Secretário-geral da Associação Business Roundtable, Pedro Gingeira do Nascimento, defende que há 17 a 22 mil milhões em dinheiro retido pelo Estado. IRC devia deixar de ser um imposto progressivo.
“O único fator de libertação que temos para o país é o crescimento económico”, afirma Pedro Gingeira do Nascimento, secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal. Para atingir esse objetivo, é preciso baixar o IRS e acabar com a progressividade do IRC, medidas que gostaria de ver no Orçamento do Estado para 2024.
O responsável pela associação que representa 41 grandes empresas portuguesas considera também que o Estado retém por demasiado tempo dinheiro que não lhe pertence. “Nós temos quase outro PRR em medidas que podiam facilitar a liquidez das famílias e empresas, pedindo ao Estado apenas que não retire o que não é dele e pague a tempo e horas”, sustenta.
Sobre o IRS, Pedro Gingeira do Nascimento aponta que o imposto é regressivo nos primeiros três escalões, com o imposto cobrado a aumentar mais do que o rendimento. Uma distorção que tem de ser corrigida, defende, em entrevista ao ECO.
O porta-voz da Associação BRP concorda com o objetivo da proposta da CIP para a criação de um 15.º salário, isento de impostos e contribuições sociais, mas considera que vem acrescentar complexidade. Considera também que devem ser as famílias, e não o Estado, a decidir quando devem poupar, em vez de o fazerem de forma forçada com salários extra. “Pessoalmente, prefiro receber todos os meses o mesmo valor”.
O que é mais prioritário para a Associação Business Roundtable Portugal: descer o IRS, de que tanto se tem falado nos últimos dias, ou o IRC?
A prioridade para a Associação BRP é pôr o país a ter a ambição e a audácia de querer crescer muito mais. O Orçamento de Estado não devia ser só um aspeto orçamental, devia ser também a tradução de uma visão e de uma estratégia para o país, que passa por querermos crescer muito mais. Tem havido um enfoque muito grande nas contas certas, na consolidação da dívida pública, que são fundamentais, mas não podemos deixar de notar que nestes últimos oito anos, a despesa pública cresceu 25 mil milhões de euros e a coleta de impostos cresceu 26 mil milhões. Houve uma consolidação orçamental, mas a dívida pública cresceu 36 mil milhões de euros, em valor absoluto. Cada português, no final de 2022, devia mais 3.392 euros do que em 2015.
O ministro das Finanças garante que a sustentabilidade das contas públicas está a melhorar. E, pelo menos em percentagem do PIB, está.
Porquê? Porque o país cresceu. Porque criámos mais riqueza e o rácio da dívida pública sobre o PIB desceu. E isto para nós mostra de forma muito clara que o único fator de libertação que temos para o país é o crescimento económico.
Mas para esse objetivo, neste momento, é mais importante descer o IRC ou o IRS?
Para esse objetivo, neste momento, é importante resolvermos três temas. A fiscalidade sobre o trabalho que é excessiva em Portugal e leva a que os nossos jovens saiam do país, a tal geração mais qualificada de sempre. E, portanto, aí temos uma proposta ao nível do IRS dos jovens e uma proposta ao nível da Segurança Social dos jovens.
Mas temos também uma proposta ao nível da promoção do sucesso dos mais desfavorecidos, aqueles que estão no primeiro, segundo e terceiro escalão. Temos um sistema que, apesar de ser progressivo, tem uma certa regressividade. Do primeiro para o segundo escalão, a coleta de impostos cresce 2,5 vezes mais do que o rendimento, do segundo para o terceiro cresce duas vezes mais e do terceiro para o quarto cresce um bocadinho menos do que isso. Depois volta, de facto, a ser progressivo. Isto tem de ser corrigido. As pessoas que estão nestes primeiros escalões, se se esforçarem e o empresário quiser reconhecer isso com um aumento, vai uma percentagem muito grande para o Estado.
Enquanto os outros países estão preocupados em ter empresas que faturam mais de 750 milhões de euros, parece que o nosso objetivo estratégico é ter empresas que faturem, no máximo, 50 mil euros.
E nos impostos pagos pelas empresas, qual é a proposta?
Há, de facto, aqui um aspeto de competitividade fiscal face a outros países. Somos dos poucos países que têm um IRC progressivo e isso não faz sentido. É suposto a progressividade gerar uma redistribuição ao nível do rendimento sobre o trabalho, mas no rendimento do capital não faz sentido que assim seja. Temos uma taxa inicial que é bastante interessante, 17%. Não compara mal até com o mínimo global dos 15% que está agora a ser falado para as muito grandes empresas, que têm mais de 750 milhões de euros de faturação. Mas os nossos 17% não são para quem fatura mais de 750 milhões, mas para quem fatura até 50 mil euros. Enquanto os outros países estão preocupados em ter empresas que faturam mais de 750 milhões de euros, parece que o nosso objetivo estratégico é ter empresas que faturem, no máximo, 50 mil euros.
Ou seja, ter uma taxa única para todos os casos. Mas qual?
Uma taxa que não seja progressiva e que compare um bocadinho melhor. Temos um sistema tão complexo que faz com que tenhamos uma suposta taxa máxima de 31,5%, mas sobre a qual ainda incidem seis taxas especiais sobre determinados setores. O Banco de Portugal diz-nos que a taxa efetiva de IRC sobre as empresas é 25,6%, mais ou menos por aí. A Autoridade Tributária diz que a taxa efetiva andará na casa dos 18%. O nosso sistema é tão complexo, que nem as autoridades se conseguem entender sobre qual é a taxa efetiva de IRC. Mais vale que seja uma taxa igual para todos, sem regras, sem regrinhas, sem exceções. Esta complexidade cria uma máquina brutal do parte do Estado, da parte da Autoridade Tributária, para andar atrás das empresas a verificar se cumprem.
O que cria imensos litígios.
Tantos litígios que temos entre 5 a 7% do PIB, 11 a 17 mil milhões de euros, parados a apanhar pó nos tribunais administrativos e fiscais que, ainda por cima, são os mais lentos que temos em Portugal e que comparam muito mal com os outros países.
Sabemos que as empresas vão enfrentar custos de financiamento mais altos, os custos da energia espera-se também que continuem estruturalmente mais elevados. Isto num contexto de incerteza geopolítica também muito grande. Como é que o OE pode ajudar as empresas nestes desafios?
O conjunto das empresas portuguesas devia aos bancos, em 2009, antes da crise financeira, 143 mil milhões de euros. Isso representava 82% do PIB português e, portanto, estavam bastante endividadas. No final de 2022, as empresas portuguesas deviam 110 mil milhões de euros. Mas como o PIB cresceu, em vez dos 82% representava 44% do PIB. Estão muito menos alavancadas. Em cima disto, acresce que em 2009, para 143 mil milhões de euros de dívida, as empresas portuguesas tinham 30 mil milhões de euros em depósitos. Hoje, para 110 milhões de euros têm 64 mil milhões. O nível de exposição ao risco da taxa de juro é hoje muito inferior para uma boa parte do tecido empresarial português.
A verdade é que nós temos quase outro PRR em medidas que podiam facilitar a liquidez das famílias e empresas, pedindo ao Estado apenas que não retire o que não é dele e pague a tempo e horas.
Ainda assim, justificam-se medidas para apoiar a tesouraria das empresas?
Mais importante do que estarmos a criar mais medidas, mais complexidade, mais Estado, é que o Estado permita não retirar o dinheiro às famílias, às pessoas e às empresas. E quando o retira, devolver o mais rapidamente possível. A verdade é que nós temos quase outro PRR em medidas que podiam facilitar a liquidez das famílias e empresas, pedindo ao Estado apenas que não retire o que não é dele e pague a tempo e horas.
O que é que queremos dizer com isto? 3,5 mil milhões de euros que em 2022 o Estado devolveu de retenção na fonte cobrada em excesso durante 2021. Portanto, esteve cerca de um ano com 3,5 mil milhões retirados coercivamente às famílias, que não lhe eram devidos, já agora com grande inflação e sem nenhuma remuneração. E 1,8 mil milhões de euros retirados às empresas, também por desacertos entre os pagamentos e aquilo que resultou das suas declarações. Depois temos a litigiosidade fiscal, que são mais 11 a 17 mil milhões que estão parados. Isto sem considerar os pagamentos. O Estado é um comprador de bens e serviços. A União Europeia quer agora que paguemos todos, e bem, às PME em 30 dias. O Estado português não publica estatísticas sobre dívidas a 30 dias, mas publica estatísticas sobre atrasos de pagamentos há mais de 90 dias e são mais 850 milhões de euros. Dos quais, já agora, o Estado não pagou, mas exige o IVA. Exige receber o IVA das próprias faturas que não pagou. E portanto, quando juntamos tudo isso, estamos a falar entre 17 a 22 mil milhões de euros.
Dinheiro que fica capturado pelo Estado.
Talvez até pudéssemos compreender que, numa altura em que as contas públicas estivessem muito desafiantes, o Estado pudesse querer fazer isto. Neste momento em que temos excedentes orçamentais, não faz sentido que o Estado retire este dinheiro às famílias, que depois vêm dizer que estão com dificuldades por causa do aumento do custo de vida e que precisam de apoios. Mais do que apoios, é devolver o dinheiro que é delas. O mesmo para as empresas.
A Associação BRP já olhou para o Pacto Social que foi apresentado pela CIP – Confederação Empresarial de Portugal? Concordam com as medidas propostas?
Nós, como o país, vimos a apresentação do Pacto Social que foi feita pela CIP. Ainda não conhecemos as medidas com a profundidade de que gostaríamos. Tem certamente propostas que são muito interessantes, umas mais de âmbito geral, outras mais específicas.
Esta coisa de já termos 14 salários, em que o Estado é que está a dizer às famílias quando é que devem poupar, porque sabe mais do que as famílias, já parece um bocadinho abusiva. Agora termos mais um 15.º e qualquer dia mais um 16.º.
Uma muito específica é o pagamento de um 15.º mês até ao limite do salário base, sem incidência de impostos e contribuições para a Segurança Social. É o tipo de medida que a associação poderia apoiar?
A medida parece claramente ser pensada para fazer face a um dos problemas que Portugal tem na sua competitividade, que é o facto de estarmos a onerar excessivamente o fator trabalho e oneramos excessivamente quando comparado com o que os outros países fazem. No início deste ano, comparámos para um salário mensal de 2.000 euros brutos (28.000 euros anual) quanto é que seria o custo para a empresa e qual o salário líquido para o trabalhador em Espanha, em França, na Alemanha, na Holanda e em Inglaterra. Portugal é o terceiro país mais caro deste grupo. Sai mais barato contratar em Espanha, em Inglaterra ou na Holanda. Só na Alemanha e em França é que é pior. Além disso, Portugal é o país onde o trabalhador leva menos dinheiro para casa.
Essa medida tem uma desvantagem, que é criar uma complexidade adicional. E depois, por outro lado, esta coisa de já termos 14 salários, em que o Estado é que está a dizer às famílias quando é que devem poupar, porque sabe mais do que as famílias, já parece um bocadinho abusiva. Agora termos mais um 15.º e qualquer dia mais um 16.º… Pessoalmente, prefiro receber todos os meses o mesmo valor e depois decido eu quando é que preciso poupar, quando é que quero gastar.
A agência de rating Fitch colocou recentemente a classificação de Portugal em “A-“, o que não acontecia há 12 anos. Como é que se casa esta necessidade de baixar impostos com a necessidade de manter a consolidação orçamental, num contexto de taxas de juro elevadas?
Voltamos ao ponto do início, que como é que fizemos a consolidação orçamental. Não foi porque aumentámos impostos. Na realidade já não temos espaço para subir mais, porque o peso dos impostos no PIB é superior à média europeia. Não foi porque baixámos a despesa; foi porque crescemos. Temos é de destravar o travão ao crescimento e isto faz-se retirando a penalização que temos ao sucesso das pessoas e das empresas. Precisamos de ter mais empresas grandes, que são mais produtivas do que as médias, que são mais produtivas do que as pequenas. Nós precisamos de mais empresas grandes, que pagam duas vezes o salário médio da economia portuguesa. É esse crescimento que nós precisamos, é esse crescimento nos vai libertar da dívida, não é aqui a apertar uma manta que vai estar sempre curta.
Basta pensarmos nos nossos sete unicórnios que com tanto orgulho gostamos de pensar que existem em Portugal, mas que não nos cansamos de dizer que são sete unicórnios com ADN português. Porque é que celebramos sete unicórnios com ADN português e não sete unicórnios portugueses? Porque dos sete unicórnios, houve seis que já fizeram como os jovens, foram-se embora, não estão cá. Precisamos de criar as oportunidades de crescimento. E quem cria riqueza não é o Estado, são os privados.
Porque é que nós celebramos sete unicórnios com ADN português e não sete unicórnios portugueses? Porque dos sete unicórnios, houve seis que já fizeram como os jovens, foram-se embora, não estão cá.
Falou de uma série de propostas para o Orçamento do Estado. Já houve conversas com o Governo sobre elas?
O objetivo da Associação BRP é sempre trabalhar no sentido de identificar propostas e trabalhar com quem tenha o poder para as executar. Nalguns casos tem a ver com iniciativas que nós próprios podemos ter, de empresários para empresários, dos empresários para as pessoas. No caso do Orçamento do Estado, claramente não temos essa capacidade. Temos que falar com o Governo. É um diálogo que vamos tendo de forma constante ao longo do ano, porque são temas mais estratégicos. Sobre o Orçamento de 2024 já conversámos e continuaremos a conversar com certeza até que ele esteja cá fora.
E qual tem sido o acolhimento do Governo às propostas?
Há sempre uma abertura para ouvir, uma abertura de espírito, mas nem sempre estamos de acordo sobre as prioridades. Procuramos defender o país, mas temos uma determinada visão. O Governo também tem uma visão, que nalguns pontos é coincidente com a nossa, noutros tem interpretações diferentes, mas isso é mesmo assim.
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