O diabo do excedente

Portugal segue com uma taxa de juro mais baixa que os seus pares tradicionais, e com excedentes orçamentais quando outros países apresentam défices.

Nos últimos meses, temos assistido ao aumento dos “juros” da dívida pública a longo prazo em vários países. Esta tendência acelerou-se a partir de Setembro. Em Portugal, a taxa de juro que um comprador de dívida pública portuguesa a 10 anos recebe por comprar esta dívida no mercado, a “yield”, chegou aos 3.6%. Ainda há alguma incerteza sobre se este aumento é para ficar (tem descido um pouco nos últimos dias). Mas esta subida dos juros é algo surpreendente uma vez que temos assistido a um alívio na pressão inflacionista na zona euro, com valores para a inflação abaixo do esperado, e que sugerem que o Banco Central Europeu não terá de aumentar as taxas de juro. O que explica então este aumento dos juros?

Por detrás desta subida dos juros está um aumento das vendas de dívida pública. Não necessariamente as emitidas pelo Estado, mas as de dívida emitida anteriormente. Estas vendas diminuem o preço destes títulos de dívida. Uma vez que os pagamentos associados a um determinado título de dívida já estão pré-definidos, um preço mais baixo da dívida aumenta a rentabilidade deste ativo, ou seja, da taxa de juro implícita.

Esta venda de títulos de dívida pública, e consequente aumento das taxas de juro, aconteceu em vários países, incluindo nos Estados Unidos, na Itália, na França e até na Alemanha. É uma subida dos juros surpreendente, uma vez que temos assistido a valores da inflação abaixo do esperado. Estes dados sugerem que o Banco Central Europeu (BCE) não terá de aumentar as taxas de juro, podendo até reduzir os juros mais depressa que o esperado. Uma redução das taxas de juro de curto prazo pelo BCE deveria aumentar os preços dos títulos de dívida. A razão é que a dívida pública promete pagamentos que estão fixos, e logo que não são afetados pela política monetária. Quando a taxa de juro de outros ativos afetados pela política monetária desce, isso torna a dívida pública um instrumento financeiro mais atrativo, logo deveria aumentar o preço da dívida e reduzir a taxa de juro da dívida. No entanto, temos assistido precisamente ao contrário.

Uma explicação para esta inconsistência é que a razão para uma descida do preço da dívida pública é fiscal. As expectativas de défices estão a crescer em todo o mundo, com os défices já medidos este ano a seguirem a mesma tendência ascendente. Por exemplo, na França o défice alcançou 1.6% do PIB apenas nos primeiros oito meses do ano, e projeta-se um défice orçamental de 5% do PIB para o próximo ano, um sinal de desequilíbrio fiscal. Os EUA enfrentam uma nova crise política com a ameaça de um ‘shutdown’ governamental em Novembro, e défices governamentais estimados acima dos 4% do PIB até 2031, bem acima da média dos últimos 50 anos.

Este ambiente de incerteza política aumenta a desconfiança dos compradores de dívida norte-americana quanto à estabilidade económica a longo prazo dos EUA e pode traduzir-se numa venda de dívida pública americana. Crucialmente, este aumento da oferta de dívida americana, um ativo que é visto como o mais seguro na economia mundial, pressiona as taxas de juro não só nos EUA, mas também na Europa.

Não é fácil identificar em tempo real o que determina exatamente a compra e venda de dívida pública. Portugal segue com uma taxa de juro mais baixa que os seus pares tradicionais, e com excedentes orçamentais quando outros países apresentam défices. O impacto dos excedentes orçamentais nos juros da dívida pública portuguesa será relativamente limitado, e a falta de investimento (público e privado) em Portugal é gritante. No entanto, o clima recente de incerteza sobre a sustentabilidade das finanças públicas globais, é pelo menos um argumento para a contenção fiscal.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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