E que tal tentar reduzir a dívida antes de pedir para reestruturar?
Não é preciso muito para a dívida ser sustentável… basta que a economia cresça (mesmo a um ritmo anémico) e que o saldo primário se mantenha.
Na última semana foram escritos vários artigos que analisaram, as várias propostas do grupo de trabalho. No entanto, o argumento base do documento tem sido pouco rebatido (com a exceção deste artigo do Luis Aguiar Conraria no Observador): Portugal não consegue reduzir a sua divida sem um plano de reestruturação porque simplesmente o esforço orçamental é impraticável e é impossível manter excedentes primários tão elevados porque nunca ninguém o fez.
Diz o relatório que nenhum país conseguiu manter excedentes orçamentais acima dos 2% do PIB com crescimentos abaixo dos 4% e João Galamba escreveu há duas semanas no (Expresso) que não há registo de outros países terem seguido tal politica [saldos primários elevados].
Ora, embora cumprir à risca os objetivos europeus seja uma missão difícil, não é impossível. E embora episódios semelhantes sejam de facto muito raros, já ocorreram no passado, e os países que o fizeram ainda beneficiam da reputação que ganharam. O caso europeu mais extremo é o da Bélgica e por isso também o mais comparável com Portugal: entre 1994 e 2007, a dívida publica belga passou de 138% do PIB, para 87%. Durante esse período, a Bélgica registou sempre excedentes primários (em média 4.5% do PIB).
Normalmente há quem argumente que este episódio não é comparável com Portugal: ou porque o crescimento nominal global nos anos 90 e 2000 era maior ou que o resto da Europa crescia mais. Neste caso, em bom rigor, ambos os argumentos estão corretos e basta ver que o crescimento nominal médio belga neste período – perto de 4,5% foi maior do que aquele que parece ser expectável para Portugal nos próximos 13 anos.
No entanto há outra grande diferença em relação a esse período, que é raro ser mencionada e é bastante benéfica para Portugal: as taxas de juro estão muito mais baixas agora do que em qualquer período anterior – a dívida portuguesa tem agora uma taxa de juro implícita de 3,5%, e a dívida belga teve uma taxa de juro implícita média 6% durante o seu ajustamento. É certo que as taxas foram sempre descendo durante esse período, mas de qualquer forma, em 2007 a Bélgica ainda tinha de suportar juros perto dos 5%.
Fazendo então um exercício simples, chega-se à conclusão que embora não seja fácil imitar a Bélgica, não é difícil fazer parecido e ainda assim reduzir a divida (isto não é de todo uma previsão mas antes uma análise de sensibilidade).
Assumindo que as taxas de juro não se alteram, admitindo que o excedente primário esperado para 2017 (3% do PIB) se mantém (ou seja, sem mais austeridade) e assumindo um crescimento nominal de 3,5% (2% de crescimento real e 1,5% de inflação), a divida desceria para perto de 90% do PIB em 2029: uma redução de 40 pontos percentuais, numa média de por ano.
Se formos mais realistas, e contarmos com uma subida dos juros médios da nova divida emitida para 5% (ou seja, uma subida de 150 pontos base ao longo de toda a curva), mantendo os outros pressupostos, ainda assim a divida em percentagem do PIB diminui cerca de 30 pontos percentuais até 2029. Esta reduzida sensibilidade aos juros pode ser surpreendente, mas é simplesmente um reflexo do aumento da maturidade da divida. Só se os juros da nova divida subirem para lá dos 6% é que a redução da divida começa a ser mais lenta.
Ou seja, não é preciso muito para a dívida ser sustentável… basta que a economia cresça (mesmo a um ritmo anémico) e que o saldo primário se mantenha. Claro que é preciso mais para cumprir a regra europeia da redução da divida para os 60% do PIB em 20 anos. Nesse caso, o superavit primário teria de chegar aos 3,5% do PIB, ou 4%, assumindo a mesma subida dos juros. Mas caso Portugal consiga reduzir a sua divida em mais de 30 pontos do PIB, dificilmente a Comissão ou a Alemanha se irão preocupar com uns “trocos” – como aliás já ficou claro na ausência de sanções e na atitude europeia face á Grécia.
Há, no entanto, em toda esta análise um pressuposto irrealista: muito provavelmente, no horizonte destes cenários, deverá haver uma recessão na Europa e por arrasto em Portugal, daí que é exagerado assumir que o crescimento e os saldos primários se mantêm praticamente constantes. No entanto, não só as regras europeias são já suficientemente flexíveis para o acautelar, como também o BCE deverá novamente apoiar os mercados de dívida pública. Mas em ultima análise, quanto mais tempo passar até à próxima recessão, mais tempo teremos para continuar a fazer o trabalho de casa.
Claro que qualquer ajuda que possa vir da Europa – quer sejam extensões de maturidades, alguma mutualização de dívida ou até redução de juros (hipótese menos provável) será sempre bem-vinda e ajudará nesta missão quase impossível – mas a melhor solução é mesmo continuar a fazer o que foi feito desde 2011. Não há almoços grátis, e qualquer ajuda terá algum custo: ou mais condições ou maior controlo externo. E agora até basta fazer bem menos do que foi feito até aqui. Parte do esforço já foi feito e agora praticamente basta não alterar muito mais.
Não há melhor exemplo disto do que os últimos meses: o crescimento tem vindo a surpreender, o défice (ainda que de uma forma pouco sustentada) desceu em 2016, as dúvidas sobre o sistema financeiro diminuíram e Portugal vai sair do Procedimento por Défice Excessivo. Resultado: as yields (e os spreads) têm descido, e, a julgar pelas ultimas noticias da imprensa financeira internacional, Portugal parece voltar a despertar o interesse dos investidores internacionais.
O caminho não é fácil, e até é possível que Portugal necessite de mais apoio, mas será sempre mais fácil evitá-lo se fizer pelo menos parte do esforço já que a reputação compensa e os mercados e as agencias de rating até são menos exigentes do que as regras Europeias. Nisto a Bélgica também serve de exemplo: depois do que fez há mais de 20 anos, as suas yields foram das que menos subiram na crise do euro, mesmo estando largos meses sem governo e tendo novamente uma divida publica elevada.
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