Com a polémica saída do anterior CEO, a cimeira tecnológica perdeu "key players". Ainda assim, o primeiro dia do evento mostrou que pode não ser um problema grave.
O nevoeiro que desceu sobre o Parque das Nações na manhã de terça-feira parecia ter sido encomendado para ilustrar a nuvem sob a qual arrancou o primeiro dia completo da Web Summit 2023. Órfã do fundador e CEO, PaddyCosgrave, autor de um harakiri digital, a conferência de tecnologia que já foi a maior da Europa iniciava uma nova fase, com uma nova liderança a tentar prolongar a grandiosidade do certame.
Na travessia da estrada que divide a Estação do Oriente do Centro Comercial Vasco da Gama havia a habitual azáfama, com centenas de pessoas a acelerarem em direção à FIL, os crachás e a chuva de idiomas a retirarem qualquer dúvida sobre o destino. A semelhança face a anos anteriores terminava aí, no entanto, pois as multidões — tanto para o registo como para a entrada ao recinto — eram claramente menos densas.
No Fórum (espaço reservado aos oradores) e no Media Village, havia até lugares vazios, em contraste com a luta intensa por assentos em edições passadas. Durante a manhã, andar pelos corredores dos cinco pavilhões provocava alguma estranheza.
Primeiro, a ausência dos grandes stands das gigantes tecnológicas como a Amazon, a Meta, a IBM, a Google entre outras que “cancelaram” o evento depois de, a 13 de outubro, Cosgrave ter classificado numa rede social a reação de Israel ao ataque do Hamas como “crimes de guerra”. Em segundo lugar, os pavilhões pareciam menos populados que habitualmente, com espaço para os participantes circularem, sem terem de evitar colisões.
“Não é ideal, mas vai funcionar bem”
Pouco a pouco, ao mesmo tempo que, simbolicamente, o sol ia derrotando as nuvens nos céus lisboetas, os diferentes espaços do recinto foram se enchendo e as plateias das sessões se compondo, não a abarrotar como no passado, mas longe de vazias.
O entusiasmo dos participantes mostrava também que o anuncio da morte da Web Summit poderá ter sido prematuro. Tiago Matsumoto, chief marketing officer da Atlantic Hub e que se apresenta como um resumo da globalização – “um brasileiro, japonês, com uma empresa em Portugal que ajuda empresas brasileiras a abrir operações neste lado do Atlântico” – esteve em todas as edições até agora em Lisboa.
“Para nós este evento é muito importante porque é uma oportunidade de fazer uma imersão no mundo dos negócios em Portugal durante a semana”, diz, adiantando que está a levar 150 empresários brasileiros a visitar organizações como a EDP, a Nova e a Câmara Municipal de Lisboa, para “mostrar o que é Portugal”, num exercício que desde a primeira Web Summit em 2016 já fez com mais de 2 mil empresários do “país irmão”.
Sobre a polémica que ensombrou as semanas que precederam o evento, Matsumoto admite que “perder grandes players é sempre negativo”, mas adianta que no final continua a ser um evento no qual há muitos contactos, muita tecnologia e informação para descobrir. “Não é o cenário ideal, mas acho que vai funcionar bem”.
De Kiev para Lisboa
Se o conflito no Médio Oriente esteve no centro da polémica que acabou por afastar Paddy Cosgrave, várias big tech e o estado israelita da cimeira, na torre de Babel que é a Web Summit encontramos participantes que vieram para Lisboa de outra zona de guerra – a Ucrânia – à procura de financiamento.
Arsenni Feshchenko é cofundador da birb, uma startup ucraniana que usa Inteligência Artificial (IA) para juntar procura e oferta no mercado de arrendamento residencial. “É só preciso dizer, por voz, o que procura num apartamento, e a nossa IA irá reconhecer isso tudo e encontrar a solução perfeita”, explica.
A empresa foi lançada em Kiev há um par de anos, adianta, financiada por uma agência imobiliária, e apesar do conflito que começou em fevereiro de 2022 já tem tração em Kiev – com meio milhão de transações. Já lançou uma operação em Londres e quer expandir para outras cidades europeias como Lisboa.
Em Kiev, “a vida continua, as pessoas estão a arrendar os seus apartamentos, e há pessoas que fogem da zona mais afetadas pelo conflito”. Feshchenko adianta que acredita no ecosistema tech ucraniano e que a Web Summit serve para mostrar isso.
A empresa veio ao evento para angariar financiamento para a expansão internacional. “Sabemos que é fácil para nós criar um produto, mas não é tão fácil adquirir novos clientes via marketing, portanto precisamos de investimento, estamos à procura de investimento seed, cerca de um milhão de euros“. Sobre a polémica em torno de Cosgrave, Arsenni Feshchenko diz que é apenas “ruído”
A meio do dia já se viam as filas tradicionais para algumas das experiências que alguns dos stands da Web Summit usam para atrair atenção, como um escorrega em espiral, uma mesa de pingue-pongue ou uma sessão de realidade virtual. À espera, os participantes comunicavam no léxico clássico do evento – hubs, sementes, scaleups, ecosistemas, incubadoras.
AI, AI, AI
Mas este ano há uma sigla que representa duas palavras e que domina a cimeira. AI, AI, AI. Além de dezenas de painéis sobre a Inteligência Artificial (IA em português, AI em inglês), quase todos os outros e as conversas informais acabam por chegar lá.
“Aqui o que está pegando agora é IA, quase que não há outro tema”, refere Luiz Fernando, dono de uma agência de marketing digital que opera no Brasil e em Portugal. “Por exemplo como é que vai estar cada vez mais influenciando o marketing, a comunicação, portanto para mim é importante”.
Onde a tecnologia vai, segue o capital. Ou vice-versa, eventualmente. Em qualquer caso, no Investor Lounge, um dos espaços mais exclusivos da Web Summit e onde pairam os que vêm à procura de oportunidades para investir o capital, o tema central é, naturalmente, a IA.
O espaço é patrocinado pela PitchBook, empresa que fornece e analisa dados financeiros sobre capital de risco, private equity, fusões e aquisições, investimento de impacto e vários segmentos da indústria de tecnologia. Sediada em Seattle, com base europeia em Londres, é detida pela gigante MorningStar e tem escritórios em 10 países.
“Esta é a nossa quarta Web Summit como patrocinadores do Investor Lounge”, refere Abby Rankin, gestora de comunicação do grupo. Questionada sobre o interesse na IA, aponta logo para os resultados de uma sondagem feita pela PitchBook junto dos investidores.
Num inquérito preenchido por 111 investidores na área do capital de risco, 62,2% disseram que a IA e o machine learning têm o maior potencial de disrupção das tecnologias emergentes, um aumento em relação aos 29% dos 12 meses anteriores.
Mais interessante, quase um terço dos investidores indicou que utiliza regularmente IA para avaliar oportunidades de investimento.
Sobre a polémica que rodeou esta edição da Web Summit, Rankin explica que a PitchBook está no evento focada em juntar pessoas de inovação e tecnologia.”
(Esta notícia foi corrigida às 14h07 para alterar a fonte de uma citação que foi incorretamente atribuída a Abby Rankin, da PitchBook)
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“É ruído”. Polémica não trava Web Summit focada na Inteligência Artificial
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