Taxa de poupança em mínimos históricos a precisar de incentivos

O aumento do custo de vida no último ano reduziu drasticamente a taxa de poupança das famílias, mas é a falta de incentivos (fiscais e outros) que bloqueiam o crescimento do aforro.

Nos últimos três anos assistiu-se a uma forte contração da taxa de poupança dos particulares. Passou-se de uma taxa de 11,87% em 2020, o valor mais elevado dos últimos 17 anos, para 6,46% em 2022, o valor mais baixo de sempre.

O aumento do custo de vida nos últimos anos, causado pela subida galopante das taxas de juro e pela escalada da taxa de inflação, que não foram de todo acompanhados por uma subida dos rendimentos dos agregados familiar, ajudam a explicar a queda vertiginosa da taxa de poupança em Portugal.

“Perdemos a cultura da poupança”, refere João Duque, professor do ISEG, numa recente conferência realizada pelo ECO alusiva ao Dia Mundial da Poupança.

Esta perda cultural é ainda mais relevante quando, em 2020, cerca de dois terços dos entrevistados para o Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa afirmavam ter poupado algum dinheiro no último ano.

O quadro da poupança das famílias em Portugal é também nebuloso quando se compara com a média europeia. Segundo os últimos dados do Eurostat, a taxa de poupança dos 20 Estados-membros da Zona Euro era de 14,9% no final do segundo trimestre deste ano, cerca do dobro da taxa de poupança das famílias portuguesas no mesmo período.

A poupança carece de incentivos

É comum no discurso económico ouvir-se que os agentes económicos respondem a incentivos. Se o preço da água aumentar, por exemplo, é natural esperar-se um menor consumo. É com base neste princípio que também o Banco Central Europeu tem promovido a sua política monetária, ao aumentar as taxas de juro nos últimos 15 meses para resfriar o consumo e o crédito, e assim trazer a taxa de inflação para o objetivo de médio prazo dos 2%.

A poupança também responde a incentivos. Isso viu-se, por exemplo, no início deste ano até maio, com a deslocalização de recursos das famílias de depósitos bancários para Certificados de Aforro, quando os títulos de dívida da República pagavam 3,5% para novas subscrições e a taxa de juro dos novos depósitos a prazo era de 1,26%.

E o mesmo voltou a acontecer, mas de forma inversa, a partir de junho, quando o Estado suspendeu a anterior Série de Certificados de Aforro e emitiu uma nova a pagar menos que a anterior, ao mesmo tempo que os bancos começaram também a subir as taxas de juro dos depósitos.

“70% da poupança [em Portugal] é feita pelos 20% daqueles que mais ganham em Portugal (…) e essas pessoas são tenazmente afetadas pelos impostos.”

João Duque

Professor de Finanças do ISEG

Estes movimentos mostram que os portugueses estão, de maneira geral, atentos às dinâmicas do mercado e reagem prontamente à mudança de incentivos. Isso leva a considerar que, neste aspeto, uma alteração em matéria fiscal das mais-valias dos investimentos financeiros possa gerar um aumento da taxa de poupança das famílias.

João Duque revela, por exemplo, que a poupança está muito concentrada nas camadas de rendimento superior, notando que “70% da poupança é feita pelos 20% daqueles que mais ganham em Portugal”, sublinhando ainda que “essas pessoas são tenazmente afetadas pelos impostos.”

Para Luís Laginha, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a adoção de um quadro fiscal mais amigo dos investidores seriam relevante para estimular mais poupança dos portugueses. “Se se entender que é importante estimular os cidadãos, aqueles que têm poupanças para encontrarem formas alternativas de aplicação das suas poupanças, naturalmente que a fiscalidade é um elemento importante”, refere o presidente da CMVM, em entrevista ao ECO.

O Governo parece também ser da mesma opinião. No relatório do Orçamento de Estado para 2024, o Executivo anuncia que, “de forma a dinamizar o mercado de capitais e o investimento, fundamentais para a expansão e diversificação das fontes de financiamento das empresas e um maior número de oportunidades de investimento e poupança para as famílias, o Governo encontra-se a preparar regimes preferenciais para mais-valias de médio e longo prazo (IRS).”

É importante notar que esta intenção do governo de António Costa não é nova. Já no ano passado falou-se da intenção de haver uma revisão da taxa sobre as mais-valias de ativos financeiros negociados em bolsa, com o intuito de baixar de 28% para 22% para quem detiver títulos entre cinco e oito anos; e para 11% para quem detivesse ações ou obrigações por mais de oito anos. A medida acabou por não avançar.

Atualmente, 62% do património líquido das famílias está concentrado em imobiliário (particularmente no imóvel onde residem). É o valor mais elevado dos últimos dez anos.

Onde está a poupança das famílias?

O conceito da poupança assenta na decisão de adiar um consumo no presente para poder consumir mais ou menos no futuro. Mas para isso acontecer é preciso haver estímulos que promovam essa decisão. Não é o que sucede hoje em Portugal.

Num ambiente atual de taxas de juro reais, pelo menos para quem procura os depósitos bancários como solução para aplicar as suas poupanças, é economicamente percebível que as famílias com capacidade para poupar optem por consumir no presente e não poupar para o futuro. Mais ainda se a expectativa das famílias for que os preços continuem a subir. Afinal, por que razão devem adiar um consumo menor?

No entanto, mesmo que isso aconteça, não é correto concluir que as famílias portuguesas poupam pouco. “As famílias poupam e poupam bastante”, refere João Duque, sublinhando que essa poupança traduz-se é em outro tipo de ativos que não os ativos financeiros, nomeadamente a casa da família.

Atualmente, 62% do património líquido das famílias está concentrado em imobiliário (particularmente no imóvel onde residem). É o valor mais elevado dos últimos dez anos e há sete que esta percentagem apresenta uma dinâmica de crescimento contínuo.

Segundo cálculos do ECO, com base nas mais recentes séries longas do património das famílias (1980-2022) publicadas pelo Banco de Portugal, as famílias portuguesas apresentam um património imobiliário de cerca de 120 mil euros (quase o dobro do que tinham em 1999) e um património financeiro de 55,6 mil euros.

Os dados do Banco de Portugal mostram também que, a seguir ao betão, as preferências das famílias portuguesas recaem nos depósitos bancários ou produtos semelhantes, como Certificados de Aforro e Certificados do Tesouro, que representam quase 30% da sua riqueza líquida.

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