BRANDS' ECO Cooperativas centenárias marcam presença na II CICLP

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  • 13 Novembro 2023

O município de Torres Vedras recebeu, nos dias 3, 4 e 5 de novembro, a II Cimeira Internacional de Cooperativas de Língua Portuguesa. Várias cooperativas centenárias marcaram presença no evento.

A II Cimeira Internacional de Cooperativas de Língua Portuguesa, organizada conjuntamente pela Caixa de Crédito Agrícola e Mútuo de Torres Vedras, pela Cooperativa do Povo Portuense e pelo Instituto Antero de Quental, decorreu, de 3 a 5 de novembro, em Torres Vedras.

“Intercooperação e trabalho em rede” foi o tema do evento, que recebeu vários especialistas e cooperativas centenárias para apresentarem o seu testemunho.

Na abertura do evento, Manuel Guerreiro, presidente do Conselho de Administração da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras (CCAMTV), começou por dizer que “o contexto económico global e europeu obriga-nos a debater os diversos modelos de negócio da fileira cooperativa” e acrescentou: “Um amplo pressuposto é que as cooperativas não devem funcionar apenas de forma empresarial para sobreviverem no mercado capitalista, mas isso negligencia o interesse das cooperativas enquanto agentes de justiça, o que as torna relevantes, diferenciadoras, e lhes dá competitividade”.

“O cooperativismo é um modelo que vinga pelo seu mérito. No mundo, uma em cada sete pessoas está associada a uma cooperativa“, continuou o presidente da CCAMTV, ao mesmo tempo em que explicou que, depois da crise financeira de 2007-2008, “tem existido por parte da academia um renovado interesse nos modelos de trabalho das cooperativas, dado que estas oferecem alternativas aos discursos de austeridade e ao capitalismo de consumo“.

Este interesse também é justificado pelo facto de, quer na crise financeira global de 2007-2008, quer na crise financeira portuguesa de 2011 a 2013, a banca de teor mutualista não ter necessitado de apoio público. “E isto, deve-se ao facto de serem localmente bem geridas. É no primado da competitividade, ou seja, no ´fazer melhor e de forma diferente´ que as cooperativas se assumem como um modelo de organização de sucesso”, rematou.

Manuel Guerreiro, presidente do Conselho de Administração da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras (CCAMTV)

O lucro como decisor do futuro das Cooperativas

No primeiro painel de debate, Rui Moreira de Carvalho, professor universitário ISCTE, afirmou que “no movimento cooperativo importa o lucro”: “Sem lucro não há nenhuma continuidade. Agora tem de ser um lucro equilibrado, responsável e democrático”.

A mesma opinião foi partilhada por Ricardo Reis, professor da Faculdade de Economia na Universidade Católica de Lisboa, falou de um estudo que fez sobre as cinco Caixas de Crédito Agrícola independentes, que lhe permitiu perceber que a resposta para o sucesso destas Caixas “está na intercooperação e no trabalho em rede”.

Por sua vez, Manuel Guerreiro explicou que a banca cooperativa não segue exatamente os mesmos pressupostos da banca comercial: “Os nossos lucros são transformados em reservas ou em capital e no capital próprio não se mexe. Nas sociedades comerciais e bancárias, 50% dos resultados são sempre para atribuir ao acionista. Mas nas Caixas Agrimútuo nós não queremos fenómenos de mutualização. Os capitais de cada uma das caixas garantem as suas situações e os seus riscos. Se nós nos associarmos em organismos centrais, importamos um novo risco, um risco sistémico. Por isso, não substituímos o risco individual pelo risco coletivo”.

De acordo com Luís Morais, professor da Faculdade de Direito na Universidade de Lisboa, esta natureza híbrida das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, na qual coexiste a matriz cooperativa e a sua atividade bancária como instituição de crédito, “é o que explica que estas instituições se rejam não apenas pelo regime jurídico das Caixas Agrícola Mútuo, mas também, a titulo subsidiário, pelo regime jurídico das instituições de crédito de sociedades financeiras, pelo código cooperativo e pela demais legislação aplicável às cooperativas”.

Cooperativas com mais de 100 anos de história

O segundo dia da II Cimeira Internacional de Cooperativas de Língua Portuguesa ficou marcado pelos seus seis painéis de debate, que abordaram temas como a intercooperação, a competitividade territorial, os desafios e oportunidades da banca, a educação e a inovação.

Neste dia houve, ainda, um espaço para receber as cooperativas centenárias, nomeadamente a Cooperativa do Povo Portuense, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, a Cooperativa UFOCP Ramalde, a Cooperativa Operária Portalegrense, e a Cooperativa Scafa, que partilharam um pouco da sua história e explicaram como mantiveram a sua resiliência.

Manuel Guerreiro, presidente do Conselho de Administração da Caixa de Crédito Agrícola Torres Vedras, começou por explicar a história do cooperativismo de crédito, que nasceu na Alemanha, “através de bancos sem capital, ou seja, nasceram com base na mutualização do risco”. “Em Portugal, e até 1982, as pessoas associavam-se numa cooperativa de crédito, respondendo de forma solidária com o seu próprio património. O capital destas instituições era feito através do capital dos seus associados, ou seja, a noção de capital social era substituída pela de cadastro social. Isto tinha que significar um bem maior para os associados correrem este risco”, disse.

A partir de 1982, as Caixas de Crédito Agrícola em Portugal geraram um movimento de capitalização. E, por força desse movimento, o responsável pela Caixa de Crédito Agrícola de Torres Vedras afirmou que esta instituição tem, hoje, “entre capital e reservas, um valor próximo dos 100 milhões de euros”.

O movimento de cooperação e de entreajuda está, por isso, na raiz da criação de todas as cooperativas centenárias. Exemplo disso é o motivo que levou à fundação da Cooperativa do Povo Portuense CRL, criada há 123 anos para suprir necessidades objetivas da classe operária da cidade do Porto. Manuel Alexandre Sola, presidente da Assembleia-Geral da Cooperativa do Povo Portuense CRL, explicou que o intuito da instituição era, sobretudo, melhorar “a vida de exploração em que viviam os operários” e dar-lhes “um funeral e um fim de vida digno”.

Também a Cooperativa UFOCP Ramalde Scrl, que faz este ano 131 anos, foi fundada por operários que, neste caso, tinham a seguinte máxima: “Façamos por nossas mãos”. De acordo com Manuel Joaquim Nogueira, da Cooperativa UFOCP Ramalde Scrl, “a génese da cooperativa foi criar uma instituição que pudesse intervir e ajudar os operários que, nessa altura, passavam algumas dificuldades”. Atualmente, esta instituição dedica-se a uma atividade mais cultural, “com teatro e eventos para os associados, e sempre numa perspetiva de trazer aos associados, à cidade e à freguesia o espírito de cooperação e de associativismo”.

A mesma linha foi seguida pela Cooperativa Scafa que, de acordo com Mário Eugénio, responsável pela instituição, foi criada com o objetivo de “oferecer todos os artigos necessários à alimentação e vestuário dos sócios”. Atualmente, a atividade da Cooperativa “resulta de um supermercado, de um café e dos Jogos Santa Casa”.

O responsável explicou ainda que, com a chegada das grandes superfícies, tiveram algumas dificuldades, mas conseguiram supri-las. O mesmo não aconteceu com a Cooperativa Operária Portalegrense, que, dos seus 125 anos de existência, ficou 40 anos inativa. Esta inatividade aconteceu, segundo Alexandra Janeiro, responsável pela instituição, “depois do 25 de abril e com a chegada de supermercados”. “No entanto, há oito anos fomos convidados para formar uma nova direção e começamos novamente a trabalhar no propósito da Cooperativa”, referiu.

A resiliência e a capacidade de adaptação de todas estas cooperativas centenárias demonstram a importância do modelo de cooperativismo enquanto impulsionador de uma eficácia organizacional. Manuel Guerreiro relembrou isso mesmo: A história secular das nossas organizações é um exemplo da nossa eficácia, ou seja, da nossa governance, e da nossa eficiência. A nossa rentabilidade assenta em indicadores económicos únicos e resilientes no sistema financeiro português e global. A nossa longevidade e os nossos indicadores oferecem evidência de como é difícil desafiar ou subverter estes valores e rácios”.

Percebe-se, por isso, a razão de o cooperativismo “ter mais expressão nos países mais desenvolvidos, ser uma característica das sociedades mais modernas” e, ainda, ter presença em diversos setores, como o de crédito, de consumo, de habitação, de ensino, de seguros, entre outros, em vários países do mundo.

Também nesse campo, Manuel Guerreiro deu alguns exemplos. “Recordo os exemplos de sucessos tais como as uniões de crédito nos Estados Unidos, Canadá e Irlanda; cooperativas na América Latina tais como a Unimed, as mineiras; microcrédito em países como Bangladesh e Quénia; finanças islâmicas; e a experiência das dezenas de Caixas de Crédito Agrícola Mútuo locais, das cooperativas de leite, de ensino, de fruta, de construção, em Portugal.

O sistema social em Portugal e a falta de diálogo

Os desafios do setor agroalimentar cooperativo, as novas respostas cooperativas no setor da saúde e, ainda, o sistema social em Portugal foram o mote dos três debates do último dia do evento.

“Antes do 25 de abril, os temas de proteção social fizeram com que déssemos passos muito importantes na área da saúde, com a criação dos centros de saúde e de vacinação; outro no Sistema de Previdência, com a criação do regime de proteção social para os rurais e, ainda, a possibilidade de as mulheres, que sempre tinham trabalhado só em casa, terem direito a descontar e a uma pensão. Depois, o 25 de abril trouxe-nos aquilo que nos faltava”, começou por dizer a jurista Maria de Belém Roseira.

A jurista acrescentou também que, nesse sentido, a criação da CPLP contribuiu para uma cultura comum, “uma cultura que está assente numa língua comum e numa forma de estar que devemos honrar”.

Por sua vez, o ex-ministro e jurista Pedro Mota Soares, também destacou as dimensões da saúde e da Segurança Social como fundamentais dentro sistema social, mas alertou para a necessidade de uma melhor capacidade de comunicação: “O sistema social não é monolítico, temos a dimensão da saúde e da Segurança Social. E, dentro da dimensão da Segurança Social, nós temos a Previdência, mas também a dimensão da solidariedade, e era bom que, dentro dos sistemas sociais, a saúde e a segurança social tivessem uma melhor capacidade de diálogo”.

Nesse sentido, o jurista reforçou a importância de se entender que o sistema social não é composto apenas pelo Estado. “Eu não posso desresponsabilizar o Estado sobre as funções que tem, que permitem que estas entidades desempenhem o seu papel, no entanto, o sistema social é muito mais holístico do que um ou dois ministérios. E se há uma matéria em que é possível exercer cooperação, é na matéria da economia social”, concluiu.

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