• Entrevista por:
  • Ana Petronilho

“Tenho dificuldade em dizer que com esta subida de preços não existe” uma bolha imobiliária

Entre 2015 e 2022, Portugal registou o quarto mais elevado aumento de preços da habitação na União Europeia (94%), mais do dobro do verificado na área do Euro (45%), aponta a Sedes.

Entre 2015 e 2022, Portugal registou o quarto mais elevado aumento de preços da habitação na União Europeia (94%), mais do dobro do verificado na área do Euro (45%) e muito acima das subidas registadas em França (34%), na Alemanha (56%), na Suécia (38%) ou em Itália que apresentou um crescimento de apenas cerca de 7%. E no final de 2022, o nível de preços da habitação em Portugal encontrava-se cerca de 75% acima dos valores máximos, quando se desencadeou a crise financeira em 2007/2008.

Este é o retrato do mercado de habitação feito pela Sedes – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social que apresentou um estudo, “Habitação e políticas de habitação para Portugal”, coordenado por Carlos Tavares e que conta como autores Carlos Alves, Rui Pedras, Ricardo Arroja e Vítor Mendes.

Em entrevista ao ECO, Carlos Tavares, ex-ministro da Economia do governo de Durão Barroso e ex-presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, avisa que com esta subida de preços “tem dificuldade em dizer que não há” o risco de enfrentarmos uma bolha imobiliária. Ainda assim, o economista diz que “é inevitável” que a subida dos preços vá “atenuar por força das taxas de juros“, sendo que, salienta, para evitar uma nova crise financeira, “é desejável que esse ajustamento seja suave, que seja aquilo que se chama uma aterragem suave e prolongada. Que não seja abrupta”.

 

No relatório da Sedes salientam alguns indicadores que revelam que os preços têm disparado nos últimos anos e que já estão bastante acima da média europeia. Estes níveis já são preocupantes?

Sim. Somos o quarto país mais dinâmico nesse aspeto, os preços duplicaram entre 2015 e 2022. Em 2023, o que tenho visto é que os preços continuaram a subir. Há muito entusiasmo porque estão a subir a um ritmo mais lento, penso que terão subido perto de 10%. O problema é que se os preços tiverem subido 10% em cima do que já subiu, é muito. Uma das razões que desencadeou a crise financeira de 2007/2008 foram os mercados imobiliários que estavam muito aquecidos, com os preços muito altos. E em 2022 os preços estavam 75% acima do valor de 2008.

O preço está a dificultar o acesso?

Nesse aspeto até temos uma concordância razoável com aquilo que foi o diagnóstico do Governo quando propôs o programa Mais Habitação, que também identifica a subida dos preços como uma das principais razões da dificuldade de acesso, que com a descida constante das taxas de juro não foi tão sentida. Mas agora que as taxas de juro começam a normalizar, sente-se esse efeito.

Em 2023 essa tendência vai continuar?

A minha perceção é que a subida dos preços vai atenuar necessariamente, por força da subida das taxas.

E quando é que isso vai começar a acontecer? Dentro de um ano?

Não é fácil prever. Fiz uma aposta com uns amigos há um ano em como os preços iriam começar a baixar no início deste ano e já perdi a aposta. Agora renovei a aposta para o início do ano do ano que vem [risos]. O problema é que o mercado imobiliário é muito particular. Porque, se por um lado se destina a satisfazer uma necessidade básica que é a habitação, por outro lado também é um mercado com grande impacto na economia. E na história das crises financeiras que ocorreram, quase todas começaram por uma bolha imobiliária.

Há risco de termos uma bolha imobiliária?

Podem dizer que aqui não há uma bolha, mas tenho dificuldade em dizer que com esta subida de preços que não existe. Mas também não há uma definição científica de bolha. O que é indesejável de todo é que os preços caiam abruptamente. Isto é uma das coisas que me diferencia de alguns colegas economistas. Penso que é inevitável um ajustamento dos preços, o que é desejável é que esse ajustamento seja suave, que seja aquilo que se chama uma aterragem suave e prolongada. Que não seja abrupta. E se nada for feito, o que pode acontecer é que exista essa queda abrupta que foi a causa das crises financeiras que temos conhecido no passado. Se houver uma crise financeira as pessoas que já estão a sofrer com o problema da habitação passam a sofrer também com o problema dos rendimentos e com dificuldades em acesso ao crédito. É preciso muita prudência quando se joga com isto.

Mas há o risco de voltarmos a ter o cenário de bancos com muitas casas penhoradas por incumprimento?

Penso que os bancos terão feito as opções de forma prudente para não cair nessa situação. Há uma medida que poderia ser adotada, que foi criada em 2008 ou 2009 e que agora não está ser aplicada, que é o regime dos fundos de investimento de arrendamento habitacional, os FIIAH, que permitia às pessoas que tinham dificuldade de pagamento das prestações, vender os imóveis ficar a viver nos imóveis em arrendamento, com a opção de compra anos mais tarde. Isso podia ser uma solução e era uma boa solução. Essa medida devia ser retomada porque esse regime tinha benefícios fiscais que foi definido como temporário e que terminou em 2020, a 31 de dezembro de 2020. Surpreende-me que não se tenha falado nesta solução porque a experiência foi bem-sucedida e a legislação está feita. Seria mais racional ir por este caminho do que seguir pelo apoio casuístico ligado à taxa de esforço do crédito à habitação.

O que mais contribuiu para o agravamento dos preços?

A política monetária. Já há bastante tempo que a política expansionista do BCE e da Fed teve efeitos sobre os preços dos ativos, seja imobiliário, obrigações ou ações. No estudo da Sedes fizemos as contas sobre a prestação de um crédito a 30 anos com as taxas de juro que foram vigorando desde 2014 até 2022 e também com a subida dos preços que se verificou, de quase 100%, os 94% entre 2015 e 2022. A verdade é que, apesar da subida dos preços o valor da prestação foi diminuindo sempre, por força da diminuição da taxa de juro do crédito à habitação. O que significa que as pessoas sentiram que podiam continuar a comprar casas a um preço muito mais elevado, sem um dispêndio maior de recursos. É claro que isto não devia ter acontecido.

O que devia ter sido feito pelos bancos?

As pessoas deviam ter sido alertadas que estas taxas de juro são variáveis e que a qualquer momento a situação se pode alterar. É claro que havia aquela prática dos bancos terem de fazer a simulação com três pontos acima da taxa de juro para ver se a taxa de esforço comportava, ou não. Mas, a verdade é que não tenho certeza que isso tenha sido feito de forma muito assertiva. E também a questão das taxas de esforço tem muito que se lhe diga, porque esta definição de uma taxa de esforço que é única, qualquer que seja o nível de rendimento, não faz muito sentido.

Porquê?

Se tiver um rendimento de cinco mil euros com uma taxa de esforço de 50%, ainda fica com 2.500 euros. Agora, se tiver um rendimento de mil euros com uma taxa de esforço de 50% é diferente, fica com 500 euros. Portanto, o próprio mecanismo da taxa de esforço devia ter sido estabelecido de forma que fosse variável com o nível de rendimento. Os níveis de rendimento mais baixos têm de ter taxa de esforço mais baixas. Além do mais, há alguma inconsistência de políticas nesse sentido, porque quando as taxas de juro começaram a subir, o Governo começou a estabelecer que a taxa de juro limite era 35% e que acima disso as pessoas até podiam candidatar-se a apoios. Mas o Banco de Portugal permitia que a taxa de esforço fosse até 50%.

E em relação ao alojamento local (AL). Qual foi o contributo para a subida de preços?

Há vários fatores que contribuíram para o aumento de preços, antes de chegar ao alojamento local.

Quais?

Há quem aponte, por exemplo, para a presença de estrangeiros com os vistos gold ou os nómadas digitais. A verdade é que as transações ou aquisições por não residentes representaram cerca de 6% do total em número de transações de imóveis. E em valor de investimento foram 10% ou 11%. É evidente que os preços que os estrangeiros pagaram foram mais altos, mas também investiram em tipologias de imóveis de gama de luxo.

Isso foi suficiente para mexer com o mercado?

Pode ter tido algum um efeito, sobretudo de arrastamento. Ou seja, na medida em não é impossível que por força dos mediadores imobiliários – e por isso defendemos uma reforma na regulação da mediação imobiliária que, por exemplo, nos Estados Unidos quando se quer comprar um imóvel tem que se ter um mediador, um agente, um broker, e o vendedor tem outro. Não é o mesmo que faz as duas pontas da transação – os vendedores não tenham sido levados à conclusão que poderiam ir aumentando os preços. Mas as políticas também fizeram por isso.

Como?

Temos ainda um regime de residentes não permanentes com benefícios fiscais. Portanto, damos benefícios fiscais a pessoas que venham morar para Portugal e que precisam de casa. E muitos deles têm rendimentos mais altos e, por isso, provavelmente podem pagar preços mais altos. E tivemos o sistema dos vistos gold, que investindo no setor imobiliário era possível obter um visto europeu.

Concorda com o fim dos vistos gold?

Concordo com a medida de limitação dos vistos gold em investimentos não produtivos. Se, por exemplo, for um investimento de um não residente para comprar uma empresa que produz emprego, compreendo a atribuição do visto gold. Para comprar um imóvel de 500 mil ou 600 mil euros, não creio que seja um contributo benéfico para o país.

Mas recuando ao alojamento local, qual foi o impacto no mercado?

É preciso fazer um diagnóstico desapaixonado e objetivo do que se passou. O AL teve aspetos positivos, levou à recuperação de imóveis em zonas degradadas que foram colocados ao serviço do turismo, permitiram o alargamento oferta turística. Mas a verdade é que há estudos académicos que mostram que o AL teve um efeito não despiciente não só na oferta, na deslocação do arrendamento habitacional para o alojamento local, como teve um efeito não despiciente nos preços. E, aliás, levou algumas autarquias a intervir. Portanto, concordo com alguma limitação de novas afetações no alojamento local, e uma medida que defendemos é que se usem para alojamento local os imóveis que não estão destinados à habitação, ou seja, os espaços que estejam afetos ao comércio ou a escritórios no centro da cidade, que sejam convertidos para alojamento local. Há escritórios que não precisam de estar no centro da cidade e até já tem havido alguma deslocação. Então que se utilize esses edifícios para reconversão em alojamento local.

  • Ana Petronilho
  • Jornalista

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