O Novo Aeroporto de Lisboa
Se houver novo aeroporto, seja “Portela +1” ou outra solução, urge pensar que as condições de concessão da Lusoponte terão de ser revistas.
Desde há uns meses a esta parte que o tema do novo aeroporto de Lisboa voltou a ser objeto de uma decisão governamental. Depois de um anterior governo ter decidido pela Ota e posteriormente ter abandonado essa decisão e passado a localização para Alcochete, há agora uma nova decisão, optando-se pela “Portela + 1”, sendo neste caso o aeroporto adicional localizado no Montijo, nas instalações da Base Aérea nº 6.
Antes de definir a localização do novo aeroporto, o governo deve fazer uma avaliação conjunta das necessidades do País ao nível de transportes, nas suas diferentes valências: aeroportuária, ferroviária, rodoviária e quer na vertente empresarial (logística/mercadorias), quer na vertente de transporte de passageiros. E isso não foi feito.
A discussão sobre o aeroporto de Lisboa deveria ter dois princípios base:
- Um aeroporto não serve um país (salvo raras exceções), mas sim uma determinada região, pelo que qualquer solução deve ser pensada em termos dos eixos Lisboa-Estremadura-Setúbal.
- O turismo é neste momento para Lisboa o setor mais relevante e o atual aeroporto na Portela é um dos ativos mais valiosos da competitividade do nosso turismo. E Lisboa não pode dar-se ao luxo de ter o seu aeroporto a 40 km do centro da cidade, sob pena de perder atratividade
Sendo o aeroporto da Portela um ativo imprescindível, qualquer solução terá de passar por “Portela + 1”.
Esqueçam Alcochete, tal como esquecemos a OTA. Sobretudo porque não há dinheiro. Mas também, como veremos, quer a OTA, quer Alcochete não são boas soluções do ponto de vista de transportes e da economia da zona da grande Lisboa.
Quanto à OTA, havia graves constrangimentos aéreos (de segurança – em 96 requisitos internacionais definidos pelos padrões da ICAO, a OTA não cumpria 58; e de capacidade do aeroporto, que pouco mais teria de capacidade do que a Portela), além de constrangimentos rodoviários (insere-se num eixo rodo – ferroviário já densamente concentrado e povoado). Além que na OTA, os custos das acessibilidades eram gigantescos e a própria construção do aeroporto implicava um risco geológico elevado.
Abandonada a OTA (felizmente, pois teria sido um erro histórico), a hipótese seguinte foi Alcochete. Aqui há um equívoco que importa desmitificar: o aeroporto não seria em Alcochete (que fica logo à saída da Ponte Vasco da Gama). O aeroporto seria no campo de tiro da Força Aérea, cuja entrada fica a 40 km do centro de Lisboa (via Vasco da Gama). Só que o aeroporto está projetado para o final do campo de tiro, pondo-o a quase 50 km de distância de Lisboa! Ninguém reparou nisto? Querem mesmo acreditar que Lisboa pode competir tendo o seu único aeroporto a 50 km? Em Barcelona, o aeroporto está a 14 km do centro; em Madrid está a 15 km; em Copenhaga está a 10 km; e mesmo em Londres e Paris está a cerca de 20 km.
A melhor solução é manter a Portela, tornando-a o mais eficiente possível. Ora a Portela tem dois problemas a resolver: o mais relevante é o problema do estacionamento de aviões, mas há também um problema de movimentos máximos por hora.
Aqui coloca-se uma questão: antes de avançar para outra solução, não deveríamos equacionar a saída dos militares de Figo Maduro, permitindo expandir o aeroporto da Portela por mais anos? Em 2016 a Portela teve 22 milhões de passageiros com uma capacidade de 40 movimentos hora. É possível expandir para Figo Maduro e com isso chegar aos 35 milhões de passageiros ano e aos 50 movimentos hora. Mesmo que o tráfego em Lisboa continue a crescer 2 milhões passageiros/ano (que foi o que cresceu desde 2011), isso daria para Lisboa ter mais 10 anos de capacidade.
Recordo que na final da Liga dos Campeões em Lisboa, a Portela teve 40 movimentos hora durante 18 horas, num total de 600 movimentos. Foi um enorme “stress test” e que a Portela passou com distinção.
Depois há que procurar alternativas para dois segmentos: Low-cost e longo curso/charters. Dois tipos de voos que podem ser colocados mais longe do centro da cidade. A questão é aonde? Essa questão tem de ser respondida maximizando o que já existe e minimizando o custo total da opção, incluindo acessibilidade e sobretudo calculando o custo de oportunidade e o impacto sobre a economia. Mas importa lembrar que nenhuma companhia aérea pode ser obrigada a escolher outro aeroporto.
Aqui chegados, o Montijo será porventura a opção menos má para complementar a Portela. Mas o Montijo levanta questões ambientais e de custos de acesso que não vi ainda respondidas.
E por último, se for escolhido o Montijo, há que acautelar um aspeto: Num paper que publiquei este mês no Journal of Air Transport Management em coautoria com o Carlos Oliveira Cruz do Técnico, estudámos a privatização em 2012 da ANA. A Vinci ganhou o concurso com uma oferta de 3.1 mil M€, mais 700 M€ que o segundo classificado (a Fraport). A nossa análise aponta para três motivos que levaram a Vinci a pagar mais 700 M€: o primeiro resulta de ser um leilão em carta fechada, pelo que o vencedor oferece sempre mais que o segundo. Mas a diferença ao cifrar-se em mais 30%, resulta de dois outros fatores: o segundo motivo foi que a Vinci (um gigante na área da construção e concessões) pretendia ganhar escala no setor aeroportuário, onde até então geria apenas alguns aeroportos regionais em França. Hoje é o 5º maior operador mundial de aeroportos.
Mas o terceiro motivo prende-se com o novo aeroporto: sabendo-se em 2012 que a haver novo aeroporto ele seria na margem sul (fosse em Alcochete, fosse no Montijo, ou noutra localização, dado que a Ota estava abandonada), esse novo aeroporto gerará um aumento muito significativo de tráfego nas duas pontes sobre o Tejo, concessionadas até 2032 à Lusoponte.
E imaginem que é o principal acionista da Lusoponte? Acertaram: É a Vinci.
Se houver novo aeroporto, seja “Portela +1” ou outra solução, urge pensar que as condições de concessão da Lusoponte terão de ser revistas. Tendo em conta que o Estado, por via do acordo global de 2001, está a pagar uma compensação à Lusoponte em torno dos 10-15 M€/ano, convinha que desta vez (pelo menos uma vez nas PPPs, depois da renegociação da Fertagus em 2004), houvesse uma partilha destes benefícios adicionais. É que este benefício não só não estava previsto no caso-base e nas renegociações, como ainda para mais provem de uma decisão do Estado e de um interesse cruzado do acionista. Será inaceitável que a Lusoponte (Vinci e Mota-Engil) capture totalmente para si esse benefício adicional.
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