En garde, madame Lagarde!

Estamos todos cansados de juros altos, mas o BCE não deve adiar mais uma subida esta quinta-feira, pois seria protelar uma decisão inevitável a prazo e perder tempo precioso na luta contra a inflação.

Do Palácio de Belém, passando por São Bento, até à sede do Bloco na Rua da Palma, deverá cair uma chuva de duras críticas se o Banco Central Europeu (BCE) esta quinta-feira subir novamente as taxas de juro, mas na tempestade não podemos pensar que irão cair pelo meio o Carmo e a Trindade.

Marcelo Rebelo de Sousa admitiu no final de agosto temer mais uma subida, pois não será uma boa notícia para os portugueses que têm crédito à habitação com taxa variável. O Presidente da República tocou num ponto sensível, claro, e ninguém deve desvalorizar o crescente aperto das famílias quando chega a hora de pagar a prestação da casa, mas há outros fatores importantes em jogo e que tornam necessária uma décima (!) subida seguida das taxas diretoras, por mais dolorosa que esta seja.

A decisão que o Conselho do BCE liderado por Christine Lagarde tem de tomar em Frankfurt esta semana será eventualmente a mais difícil deste ciclo. Por um lado, depois de aumentos de 425 pontos base no total desde julho do ano passado, a ideia de fazer uma pausa nas subidas é tentadora.

Primeiro, a luta contra a subida de preços tem obtido resultados, com a taxa de inflação na zona euro a cair para 5,3% em julho do pico de 10,5% em outubro de 2022, portanto uma pausa permitiria ao BCE avaliar se essa travagem pode continuar em modo automático, sem a necessidade de mais (ou muitas mais) subidas nas taxas de juro.

Segundo, ajudaria a atenuar o risco de recessão na economia da zona euro. Os indicadores forward, os que medem as expectativas sobre a economia, mostram sinais preocupantes, especialmente os índices PMI de agosto, que caíram para níveis de novembro de 2020. Esta segunda-feira, a Comissão Europeia reviu em baixa as projeções de crescimento na Zona Euro, para 0,8% este ano (de 1,1%) e 1,3% em 2024 (de 1,6%).

Por outro lado, a inflação no bloco da moeda única continua a não dar tréguas e permaneceu nos 5,3% em agosto, inalterada face ao mês anterior e ainda longe dos 2% que o BCE tem como meta. A recente subida nos preços do petróleo é um novo fator de alarme nesta frente, reforçando a causa dos ‘falcões’ no BCE, os que acreditam que o foco tem de continuar na luta contra a subida de preços através de aumentos nas taxas de juro. Bruxelas sublinhou esta segunda-feira que os preços da energia obrigam a uma revisão em alta da previsão da inflação para 2024 (para 2,9%, dos anteriores 2,8%). É que além do impacto do petróleo, também muitas medidas de políticas para mitigar os preços do gás e da eletricidade irão expirar.

O dilema que Lagarde e companhia enfrentam está espelhado nas opiniões dos economistas. Tanto nas sondagens da Reuters como da Bloomberg, 50% acreditam numa pausa e 50% num novo aumento do custo do dinheiro.

Nenhuma das escolhas será consensual, portanto, mas há alguns fatores históricos recentes que favorecem uma décima subida já esta quinta-feira. O BCE de Lagarde foi criticado duas vezes por arrastar os pés, primeiro na reação à pandemia em março de 2020 (ao demorar a introduzir um plano de emergência de compra de ativos) e depois na reação à subida da inflação depois do início da guerra na Ucrânia (ao aumentar os juros apenas em julho de 2022, em contraste com a Reserva Federal, que começou logo em março).

Tal como esses casos demonstraram, esperar para ver não trouxe grandes benefícios, antes pelo contrário, colocou o BCE numa posição de atraso em relação aos objetivos e aos outros principais bancos centrais. Atrasou o inevitável e causou incerteza na economia e nos mercados. Esperar até outubro ou novembro para fazer mais um inevitável aumento teria as mesmas consequências.

Christine Lagarde tem evitado dar muitos sinais sobre a decisão, mas reiterou nos últimos discursos a importância de combater a inflação, até porque esta mina a confiança dos cidadãos no BCE. Outra pista é que o banco central tende a agir mais em função de dados económicos concretos realizados e não tanto de indicadores forward e previsões, portanto a teimosia real da inflação poderá ter mais peso do que os alertas sobre problemas futuros da economia. A presidente tem reiterado que as decisões vão ser data dependent, que é uma forma de esconder o jogo, mas também de salientar que o Conselho tem de olhar para a realidade atual e não para a bola de cristal.

A decisão do BCE não é binária, não é apenas entre inflação ou crescimento. Como a Comissão Europeia salientou esta segunda-feira, ao mesmo tempo que as taxas de juro altas arrefecem a atividade económica, também a inflação persistente retira poder de compra às famílias e às empresas, limitando a procura e o crescimento. Para cortar este nó complicado, a espada principal que Lagarde tem é a taxa de juro para reduzir a inflação o quanto antes. Como dizem os juízes na luta de esgrima: En garde! Prêt? Allez!

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