Irreal Portugal

O espaço de discussão pública parece muitas vezes ser uma realidade paralela, um "irreal imaginário", onde a distinção entre valores nominais e valores reais é distorcida e mal compreendida.

Estamos a viver tempos verdadeiramente extraordinários. Desde 2022, Portugal tem registado receitas e lucros recordes em áreas tão diversas como o cinema, o turismo e a banca. Simultaneamente, outras variáveis económicas, como o investimento e a dívida pública, estão também a estabelecer novos recordes. Contudo, frequentemente não é claro se estes “recordes” são reais, isto é, ajustados à inflação, ou meramente nominais (e por isso muitas vezes irrelevantes).

A distinção entre valores nominais e valores reais é essencial, especialmente quando temos recordes também na inflação (bom, desde 1992). Por exemplo, a receita bruta de bilheteira do cinema em Julho de 2023 foi de 10,5 milhões de euros, um montante que se compara com 10,125 milhões em Agosto de 2019. O estudo do World Travel & Tourism Council prevê que o sector do turismo e viagens contribua €40,4 mil milhões para o Produto Interno Bruto em 2023, um valor que se compara com €40,1 mil milhões em 2019. Os “recordes” anunciados nos títulos das duas notícias são apenas nominais. Corrigindo para a inflação, é óbvio que os valores em 2019 são mais elevados. No entanto, o espaço de discussão pública parece muitas vezes ser uma realidade paralela, um “irreal imaginário”, onde a distinção entre valores nominais e valores reais é distorcida e mal compreendida.

Esta ilusão é agravada pelos resultados de um inquérito recente da Comissão Europeia, que revelou que os portugueses têm dificuldades significativas em compreender a inflação. Corrigir valores nominais tendo em conta a inflação, ou pensar em valores reais, é um desafio ainda maior do que apenas perceber que a inflação corresponde à subida generalizada dos preços e como afecta o poder de compra. Dados os resultados deste inquérito, não é surpreendente que, na política, na comunicação social e no sector empresarial, muitas vezes sejam proclamados recordes em diversas variáveis económicas sem especificar se os valores são nominais ou reais. Em muitos casos, estes recordes são meramente nominais, ou são muito menos impressionantes porque confundem aumentos nominais e reais. Esta realidade nominal, embora por vezes seja popular, é na verdade uma ilusão que distorce a verdadeira situação económica.

As pessoas envolvidas na política, comunicação social e no sector empresarial têm uma responsabilidade importante: devem esclarecer se os valores que apresentam são corrigidos pela inflação e destacar as implicações de interpretações com base em valores nominais ou reais. É essencial que estes agentes contribuam para a compreensão da inflação e de outros princípios económicos, para que possamos fazer escolhas informadas e responsáveis. Iniciativas para explicar a economia e torná-la mais acessível ao público em geral, como a série de vídeos “Economia Descomplicada”, são extremamente importantes. Porém, o impacto positivo destas iniciativas é obliterado pelos equívocos perpetuados na comunicação social.

A economia portuguesa está a ter um desempenho bom, em muitas dimensões melhor do que o esperado. É essencial que celebremos e reconheçamos este desempenho pelo que realmente é, usando variáveis reais, e não destacando variáveis nominais quando é conveniente. Só assim podemos construir um futuro económico baseado na realidade, e não em ilusões.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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