacionar em bull market (valorização de 20% desde o último mínimo), atingiu máximos de 13 meses nas últimas sessões e acumula uma alta de 13% em 2023.
O movimento de alta em Wall Street está a ser liderado, quase em exclusivo, pelas empresas de tecnologia, que são as mais penalizadas pelo nível elevado das taxas de juro. O Nasdaq Composite ganha perto de 30% em 2023, impulsionado fortemente pelo entusiasmo com o impacto da inteligência artificial.
Apesar de as perspetivas atuais apontarem para a manutenção do desenvolvimento benigno de alívio da inflação e resiliência da economia, se um destes dois indicadores descarrilar, o rally nos mercados acionistas pode ficar em causa.
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Fed faz pausa nos juros, mas luta contra inflação não acabou
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