A insustentável leveza de um comunicado da PGR

Chegados aqui, a esta gralha ou lapso do MP na confusão de nomes dos Antónios, a PGR não acha necessário explicar ao país, da mesma forma que o fez no dia 7 de novembro?

À hora que escrevo este artigo de opinião (17.30 do dia 12 de novembro) passaram cinco dias desde que Portugal acordou com as detenções de personalidades próximas de António Costa e constituição de arguido de um ministro (João Galamba). À medida que o dia avançava – um dia que pareceu dois – o cenário ia piorando. Com a ida de Lucília Gago a Belém, pressentiu-se que daqui só poderia vir algo ainda pior do que aconteceu no dia 24 de novembro de 2013, em que o país assistiu em direto à detenção de José Sócrates, à data já ex-primeiro ministro.

E assim se confirmou. Num comunicado enviado pelo gabinete de Lucília Gago, ficámos a saber que António Costa, o primeiro- ministro socialista que ganhara há dois anos com maioria absoluta, estava a ser investigado num processo enviado para o Supremo Tribunal de Justiça, por suspeitas de favorecimento nos negócios do lítio, hidrogénio e de um data center, em Sines.

Foi talvez uma das poucas vezes que os portugueses (e jornalistas) ficaram a saber pela própria fonte oficial da investigação criminal da existência de uma investigação a uma personalidade mais do que mediática. E não pelas usuais fontes anónimas de meios de comunicação social do costume sob as vestes do “o x apurou junto de fonte ligada ao processo”. Não era para menos, já que foi também a primeira vez na história da nossa democracia de 50 anos que se soube que um chefe de Governo estava a ser investigado. Costa não tardou a pedir a sua demissão (duas horas depois do comunicado e das idas a Belém).

Um comunicado que já fica para os anais da história da Justiça portuguesa como o mais intrigante. E que optou por, apenas no último parágrafo, como se fosse o assunto menos importante das duas páginas, se referir ao processo a decorrer contra António Costa no Supremo. E que ainda levou a que fosse feito um segundo, na sexta-feira à noite, avisando que a investigação a Costa será célere, em resposta a Marcelo.

O choque entretanto começou a amainar, as notícias e informações começaram a ser divulgadas através de um despacho de indiciação do Ministério Público (aí já acessível a quase todos dois dias depois, pela porta do cavalo) e começou-se a perceber que talvez esta bomba lançada pelo MP pode também ficar para os anais da nossa Justiça portuguesa como o maior ‘flop’. Um pequeno ‘pormenor’, num parágrafo, que derrubou um Governo. Apenas isso.

Lembremo-nos o que aconteceu à elétrica EDP, com o chamado processo dos CMEC, que derrubou António Mexia e que, ainda hoje, 12 anos depois, espera uma acusação. Ou lembremo-nos do chamado de caso Vistos Gold. De toda a montanha gigantesca criada – que resultou em 47 crimes na acusação do Ministério Público e à demissão do ministro Miguel Macedo – distribuídos por 17 arguidos e em que um terço eram, à data, altos quadros do Estado – ficaram resumidos a sete. Sete crimes provados em fase de julgamento, em 2019. E Miguel Macedo acabou absolvido.

Mesmo no meio jornalístico, quem se gabou durante a semana de ter descoberto a pólvora criminal da nata política portuguesa, já começa a retratar-se e assume que a prova não é firme e que faltam as contrapartidas reais. Dizendo que uma coisa é a investigação jornalística e o “diz que disse” e outra é a investigação feita pelo Justiça. Relembrando a presunção de inocência, agora chegados a um ponto em que há um Governo que foi derrubado.

O cenário piora quando, este domingo, Portugal acorda com outra ‘bomba’ – avançada pela CNN Portugal – em que se percebe que o Ministério Público trocou, no despacho de indiciação ao transcrever uma das escutas, o nome de António Costa pelo do ministro da economia, António Costa e Silva. Em causa a transcrição de uma escuta telefónica entre Lacerda Machado e Afonso Salema, denunciando que o amigo do PM iria mover influência junto de “António Costa” (primeiro-ministro), quando na verdade Lacerda Machado referia-se a António Costa Silva. A omissão do último apelido de Costa Silva gerou a perceção de que Lacerda Machado disse ao telefone que iria interceder diretamente junto do seu amigo António Costa em prol dos interesses da Start Campus. Chegados aqui, oito horas depois dessa notícia ser divulgada e do próprio MP, no decorrer dos interrogatórios judiciais ter assumido que isso aconteceu – apesar de dizer que foi apenas uma ‘gralha’ – a titular da investigação criminal não acha necessário explicar este ‘lapso’ (para ler de forma irónica) ao país, da mesma forma que o fez, na manhã de terça-feira, 7 de novembro. O que esperar daqui? Vamos aguardar serenamente (ou não) as cenas dos próximos episódios. Mas com doses de pipocas ‘não discipiendas’.

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