Narrativas versus números
Comunicar eficazmente não é um ponto forte da Economia, mas se o objectivo é influenciar de forma positiva as políticas públicas, o desenvolvimento dessas competências poderá ser crucial.
A Economia tem um viés particular: A importância dos dados. Sem dados de boa qualidade é difícil fazer análise económica. É por isso comum ver economistas a terem cautela ao comentar os impactos económicos de políticas públicas, especialmente quando não estão disponíveis dados fiáveis ou métodos de análise convincentes. Por vezes evitam até abordar o assunto. Embora prudente, esta abordagem nem sempre é o ideal, já que o raciocínio económico pode ser útil mesmo na ausência de dados.
Por outro lado, quem faz política pública não parece partilhar destas preocupações. Frequentemente demonstra uma confiança impressionante, mesmo sem análise de dados, ou, por vezes, sem sequer ter dados sobre o assunto em questão. Um exemplo flagrante foi o (inexistente) estudo de impacto económico das Jornadas Mundiais da Juventude realizadas em Portugal este ano, que não impediu declarações heróicas por parte de quem faz política pública. Outro exemplo são as constantes alterações de impostos e subsídios feitas às três pancadas de acordo com a espuma dos dias, sem qualquer preocupação com dados ou possíveis consequências não intencionais destas políticas.
Um artigo de investigação recente, “Weighing the Evidence: Which Studies Count?” escrito por Eva Vivalt, Aidan Coville, e Sampada KC, sugere que os estudos rigorosos com dados influenciam menos as decisões sobre política económica do que, por exemplo, sugestões de “especialistas” que não são necessariamente baseadas em análises de dados.
Numa série de experiências para perceber os determinantes das escolhas de políticas públicas, os autores deste artigo pediram a decisores de políticas públicas que escolhessem entre estudos para determinar a implementação duma política específica. Estes estudos eram diferentes em várias dimensões como o método da análise de dados, a localização da pesquisa, ou o tamanho do impacto estimado. Por vezes não eram nem sequer um estudo, mas apenas uma recomendação de um “especialista local”. Os resultados mostram que as/os decisores de políticas públicas dão prioridade a factores como as recomendações de especialistas locais, ou se a pesquisa foi feita numa localização próxima de onde trabalham. Quando confrontados com as mesmas opções, investigadores focaram-se mais em factores ligados à qualidade do estudo, como o método usado e o tamanho da amostra.
Além disso, as/os decisores de políticas públicas tendem a escolher estudos com efeitos estimados maiores, o que pode explicar por que frequentemente têm expectativas mais elevadas sobre os impactos dos programas. O estudo também mostra que quem escolhe os estudos cientificamente mais rigorosos faz previsões mais correctas sobre os impactos de programas de políticas públicas. Este estudo apenas pede a pessoas para compararem estudos diferentes. Não há eleições ou decisões críticas. Logo não se pode explicar este viés com um argumento eleitoralista. Provavelmente escolheram mal devido a um viés comportamental.
No seu livro “Narrative Economics”, Robert Shiller explora estes vieses comportamentais para argumentar que as narrativas e percepções podem ter um impacto significativo nas decisões de políticas públicas, muitas vezes amplificando, distorcendo ou até contrariando os resultados dos estudos científicos. Deveria a Economia focar-se mais em narrativas e “memes” que explorem estes vieses, e menos nos números? Comunicar eficazmente não é um ponto forte da Economia – ou, em economês, a sua vantagem comparativa. Aliás, economistas tendem a ser particularmente mal treinados a escrever, a falar, a conviver, etc. Contudo, se o objectivo é influenciar de forma positiva as políticas públicas, o desenvolvimento dessas competências poderá ser crucial.
Os resultados do estudo anteriormente mencionado mostram as dificuldades de insistir que se usem mais dados na tomada de decisão sobre políticas públicas. Seria de esperar que a conclusão, indicando que decisores políticos que escolhem estudos rigorosos fazem previsões mais acertadas sobre os efeitos das políticas, despertasse interesse em quem toma decisões de políticas públicas. No entanto, e tal como o mesmo estudo sugere, o melhor é não contar muito com isso.
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