Un Certain Lagarde

É difícil justificar a necessidade constante de esclarecimentos e ajustes na abordagem da política monetária. O mais provável é serem falhas de comunicação com custos no combate à inflação.

Na passada quinta-feira, o Banco Central Europeu (BCE) subiu as taxas de juro de referência em 0,25 pontos percentuais. Surpreendentemente, o euro desvalorizou-se face ao dólar logo após o aumento das taxas de juro e as declarações de Christine Lagarde, presidente do BCE. No dia seguinte, após novas declarações, o euro valorizou-se. Estas flutuações parecem ser contraproducentes.

Em circunstâncias normais, um aumento nas taxas de juro da zona euro levaria a uma valorização do euro. O argumento é o seguinte. Tudo o resto constante, poupar na zona euro tornar-se-ia mais atractivo após o aumento dos juros, uma vez que estas poupanças recebem agora mais. Este desejo de poupar na zona euro levaria a compras de euros no mercado de câmbio e consequentemente à valorização do euro em relação às outras moedas, por exemplo, ao dólar. Ao contrário do BCE, o banco central americano não aumentou as taxas de juro a semana passada (nem ontem na decisão calendarizada, aliás como já se esperava). Esta apreciação do euro contribuiria para combater a inflação. Por exemplo, reduziria a procura externa, ao tornar as exportações europeias mais caras. Ajudaria também com a inflação importada uma vez que os produtos energéticos internacionais são denominados em dólares. Com o euro a valorizar-se, o preço da energia importada diminuiria.

Contudo, o euro desvalorizou-se em relação ao dólar imediatamente após o anúncio do aumento das taxas de juro. Uma das razões potenciais para este movimento contrário foi a percepção de que Lagarde anunciou uma pausa nas subidas das taxas de juro. Isso significaria que as taxas de juro europeias ficariam abaixo das americanas durante os próximos tempos, e como tal levaria a uma desvalorização futura do euro. Esta expectativa do euro perder valor aumenta o retorno de poupar nos Estados Unidos já hoje, uma vez que os dólares tornar-se-iam mais valiosos no futuro. Como tal, em vez de procura de euros, assistimos à procura de dólares, e a uma desvalorização do euro. Notícias que apontam para um abrandamento económico e uma possível recessão na Zona Euro terão contribuído para a expectativa de cortes nas taxas de juro em 2024, reforçando este mecanismo de desvalorização do euro em relação ao dólar.

Na sexta-feira, após declarações da presidente Lagarde a esclarecer que “nem sequer se falou de cortes na reunião” e que “não foi um corte dovish”, o euro recuperou parte do seu valor em relação ao dólar. O que aconteceu? Uma das interpretações é que o discurso (a possível pausa) não foi coerente com as acções de política monetária (o aumento dos juros). O esclarecimento terá reduzido a probabilidade de cortes nos juros no curto prazo.

É um período desafiante para a política monetária, e nas suas declarações Lagarde tem realçado o clima de incerteza que rodeia as decisões e intervenções do BCE. Por vezes, isto leva a interpretações dos agentes de mercado que abrem a porta à necessidade de correcções. É possível também que estas sejam uma estratégia para gerir os conflitos dum BCE com fortes preferências nacionais. É claro que Lagarde está ciente da importância da comunicação na política monetária, como mostra este discurso fantástico do início do mês (podem comparar com a Encruzilhada de Políticas).

No entanto, é difícil justificar a necessidade constante de esclarecimentos e ajustes na abordagem da política monetária, tal como assistimos na semana passada. A não ser que Lagarde esteja a jogar um xadrez tridimensional, usando a incerteza como um instrumento de política monetária em si mesma (“Uncertain Lagarde”), sem aplicar demasiada pressão através das taxas de juro (mas não me parece). O mais provável é serem falhas de comunicação com custos no combate à inflação da zona euro.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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