Sobre terra de Canaã. A Paz, ontem e hoje
Os palestinianos e os israelitas merecem e podem viver em paz. Mas enquanto for o Hamas (e a Fatah) a falar pelos palestinianos, isso dificilmente acontecerá.
Para realmente compreender a situação no Médio Oriente é necessário fazer um enquadramento histórico. É o que procuro fazer através de uma linha temporal com breves referências aos hebreus/judeus, focalizando dois momentos – antes e depois da Diáspora – e salientando que islamismo só aparece do século VII d.C. Com esta abordagem, espero contribuir para aprofundar a reflexão.
Antes da Diáspora
Palestina, termo que deriva de um nome hebraico bíblico, foi como os Romanos denominaram uma região delimitada entre a costa oriental do Mediterrâneo, a Pártia e a Sassânia (Pérsia) e a Arábica, região que actualmente compreende os territórios de Israel, Jordânia, sul do Líbano, Faixa de Gaza e Cisjordânia. A Judeia, nome pelo qual a região era conhecida no tempo de Roma, foi um Reino cliente e posteriormente uma província do Império Romano.
Todavia, antes disso foi conhecida por Canaã, a terra prometida por Deus a Abraão, que de deslocou de Ur, na Mesopotâmia, até lá, e que os hebreus (do hebraico “Ivrim”, que significa “povo do outro lado do rio”) conquistaram aos cananeus e aos filisteus.
Os hebreus, que se denominavam israelitas, passaram por três grandes períodos:
- Patriarcado (entre aproximadamente 2000 a.C. e 1200 a.C.) em que foram liderados por patriarcas religiosos;
- Juízes, autoridades políticas, religiosas e militares, um por tribo, eleitos pelas respectivas tribos;
- Reis (entre aproximadamente 1050 a.C. e 586 a.C.), ungidos pelos profetas, foi a forma escolhida para unificar as tribos hebraicas de modo a potenciar os recursos contra os inimigos.
Ao longo do tempo, os hebreus lutaram com, entre outros, filisteus, egípcios, assírios, babilónicos, caldeus, persas, macedónios e romanos. Das guerras Romano-Judaicas resultou a destruição do Templo de Jerusalém (70 d.C.) e a expulsão da Palestina, conhecida como Diáspora, que oficialmente durou até 1948.
Feito este breve apanhado histórico, é fundamental realçar três coisas: primeiro, que os hebreus viveram na região mais de dois mil anos até serem expulsos pelos romanos por volta de 70 d.C.; segundo, que o islamismo apareceu no séc. VII, na Arábia; e terceiro, que só em 640 d.C., é que a Palestina foi conquistada pelos árabes, i.e., aproximadamente 570 anos depois da expulsão dos hebreus. Estes elementos são essenciais para elucidar eventuais reclamações de antiguidade territorial.
Antes de referir acontecimentos mais recentes, nomeadamente o que aconteceu desde 1948, é importante salientar algo. Por volta da década de 1880, altura em que a região da palestina fazia parte do Império Otomano, incentivados pelas palavras de León Pinsker (1821-1891), fundador e líder do movimento Hibbat Zion, membros das comunidades judaicas da Europa começaram a comprar terras, tanto aos otomanos, como aos árabes proprietários de terrenos.
Apesar de restrições e até de proibições temporárias por parte das autoridades otomanas, desde a década de 1880 até o estabelecimento do Estado de Israel em 1948, os judeus adquiriram aproximadamente 7% das terras na Palestina.
Aqui chegados, é possível afirmar inequivocamente que na Palestina só existiram estados judaicos: o Primeiro Reino (1000-586 a.C.), o Segundo Reino (538-63 a.C.) e Israel (1948-). Entre o Primeiro e o Segundo Reino aconteceu o Cativeiro na Babilónia. Ciro II, da Pérsia, autorizou o regresso do Hebreus à terra de Judá.
A cronologia seguinte ajuda a compreender a melhor a evolução e os acontecimentos na região entre o fim do Segundo Reino e as duas primeiras décadas do Estado de Israel.
- até 63 a.C. – Estado independente judeu
- 63 a.C.- 6 – Reino cliente do Império Romano
- 6-41 – Província romana.
- 26-36 – Procurador Pôncio Pilatos
- 41-44 – Governo de Herodes Agrippa (rei cliente)
- 44-48 – Província romana
- 48-100 – Governo de Herodes Agrippa II (rei cliente)
- 66-70 – Primeira guerra judaico-romana contra Roma
- 100 (para a frente) – Província romana
- 115-117 – Segunda guerra judaico-romana
- 132-135 – Terceira guerra judaico-romana ( Simão Barcoquebas)
- 135 – Judeia chamada de Síria Palestina pelo imperador Adriano
- 640 – Início do controle muçulmano árabe
- 1099 – Os cruzados conquistam a região
- 1291 – Derrota final dos Cruzados e restabelecimento do controle muçulmano
- 1516 – Início do controle otomano
- 1918 – Derrota dos Otomanos; início do controle britânico
- 1919 – Incorporação ao Mandato Britânico da Palestina
- 1947 – Resolução 181 das Nações Unidas
- 1948 – Criação do Estado de Israel
- 1967 – A maior parte da Judeia histórica é capturada por Israel
Depois da Diáspora
Ouve-se frequentemente dizer que se Israel permitisse que os palestinianos tivessem um país, haveria paz no Médio Oriente. A mim, depois de rever a história, parece-me que as pressões terão muito mais efeito se incidirem sobre o Hamas.
E é muito curioso que digam isso porque Israel já aceitou várias propostas, três das quais por iniciativa dos israelitas, para a criação de um Estado Palestiniano. Todas foram recusadas pelos palestinianos, ou melhor, por quem os representa. Ora, vejamos:
- Em 1936, os árabes revoltaram-se contra os britânicos (que administravam a região) e contra os seus vizinhos judeus. A Comissão Peel, encarregue de perceber as causas da rebelião, concluiu que as mesmas decorriam da vontade dos árabes e dos judeus de governar o mesmo território. Para esta Comissão, a solução passava pela criação de dois Estados independentes – um para os judeus e outro para os árabes – sendo que a divisão sugerida era favorável aos árabes, pois ficavam com 80% do território em disputa. Os judeus, mesmo ficando com apenas 20%, votaram a favor da proposta. Contudo, os árabes rejeitaram-na e voltaram à violência;
- Em 1947, os britânicos pediram às Nações Unidas uma nova solução para parar as tensões e a violência. A ONU também propôs a criação de dois Estados, através da divisão territorial, mas mais equilibrada. Os judeus aceitaram, os árabes não, tendo iniciado uma guerra (Egipto, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria) contra os judeus, que perderam;
- Em 1967, como resultado da vitória na guerra dos seis dias, Jerusalém, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza passaram a ser administradas por Israel. O Governo israelita ficou dividido quanto ao que fazer com estes territórios. Havia quem quisesse devolver a Cisjordânia à Jordânia e a Faixa de Gaza ao Egipto em troca de paz, e quem defendesse a devolução aos árabes da região que tinham passado a denominar-se “palestinianos”, esperando que estes construíssem aí o seu Estado. Contudo, na sequência dos “Três Nãos” decididos pela Cimeira da Liga Árabe em Cartum – Não à paz com Israel; Não ao reconheceremos do Estado de Israel; Não às negociações com Israel – nova rejeição árabe aconteceu;
- Em 2000, o Primeiro-Ministro israelita, Ehud Barack, reuniu-se em Camp David (EUA) com o Presidente da Organização para a Libertação da Palestiniana, Yasser Arafat, para concluir um novo acordo para a criação de dois Estados. Foi oferecido a Arafat toda a Faixa de Gaza, 94% da Cisjordânia com Jerusalém-Oriental como capital. Arafat recusou tudo (na altura, o Presidente Clinton afirmou que “Arafat esteve aqui 14 dias e disse não a tudo”).
- Em 2008, Ehud Olmert foi ainda mais longe do que Ehud Barack, juntando mais território à proposta anterior. Infelizmente, tal como o seu antecessor, Mahmoud Abbas recusou.
Resumindo, os árabes recusaram todas as soluções apresentadas, incluindo uma em que ficavam com 80% do território. E todas as vezes que as propostas foram recusadas, a violência árabe foi a resposta. Perante estes factos, pergunto se não é efectivamente melhor colocar a pressão no Hamas para que estes olhem pelos interesses dos palestinianos em vez de fazer a guerra?
Diálogo para a Paz. Como?
Há dias, Shahd Wadi, membro da comunidade palestiniana em Portugal, disse que esta comunidade não se revê na ideologia política do Hamas. Eu acredito. Contudo, porque é que o Hamas (e a Fatah) continuam a agir como se fossem os representantes da Palestina? Que fazem pessoas como Shahd Wadi para impedir que isso aconteça? O entendimento com o Estado de Israel não seria mais fácil se o diálogo não acontecesse com grupos terroristas e extremistas? Algumas perguntas são retóricas. Não é difícil perceber a razão que impede pessoas como Shahd Wadi de dizer directamente ao Hamas para se afastar. No entanto, devem ser formuladas.
Não posso deixar de salientar que há cerca de 2 milhões de “palestinianos” que vivem em paz. São aqueles que vivem em Israel. E muito provavelmente serão os árabes que vivem com mais liberdade e segurança de toda a região.
Dito isto, há algo que é demonstrável pela história e infelizmente transversal a todas as culturas e povos. Aqui não é diferente. São os velhos que declaram a guerra. Mas quem acaba por as travar são os jovens, que juntamente com as mulheres, são quem realmente paga o preço.
Do lado árabe, a paz na região depende de três velhos: Ismail Haniyeh, de 61 anos, chefe do Hamas, que vive tranquilamente no Qatar; Ali Khamenei, 84 anos, líder Supremo do Irão; e Mahmoud Abbas, 87 anos, débil e ultrapassado pelo tempo. A legitimidade governativa destes homens advém do medo, sustentado pela força e validado pela deturpação da fé.
Do lado judeu, não é possível desresponsabilizar Netanyahu. Paga agora por decisões que tomou e por negligências que teve. Não obstante, é indesmentível que Israel esteve sempre disponível para aceitar e reconhecer um Estado palestiniano.
O recente ataque do Hamas tem como objectivo arrefecer os entendimentos e debilitar a aproximação de vários países árabes a Israel. Para o Hamas, o bem-estar dos palestinianos é secundário.
Uma última observação não pode deixar de ser feita. Usualmente, Israel reage aos ataques que sofre. A história demonstra-o. Israel tem o direito a defender-se. Vai fazê-lo. Não tem outra alternativa. O Hamas nunca avisa que vai atacar. Sabe que nos colonatos não há bases militares e que Israel não usa os seus cidadãos como escudos humanos. Mesmo assim ataca sem piedade. Já Israel anunciou as suas intenções e deu tempo para os civis saírem das zonas de combate.
Os palestinianos e os israelitas merecem e podem viver em paz. Mas enquanto for o Hamas (e a Fatah) a falar pelos palestinianos, isso dificilmente acontecerá.
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