BRANDS' ECO “Parece-me evidente que há margem para reduzir os impostos”, diz sócio da CMS

  • BRANDS' ADVOCATUS
  • 10 Outubro 2023

Patrick Dewerbe, sócio e head de Tax da CMS Portugal, em entrevista ao ECO/Advocatus.

Considera que existe margem orçamental para descer os impostos em 2024?

De um ponto de vista estritamente fiscal é essencial baixar o nível de tributação na economia Portuguesa e deixar valor nas pessoas e nas empresas. De 2012 para 2013, assistimos em Portugal a um “enorme aumento de impostos”, motivado pela Troika, que só em sede de IRS, num contexto de recessão económica, resultou num aumento da receita fiscal de 9,7 mil milhões de euros em 2012 para 13,1 mil milhões de euros em 2013. Dito de outro modo, em plena recessão económica o Estado foi buscar às pessoas mais 3,4 milhões de euros, i.e., um aumento de um ano para outro de mais de 35%, e isto só em IRS.

Hoje, passados 10 anos, a verdade é que esse enorme aumento de impostos, não obstante termos há muito ultrapassado a crise que motivou a intervenção da Troika, nunca foi plenamente corrigido, o que significou que em cada um destes anos o Estado continuou a cobrar, só em IRS, mais 35% do que aquilo que deveria cobrar face à fiscalidade em vigor antes da Troika.

Em cima disto temos agora a inflação que só no último ano, segundo dados oficiais, deu um bónus de mais 11,3 mil milhões de Euros ao Estado.

Pelo que me parece evidente que há margem para reduzir de impostos, colocando-se a questão ao nível das opções. Ou se opta por se continuar a arrecadar receita fiscal com base numa fiscalidade motivada pela Troika – que era suposto ser temporária, ainda por cima agora alavancada pela inflação –, ou se opta por corrigir essa fiscalidade e começar a deixar valor nas pessoas e nas empresas.

Acresce que esta redução é essencial para que o Estado seja uma pessoa de bem. Não podemos, ou não devemos aceitar que a alterações introduzidas com caráter extraordinário há 10 anos permaneçam em vigor ad aeternum.

Dito isto, infelizmente não tenho qualquer expectativa que se venha a repor a fiscalidade em vigor antes da Troika, o que só torna ainda mais essencial que haja coragem para se fazerem correções fiscais que sejam impactantes.

É mais eficiente para o desempenho da economia nacional descer o IRS ou IRC?

Para o desempenho da economia nacional – que carece de investimento nacional e estrangeiro – penso que precisamos de medidas verdadeiramente impactantes em sede de IRS e de correções no IRC. Para além das medidas nestas áreas, precisamos também de uma mudança de paradigma na forma como a Autoridade Tributária (AT) se relaciona com os contribuintes, sejam eles pessoas ou empresas.

Em sede de IRS, as pessoas sentiram de forma severa a alteração de 2012 para 2013. Desde então foram feitas correções, mas que não são impactantes, nem tão pouco corrigiram aquele enorme aumento de impostos. Tem que haver coragem fiscal para repor, pelo menos, parte da fiscalidade que estava em vigor antes da Troika, ou no mínimo aprovar novas medidas que possam transformar a vida das pessoas. Nesse sentido a proposta da CIP para criar um 15.º mês voluntário, isento de IRS e de contribuições sociais, parece-me muito interessante, (i) pelo alcance positivo – afasta-se do miserabilismo de estarmos sempre focados no salário mínimo, (ii) pela responsabilização das empresas – sendo uma opção voluntária permite que cada empresa tome a sua decisão e seja responsabilizada por isso, (iii) em termos de Segurança Social, a não sujeição introduz flexibilidade e competitividade nesta matéria, de que muito precisa a economia portuguesa, abrindo portas a que outras rubricas possam ter o mesmo tratamento e, finalmente, (iv) é impactante pois coloca valor na mão das pessoas como nenhuma outra medida anunciada até agora.

Numa eventual descida de IRS, é preferível mexer nas taxas ou aumentar escalões de IRS?

Não podemos estar sempre a inventar e a desvirtuar a legislação que temos consolidada. Diria que não se optando por soluções de taxas únicas, como se tem vindo a adotar em alguns países, o que implicaria uma reforma fiscal, as alterações devem ser no sentido de se aproximarem dos escalões em vigor antes de 2013, i.e., antes da Troika e eliminando-se também a taxa adicional de solidariedade.

Era preferível ter optado por uma descida de impostos em 2023, como sugeria o PSD, tendo em conta o contexto internacional?

O ideal teria sido iniciar uma correção há mais tempo pois contextos internacionais adversos não favorecem descidas de impostos. Há muito que se vem sentindo uma asfixia fiscal transversal à classe média em geral, pelo que o processo de descida de impostos tinha justificação e enquadramento há mais tempo. Por um lado, se o Governo tivesse aderido ao pacote do PSD, ainda que fazendo algumas alterações, ficaria a salvo de acusações de eleitoralismo, a que, com o aproximar das eleições legislativas, ficará cada vez mais sujeito, por outro lado, corremos o risco que o driver das alterações sejam efetivamente as questões eleitoralistas e não as questões / alterações que são efetivamente necessárias.

O Governo deveria optar por uma reforma fiscal em detrimento de fazer alterações aos impostos em sede de OE?

Penso que não. Embora seja favorável a soluções de flat tax em sede de IRS, como disse acima, essas alterações devem ser feitas no contexto de uma reforma fiscal para a qual não existe consenso. Sendo assim, penso que devemos simplificar e o que há a fazer é (i) corrigir os excessos que ficaram da Troika em sede de IRS, eventualmente adotando também medidas como a recentemente proposta pela CIP, (ii) simplificar o IRC, expurgando-o das tributações autónomas, das derramas estaduais e (iii) eliminar algumas das contribuições setoriais em vigor.

Acha que os investidores e empresários preferem estabilidade fiscal ou pequenos ajustes?

Diria que a introdução de pequenos ajustes não colocam em causa a estabilidade fiscal, a qual é um valor que todos os empresários apreciam. O problema é que temos assistido nos últimos anos, seja por omissão, seja por ação, a um conjunto de alterações que têm vindo a desvirtuar quer os princípios, quer a simplicidade que estiveram na base do IRS e do IRC. Por exemplo, hoje em dia para explicar a um potencial investidor estrangeiro a tributação de IRC em Portugal, não nos podemos limitar a dizer que a taxa de IRC é de 21% (nominalmente uma taxa baixa quando comparada com outras jurisdições) temos também que referir que para além da taxa IRC, existem ainda a derrama municipal, a derrama estadual, as tributações autónomas e as contribuições extraordinárias, que tudo somado podem colocar a taxa agregada de IRC nos 31,5% o que, assim, já é uma das taxas mais elevadas na OCDE.

Concluindo: muito do que precisamos em termos de fiscalidade em Portugal, no que respeita a IRS e IRC, poderia ser alcançado apenas com a correção dos excessos que se cometeram no passado, voltando à pureza dos princípios e regras que caracterizam o IRS – um imposto único e progressivo, visando a diminuição das desigualdades e tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar – e o IRC – um imposto que tenha como objetivo a tributação do rendimento real das empresas.

Ora, é manifesto que, quer em sede de IRS, quer em sede de IRC, há muito que o Estado tem vindo desvirtuar estes princípios, estando-se mais a caminho de uma manta de retalhos fiscais.

A bem da estabilidade fiscal não era mais importante usar toda a margem orçamental para melhorar as contas públicas, sobretudo num cenário de agravamento dos juros que vão onerar muito o custo da dívida?

O problema dessa narrativa é que nos arriscamos a estar mais uns quantos anos sem eliminar da nossa legislação fiscal todo um conjunto de medidas que foram aprovadas com caráter extraordinário e que ficam ad aeternum.

Considero que vivemos momentos em que é preciso coragem fiscal para aprovar medidas que sejam realmente impactantes na vida dos portugueses no seu horizonte geracional ao contrário de medidas que não se sentem no individual de cada pessoa ou empresa e apenas figuram bem em power points para apresentação em conferências de imprensa.

Defende um desagravamento dos custos do trabalho através de uma descida da TSU?

Alguma coisa tem que ser feita também em termos de Segurança Social. Muitas vezes apenas falamos no IRS e no IRC, mas depois quando se toma consciência do impacto e custo da TSU o espanto é total. Portugal, em comparação com outras jurisdições, desde logo com Espanha, onde as contribuições estão sujeitas a um plafonamento, fica muito mal na fotografia…. Não digo que tenhamos de mudar para um regime de plafonamento (matéria que requer estudo e análise), mas mais uma vez a proposta feita pela CIP relativamente ao 15ª mês vai no bom sentido e é impactante para cada trabalhador em concreto.

O PS com maioria absoluta está a desperdiçar a oportunidade de fazer uma verdadeira reforma fiscal?

Uma reforma fiscal deveria requerer um maior consenso e tenho receio do que seria uma reforma fiscal feita apenas pelo PS com base na sua maioria absoluta. Como disse, por ora, as pessoas e as empresas e, por essa via, a economia no seu todo, já ganharia muito se nos limitássemos a corrigir as medidas extraordinárias do passado. Não são precisos estudos, comissões ou reformas, para sabermos aquilo que é essencial neste momento. Adicionalmente, é urgente criar medidas impactantes para os jovens, para os reter em Portugal, para lhes permitir o acesso a bons salários, e isso passa também por uma fiscalidade agressiva. Não acredito que algum jovem que tenha a opção de ir para fora com melhores condições salariais e fiscais opte por ficar em Portugal porque (i) lhe devolvem as propinas, (ii) lhe dão o passe sub 23, (iii) ou estadias em Pousadas…..

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