Fed tinha prometido mais uma subida de juros este ano, mas a recente escalada das yields das obrigações permite ao banco central prolongar a pausa no aperto da política monetária.
Com a economia norte-americana a crescer ao ritmo mais elevado em dois anos, o mercado de trabalho a criar mais de 300 mil empregos por mês e a inflação ainda bem acima da meta dos 2%, a Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos tinha os argumentos para justificar um novo agravamento das taxas de juro. Contudo, devido a um improvável aliado, o banco central vai manter a política monetária intacta pela segunda reunião.
Depois de longos meses a aumentar os juros sem que nos mercados se refletisse o correspondente agravamento de política monetária, nas últimas semanas a situação mudou. Apesar da Fed não mexer nos juros desde julho, a taxa de rendibilidade (yield) das obrigações de longo prazo nos Estados Unidos agravou-se de forma acentuada desde a última reunião do banco central, um aperto das condições financeiras que substitui o trabalho da Fed para controlar a inflação.
Desde o final de julho, altura em que as ações em Wall Street atingiram máximos do ano, a yield das obrigações soberanas dos EUA a 10 anos deu um salto de cerca 100 pontos base (1 ponto percentual), tendo superado a fasquia dos 5% pela primeira vez em 16 anos. No mesmo período, o índice S&P500 desvalorizou mais de 10%, entrando em território de correção.
Este aperto das condições financeiras representa uma boa notícia para a Fed, pois contribui de forma decisiva para arrefecer a economia e assim encaminhar a inflação para a desejada meta dos 2%. Enquanto a desvalorização das ações deixa menos dinheiro no bolso das famílias, a taxa das obrigações é determinante para uma série de operações, influenciando os custos de financiamento dos consumidores e das empresas.
A taxa de juro para novos empréstimos à habitação nos Estados Unidos a 30 anos já superou a fasquia dos 8%, um máximo desde o início do século que também se verifica no crédito automóvel. A taxa de juro dos cartões de crédito está em níveis recorde. Os bancos estão a apertar as condições de crédito de forma acelerada, com as estimativas a apontarem para uma descida dos volumes no final do ano.
Na reunião de 20 de setembro, a Fed sinalizou mais uma subida de 25 pontos nas taxas de juro até ao final do ano. Mas desde então, inúmeros responsáveis do banco central efetuaram declarações que sugerem que este aumento pode ficar na gaveta, precisamente devido ao impacto deste agravamento das yields das obrigações.
Mary Daly, presidente da Fed de San Francisco, admitiu mesmo que a recente escalada da taxa das obrigações equivale a um aumento de 25 pontos base nos juros do banco central. Jerome Powell, presidente da Fed, salientou que “as condições financeiras tornaram-se significativamente mais restritivas nos últimos meses”, um desenvolvimento que, se for persistente, “pode ter implicações na trajetória da política monetária”.
“A forte subida das yields das treasuries com prazos mais longos criou um aperto significativo das condições financeiras”, o que “dá à Fed tempo para esperar e avaliar se a sua política monetária é suficientemente restritiva para trazer a inflação de volta ao objetivo”, comentam os economistas do ING.
Fed vai manter porta aberta a subida de juros
É assim quase consensual que no final da reunião do banco central que termina esta quarta-feira seja anunciada a manutenção das Fed Funds em 5,25%-5,5%. A opção deverá ser repetida em dezembro, com o mercado de futuros a atribuir uma probabilidade de apenas 25% a um novo agravamento até ao final do ano. Desde que iniciou o atual ciclo de aperto da política monetária, a Fed agravou os juros em 525 pontos base (5,25 pontos percentuais), num total de onze aumentos.
Apesar de os economistas estimarem que a Fed não voltará a subir os juros no atual ciclo, acreditam que o banco central vai manter a porta aberta a novos agravamentos e reforçar a mensagem de que as taxas vão permanecer altas por um período prolongado (higher for longer).
Existe ainda uma elevada incerteza sobre o rumo da inflação e a Fed não quererá transmitir uma mensagem de maior suavidade que coloque em causa a manutenção das yields das obrigações em níveis elevados. Estaria a contribuir para o alívio das condições financeiras, anulando um efeito que lhe permite atualmente estar numa posição confortável de pausa sem restringir ainda mais a atividade económica.
“Acreditamos que a Fed desejará manter as opções em aberto para um novo aperto” pelo que a declaração de Jerome Powell pós-reunião “manterá a linguagem que sinaliza que algum aperto adicional da política monetária poderá ser apropriado”, referem os economistas do Wells Fargo.
“Os responsáveis da Fed não querem dar ao mercado a desculpa para recuar na reavaliação da mensagem higher for longer das taxas de juro”, destaca o ING. Acrescenta que a Fed pretende “deixar a porta aberta a subidas adicionais se os indicadores económicos o justificarem, temendo que um sinal de que as taxa de juro já atingiram o pico leve os investidores a pressionar em baixa as taxas do mercado, antecipando que o próximo movimento será de corte de juros”.
O objetivo da Fed passará assim por sair da reunião desta quarta-feira com o mesmo status quo e as yields das obrigações encostadas em máximos de 2007. Para esta evolução, o banco central pode ter hoje um importante aliado. O Tesouro dos EUA anuncia esta quarta-feira o plano de emissões de dívida do quarto trimestre, o que pode colocar pressão adicional nas obrigações.
Para financiar o galopante défice orçamental do país, o Tesouro dos EUA tem aumentado substancialmente as emissões de obrigações, o que tem contribuído decisivamente para a escalada das yields, sobretudo porque este aumento da oferta acontece numa altura em que a Fed está a reduzir a relevância do lado da procura pois está a reduzir o seu balanço. A yield das obrigações varia em sentido contrário à cotação, pelo que o aumento da oferta e a redução da procura pressiona o preço em baixa (e a yield em alta).
Do ponto de vista da Fed, é também benigno que esta subida das yields não esteja relacionada com um agravamento das expectativas para a inflação. O crescimento do índice de preços no consumidor (IPC) estabilizou em setembro nos 3,7%, mas a inflação subjacente (exclui alimentos e energia) desceu pelo sexto mês consecutivo, estando perto de quebrar em baixa a barreira dos 4%.
A forte subida das yields das treasuries com prazos mais longos criou um aperto significativo das condições financeiras. Dá à Fed tempo para esperar e avaliar se a sua política monetária é suficientemente restritiva para trazer a inflação de volta ao objetivo.
Recessão ainda está no horizonte
O agravamento das yields também está relacionado com a resiliência da economia norte-americana, reforçando a narrativa de que a Fed tem margem de manobra para manter as taxas de juro em níveis elevados por um período prolongado.
O PIB dos Estados Unidos cresceu a um ritmo anual impressionante de 4,9% no terceiro trimestre, o melhor resultado desde 2021 que foi sustentado por uma evolução robusta do consumo das famílias. A economia criou mais de 300 mil empregos em setembro, desafiando as perspetivas de abrandamento do mercado de trabalho.
À medida que os indicadores económicos dos últimos meses têm saído acima do esperado, os economistas têm vindo a atribuir uma probabilidade cada vez mais reduzida ao cenário de recessão na maior economia do mundo. Mas a hipótese continua em cima da mesa, sendo praticamente inevitável um abrandamento da atividade económica.
“Aguardamos um retrocesso significativo no quarto trimestre após um terceiro trimestre excecional, com uma elevada probabilidade de um retrocesso no PIB”, adverte o Wells Fargo, assinalando que “a força do consumo parece insustentável à luz dos constrangimentos decorrentes do abrandamento dos salários, reinício do reembolso dos empréstimos dos estudantes e condições de crédito mais restritivas”.
Já o ING alerta que “historicamente, numa economia onde o crédito é um motor tão relevante da atividade”, um aperto nas condições financeiras como o atual “corresponde sempre a uma recessão”.
“O nosso cenário base ainda aponta para uma recessão nos EUA em 2024. Será moderada comparando com as do passado, mas ainda assim uma recessão”, referem os economistas do BNP Paribas, que equivalem o recente agravamento das condições financeiras a uma subida de 40 pontos base nas Fed Funds.
Aguardamos um retrocesso significativo no quarto trimestre após um terceiro trimestre excecional, com uma elevada probabilidade de um retrocesso no PIB. A força do consumo parece insustentável à luz dos constrangimentos decorrentes do abrandamento dos salários, reinício do reembolso dos empréstimos dos estudantes e condições de crédito mais restritivas.
Corte de juros antes de meados de 2024
Agora com a ajuda dos mercados, a Fed continua a apostar no cenário de aterragem suave da economia, tendo como perspetiva o crescimento de 2,1% este ano e 1,5% em 2024. De acordo com as projeções avançadas em setembro, o banco central vê a inflação a abrandar para 3,3% este ano e 2,5% em 2024.
Será a evolução da atividade económica e da inflação a ditar o rumo das taxas de juro da Fed, sendo que para já os economistas estão a contar com uma pausa prolongada. Numa sondagem efetuada pela Reuters a 111 economistas, 80% não vê redução de juros antes do início do segundo trimestre. Mais de metade (56%) acredita que a inversão da política monetária acontecerá antes de terminar o primeiro semestre.
Entre os investidores as perspetivas são semelhantes. De acordo com a ferramenta CME FedWatch, que reflete a evolução do mercado de futuros de taxas de juro, a maior probabilidade passa por as Fed Funds ficarem estáveis até maio, com o primeiro corte de 25 pontos base a acontecer na reunião de 12 de junho. Alargando o período até ao final do próximo ano, os investidores estão a atribuir uma maior probabilidade a três cortes de juros em 2024, para 4,25%-4,5%.
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Mercados anulam necessidade da Fed continuar a subir juros
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