“Não vejo uma nuvem tão negra a vir de Espanha. A economia não vai parar”

Eleições em Espanha ofereceram "grande surpresa", mas impasse político deverá afetar a economia ibérica apenas de forma tangencial, diz ao ECO o presidente da Câmara de Comércio Hispano-Portuguesa.

Ligado há décadas ao país vizinho através de uma longa carreira como gestor na petrolífera Repsol e na presidência da Câmara de Comércio Hispano-Portuguesa, António Calçada de Sá usa uma expressão clássica castelhana para relativizar os alarmes que as (até agora) inconclusivas eleições legislativas de domingo podem ter tocado sobre a economia espanhola e, por arrasto, a relação com a portuguesa.

“Eu não seria ‘tremendista’, como dizem aqui em Espanha, e pensar que agora o mundo para” diz o responsável, em entrevista ao ECO, recorrendo a uma expressão que descreve a corrente estética surgida em Espanha na década de 1940, que se caracterizou pela ênfase dada aos aspetos mais duros ou grotescos da existência.

Para António Calçada e Sá, o resultado das eleições – com a impossibilidade de o PP chegar à maioria absoluta (mesmo somado ao Vox) e o PSOE a precisar de firmar acordos com partidos pequenos e independentistas regionais para governar –, foi uma “grande surpresa” que poderá levar a um período de negociações imprevisíveis e eventualmente a uma nova ida às urnas no final do ano. Com algum impacto na economia economia espanhola, maior parceira comercial de Portugal, embora diga que ainda é cedo para prever o grau desse efeito.

Na parte da economia pode, sim, ser um bocado como quando nós desligamos os motores de um navio transatlântico. A inércia faz com que o barco ainda possa andar muitas milhas náuticas até parar, mas depois o problema é pôr outra vez em andamento,

“O pior que pode acontecer sempre a uma economia, às empresas, às famílias e aos cidadãos é a incerteza estrutural”, refere, salientando que “qualquer efeito prolongado de incerteza estrutural costuma passar fatura”.

O presidente da Câmara de Comércio Hispano-Portuguesa emprega uma analogia marítima para ilustrar o risco. “Na parte da economia pode, sim, ser um bocado como quando nós desligamos os motores de um navio transatlântico. A inércia faz com que o barco ainda possa andar muitas milhas náuticas até parar, mas depois o problema é pôr outra vez em andamento “.

Questionado sobre se isso poderá acontecer agora em Espanha, com efeitos de contágio para as exportadoras portuguesas, o também presidente do Conselho da Diáspora sublinha que “agora é importante vermos e o que é que vai acontecer no curto e no médio prazo em termos do que são os grandes projetos do país e que, de certa forma, hão de ter um impacto“.

“Espero que não seja negativo, que não seja muito negativo para a economia portuguesa. Neste momento não vejo uma nuvem tão negra a vir de Espanha, a economia não vai parar. A realidade que nós tínhamos nos últimos três, quatro, seis meses, não vejo que vá mudar nos próximos três, quatro, seis meses”, adianta.

A previsão de poucas nuvens a pairar sobre a economia espanhola tem como base dois fatores: a maturidade da democracia, que deverá levar a consensos e a uma solução de governabilidade no médio prazo; e um contexto europeu que significa que “as variáveis críticas da economia estão mais ligadas ao uso de fundos europeus e às transições estratégicas do que à politica interna imediata”.

“Estamos em democracia, num país que faz parte da União Europeia, que tem compromissos claros e uma agenda clara e metas claras, que tem que cumprir na economia, com objetivos, na inflação, no emprego, em programas vinculados à transição energética, à transformação industrial e digital, metas que é preciso cumprir na área do comércio”, acrescenta.

António Calçada de Sá reconhece que a política interna será agora marcada por tensão e pressão, e que nos próximos meses terá de haver “arranjos e rearranjos”. No entanto, espera que os líderes partidários demonstrem sentido de Estado, até porque Espanha tem este semestre a presidência da União Europeia.

Os preços da energia não vão estar vinculados às eleições em Espanha. Os dados da inflação têm variáveis mais duras às quais estão amarradas.

Sobre a possibilidade de novas eleições, Calçada de Sá admite que poderão acabar por ser necessárias. “Se calhar vão, mas o que é que vai acontecer? Os preços da energia não vão estar vinculados às eleições em Espanha. Os dados da inflação têm variáveis mais duras às quais estão amarradas”, vinca.

Em relação às preocupações dos empresários portugueses que investem em Espanha ou têm trocas comerciais com o país, o presidente da Câmara de Comércio diz que não diferem muito das dos congéneres espanhóis. “Esperam e querem é que, de facto, existam políticas na Península Ibérica, e na própria Europa, que protejam a nossa indústria, protejam a nossa economia, a nossa indústria, o nosso emprego. Não são tão sensíveis à questão do resultado eleitoral”, resume.

Para finalizar, António Calçada de Sá recorda que em Portugal também foram convocadas eleições antecipadas há menos de dois anos. “Havia um governo com os seus pactos iniciais e quando em determinado momento as coisas se proporcionaram pelas razões políticas que foram, surgiu uma maioria absoluta e há estabilidade”.

“Aqui em Espanha é um bocado diferente. Temos mais regiões, há uma integração diferente, mas eu não tenho uma visão negativa. Confio nas instituições e na democracia. Já cá estou há muitos anos e, portanto, confio na Espanha e acredito que seremos capazes de, entre todos, chegar a um entendimento que faça uma Espanha mais forte”, refere. E “se tivermos uma Espanha mais forte, teremos uma Península Ibérica mais forte”, conclui.

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