Granvinhos: uma ‘nova’ empresa que nasce líder no vinho do Porto
Maior marca mundial de vinho do Porto, a Porto Cruz, não se podia esgotar na imagem elegante da mulher de negro. Ao longo de 2022, fundiu as diversas empresas numa nova, a Granvinhos.
Muito poucas pessoas saberão que a La Martiniquaise é o líder mundial no negócio do vinho do Porto. De origem francesa, tem como marca de bandeira o Porto Cruz e a sua feliz imagem da mulher de negro, de Portugal onde o negro é cor, afirma. Menos pessoas saberão ainda que é uma empresa familiar, do Top 10 mundial dos grupos de bebidas e tem como presidente atual Jean Pierre Cayard, filho do fundador.
Num mercado que toda a gente associa às empresas e tradições britânicas pode surpreender saber que é esta a empresa líder, mas tem uma explicação que importa conhecer para saber como evoluem os negócios, os setores. Recorde-se que o vinho do Porto foi produzido no Douro e envelhecido nas caves de Vila Nova de Gaia, durante séculos, e as empresas britânicas, entre outras – comerciantes de granel, engarrafadores e produtores engarrafadores – exportavam-no a granel para os diversos mercados, onde era engarrafado e vendido a consumidores seletos, assim como alguns produtores portugueses.
A partir dos anos 60, a grande distribuição nos países europeus mais desenvolvidos descobriu que, para além dos clientes tradicionais, havia procura para o Vinho do Porto para ser consumido em momentos festivos e celebrações, mas com preços inferiores ao prestígio e perceção do produto. Como resposta, vários operadores, a partir do granel, conseguiram colocar no mercado produtos em que se trocava margem por volume. Foi o que aconteceu em França, onde a La Martiniquaise tinha uma grande rede de supermercados. Com vinhos do Porto estagiados por terceiros e comprados a granel, no entreposto de Gaia, a comerciantes e adegas cooperativas, muitos deles pequenos, até 1975 seguiu o modelo tradicional e engarrafava em Paris. A lógica era trabalhar com grandes volumes, com o grosso da sua oferta ao mercado centrada nas categorias de entrada de gama para as suas lojas.
Seguindo as boas regras do marketing, criou uma marca, desenvolveu uma imagem forte e atingiu um volume cada vez mais elevado, explorando o prestígio do produto e os hábitos tradicionais. Em 1975, concentrou toda a sua operação de engarrafamento em Gaia, antecipando em cerca de duas décadas o final da exportação a granel. Nessa data, adquiriu a Manuel R. Assunção & Filhos, proprietária da marca Porto Cabral e com uma boa carteira de clientes nos Estados Unidos e Canadá, que passou a usar a razão social Gran Cruz Porto. Em 2007, comprou a empresa C. da Silva, com as marcas Dalva, Presidential, e com stocks de vinhos brancos velhos, começando também a vinificar na respetiva adega.
Em finais de 2008, Jean Pierre Cayard, convidou Jorge Dias, à época com 47 anos, para assumir o comando da Gran Cruz. Duriense de Santa Marta de Penaguião, engenheiro agrónomo com um perfil académico e passagens pelo Governo e IVDP – Instituto do Vinho do Douro e Porto, já tinha feito tudo no vinho do Porto, mas faltava-lhe dirigir uma empresa. Aceitou o convite! Cayard veio a Gaia, apresentou-lhe a equipa e apresentou-o à equipa e regressou a Paris, deixando-lhe nas mãos a tarefa de transformar um punhado de empresas formatadas para o negócio dos séculos passados, num grupo competitivo e num mercado em que o vinho do Porto continuava a perder volume e faturação, embora em proporções diferentes.
Não pretendendo pormenorizar cada um dos passos dados por Jorge Dias, até à atualidade[i], o novo CEO procurou fortalecer a relação direta com os viticultores, manter o vinho do Porto como base e aumentar a produção de vinhos DOC Douro, por um lado. Por outro, quis limpar teias de aranha e abrir o vinho do Porto às gerações de consumidores mais jovens, oferecendo o Porto Pink, por exemplo, em que a Gran Cruz vende 600 mil garrafas por ano, 60% do mercado. E, abrir a Gran Cruz ao mercado, criando um centro de provas na Marginal de Gaia, a par de toda a concorrência, mas com um modelo diferente, sem caves e com mais meios digitais sofisticados.
Contudo, a maior marca mundial de vinho do Porto, a Porto Cruz, não se podia esgotar na imagem elegante da mulher de negro. Ao longo de 2022, fundiu as diversas empresas numa nova, a Granvinhos, e aproveitou esses movimentos para adquirir empresas de outras regiões vitícolas, e oferecer novos produtos, como licores, por exemplo. Com estas operações, pôde apresentar-se no mercado, no final de 2022, com a faturação consolidada de cerca de 110 milhões de euros, evidenciando a sua liderança.
Contudo, esta mudança necessitava de um símbolo que se impôs, maior do que o desejado: a Quinta do Ventozelo! Quinta, adquirida em 2012, com 600 hectares de área e 400 hectares de vinha, transformou-se no coração da empresa e numa joia do enoturismo da RDD, Região Demarcada do Douro.
E a transformação também sugeria um renovado propósito, que se materializou na criação da associação Amigos de Ventozelo – a Quinta, outra vez -, um think-tank que tem como missão alavancar a RDD para um patamar mais alto. Sem desvirtuar a essência do trabalho de muitos, no passado, propõe o Manifesto de Ventozelo, incluindo desafios exigentes que, tal como os vinhos da região, estão constituídos por ‘uvas de vinhas velhas’ de alta qualidade, com ‘uvas novas’ produzidas de forma sustentável num ecossistema com notoriedade mundial acrescida.
Há poucos dias, um líder de uma das empresas de matriz britânica, confessou-me que, em 2008, jamais acreditaria que a Gran Cruz atingisse a situação atual. Nessa altura, Jean Pierre Cayard tinha-lhe proposto que ele fosse o principal fornecedor de vinho do Porto da Gran Cruz, proposta não aceite pelo alto volume desejado.
A Quinta do Ventozelo é central num dos case study produzidos pela AESE Business School, no âmbito do projeto CV3, Criar Valor na Vinha e no Vinho, que a Escola vem desenvolvendo nos últimos anos para aumentar a competitividade deste ecossistema.
[i] Cf. DG-A-1796 – Como Jorge Dias deu a volta à Gran Cruz, AESE, 2023
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