Os poderes de Marcelo: nomeia novo Governo ou convoca eleições antecipadas

O Presidente da República fala ao País na próxima quinta-feira depois de ouvir partidos e Conselho de Estado. O mais certo é optar pela dissolução do Parlamento e uma nova ida às urnas.

Com a demissão do primeiro-ministro, António Costa, já aceite pelo Presidente da República, todo o elenco governativo também cai. Agora, Marcelo Rebelo de Sousa pode tomar uma de duas decisões: ou mantém a Assembleia da República, eleita nas legislativas de 2022, e convida o PS a formar um novo Governo – situação que nunca se verificou em Portugal – ou dissolve o Parlamento e convocação eleições antecipadas. Na próxima quinta-feira, o Chefe do Estado fala ao País depois de ouvidos os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado.

O mais certo será optar por uma nova ida às urnas não só porque o primeiro-ministro demissionário já deixou claro que não se recandidata, mas também porque Marcelo já tinha avisado que uma eventual saída de Costa para Bruxelas resultaria em eleições antecipadas.

“Agora que ganhou, e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza de que Vossa Excelência sabe que não será politicamente fácil que essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho”, afirmou Marcelo na cerimónia da tomada de posse do Governo, em março de 2022.

Para além disso, o procedimento formal adotado por Marcelo de ouvir os partidos e o Conselho do Estado é um requisito para a dissolução do Parlamento, segundo a Constituição. Mas antes de tomar esta decisão, tem de ser publicado o despacho da demissão do Governo. Até lá, “o atual Executivo continua na plenitude das funções”, revela ao ECO o constitucionalista Jorge Pereira da Silva.

Orçamento do Estado para 2024 cai com demissão mesmo sem ida às urnas

Tendo em conta a rapidez com que o Presidente quer ouvir partidos e Conselho do Estado, o mais provável é que o diploma da exoneração saia em Diário da República já nos próximos dias, ainda que não exista um prazo legal. Com a sua publicação, “todas propostas de lei, incluindo a do Orçamento do Estado para 2024 caem”, de acordo com o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia.

“As propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo”, de acordo com o n.º6 do artigo 167 da Constituição da República Portuguesa. “Até porque não se poderia entender que este instrumento, que é próprio da governação, fosse imposto a um governo que resulte de um processo eleitoral novo”, esclarece o constitucionalista Fernando Condesso.

A questão coloca-se porque o Orçamento de Estado (OE) já foi aprovado na generalidade. Contudo, explicam Bacelar Gouveia e Condesso, o OE ainda não foi aprovado em votação final global, ou seja, ainda é uma proposta de lei do Governo.

Para além disso, o Governo fica em regime de gestão até nomeação de um novo Executivo ou dissolução do Parlamento. Neste enquadramento, o Executivo encontra-se limitado “à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”. Cabem, nesta interpretação, “a aprovação do aumento do salário mínimo, por exemplo, ou outros processos que já estejam em fase de conclusão”, refere Jorge Moreira da Silva.

Já a privatização da TAP cai completamente por terra, não só “porque o Presidente da República já tinha vetado o decreto-lei que enquadra os termos da venda da companhia aérea, mas porque também é uma opção muito contestada politicamente, ou seja, está longe dos atos estritamente necessários”, segundo o mesmo especialista em Direito Constitucional.

Não há prazos quer para a publicação do decreto da demissão quer para a nomeação de um novo Governo ou dissolução do Parlamento. Porém, tanto Marcelo como Costa parecem estar com pressa. O primeiro-ministro quer “encerrar esta etapa da vida”, o mesmo é dizer que não pretende manter-se em funções durante muito mais tempo.

E o Presidente comunica a sua decisão aos portugueses já esta quinta-feira, depois de consultar os partidos com representação parlamentar e o Conselho do Estado, um requisito obrigatório para a dissolução do Parlamento, de acordo com a Constituição.

A Assembleia não pode ser dissolvida “nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência de estado de sítio ou de estado de emergência”, segundo a Lei Fundamental. Mas estes são cenários que não se colocam neste momento.

Eleições antecipadas têm de se realizar no prazo máximo de 60 dias após dissolução

Então qual o deadline que Marcelo tem de cumprir? “As eleições antecipadas, convocadas pelo Presidente, têm de se realizar a um domingo, entre 55 a 60 dias após a dissolução do Parlamento“, salienta Jorge Moreira da Silva, citando a Constituição e a Lei eleitoral para a Assembleia da República.

“Se o Presidente dissolver a Assembleia da República nos próximos dias, têm de se contar cerca de dois meses para as eleições, depois mais três semanas para a instalação do novo parlamento e mais duas semanas para a aprovação do programa do Governo, ou seja, só teríamos Governo daqui por três meses e meio, em meados de fevereiro“, exemplifica Jorge Bacelar Gouveia.

Só depois o Executivo iria então apresentar um novo Orçamento do Estado (OE) para 2024 que teria de ser novamente debatido e votado pela Assembleia da República. Ou seja, só lá para meados do ano haveria um OE, cenário idêntico ao que Portugal viveu no ano passado, na sequência do chumbo do OE para 2022 e consequente dissolução do Parlamento e convocação de eleições antecipadas. Assim e até novo OE, a despesa pública nacional irá viver em duodécimos de acordo com o orçamento para este ano.

O Presidente da República já dissolveu o Parlamento oito vezes. Ramalho Eanes (1976-1986) dissolveu a Assembleia três vezes: em setembro de 1979, em fevereiro de 1983 e em julho de 1985.

Mário Soares (1986-1996) utilizou uma vez a “bomba atómica”, em abril de 1987. Jorge Sampaio (1996-2006) dissolveu duas vezes a Assembleia da República, em janeiro de 2002 e em dezembro de 2004. Aníbal Cavaco Silva (2006 a 2016) dissolveu uma vez o Parlamento, em abril de 2011.

E Marcelo Rebelo de Sousa, eleito pela primeira vez em 2016, usou esse instrumento em 2021, na sequência do chumbo do Orçamento do Estado para 2022.

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