O novo aeroporto de Lisboa – Parte II

A decisão do novo aeroporto de Lisboa deveria ser enquadrada numa política nacional aeroportuária, e acima disso, numa política de transportes e mobilidade.

O Eng. Carlos Matias Ramos, ex-Bastonário da Ordem dos Engenheiros e ex-Presidente do LNEC escreveu aqui no ECO um artigo acerca do novo aeroporto de Lisboa, em que refere ser uma reflexão ao artigo que eu havia escrito na semana anterior.

Não conheço o Eng. Carlos Matias Ramos pessoalmente, mas agradeço-lhe o artigo que escreveu. Primeiro, porque o seu curriculum mostra alguém com um profundo conhecimento nestas temáticas, e é sempre bom aprendermos com quem, em determinadas áreas, sabe mais do que nós. Depois, porque amigos comuns referem-me tratar-se de alguém de elevada craveira moral, profissional e cívica. Uma vez que o seu artigo é baseado em argumentos e numa discussão séria, sólida e cordata, é meu dever (mas também privilégio), responder.

Não quero entrar na discussão sobre condições aeronáuticas ou de engenharia civil. Não sou a pessoa indicada para dizer se o aeroporto “A” ou “B” é o mais indicado para determinado tipo de aviões ou se as obras de engenharia são mais ou menos difíceis.

O meu artigo procurava analisar a questão do ponto de vista económico e financeiro (creio que a questão de transportes é de facto multidisciplinar, e daí dois dos meus coautores serem engenheiros: o Carlos Oliveira Cruz no Técnico e o Sérgio Domingues em Antuérpia). E tinha quatro grandes objetivos/ideias (que talvez a fraca qualidade da minha escrita possa não ter permitido uma clara explicitação dos mesmos):

  • Primeiro, que a decisão do novo aeroporto de Lisboa deveria ser enquadrada numa política nacional aeroportuária, e acima disso, numa política de transportes e mobilidade. Em que o mais relevante seja o efeito dos transportes na competitividade da economia, na mobilidade de pessoas e bens, na segurança do transporte, na sua eficiência energética, bem como na melhor alocação possível de recursos e dentro da reta de restrição orçamental existente. E isso não foi feito.
  • Segundo, que para Lisboa a Portela é fundamental. É uma peça crítica da competitividade da cidade e da região, sobretudo (embora não só) no turismo. Portanto, qualquer solução terá de ser sempre “Portela +1”, seja o “+1” qual for.
  • Terceiro, que havendo várias infraestruturas aeroportuárias disponível em redor de Lisboa (não apenas o Montijo, mas também Alverca, por exemplo), que me parece fazer mais sentido aproveitar essas infraestruturas para complementar a Portela, do que fazer um aeroporto de raiz, mesmo que seja por fases, como defende o Eng. Carlos Matias Ramos, para Alcochete. Creio que há de facto que estudar se dado o investimento necessário numa opção “+1” já existente (embora com necessidade de “upgrade”), é economicamente viável avançar para um “+1” de raiz.

E para quando a discussão se Alverca não poderá fazer mais sentido que o Montijo? O governo avançou para “Portela + Montijo”, mas sem apresentar nenhuma evidência que “Portela + Alverca” ou “Portela + Alcochete por fases”, ou que qualquer outra seja inferior. A bem de um debate sério, claro e transparente, convinha que o governo disponibilize os estudos que levaram à escolha de “Portela + Montijo” (que continuo a achar que me parece a menos má das escolhas, mas como em tudo na vida, estou aberto a ouvir outras opiniões, ler outros estudos, e “se os factos mudarem, mudar a minha opinião”).

  • Quarto, que havendo novo aeroporto na margem sul, seja qual for a solução, há um interesse cruzado da Vinci, entre a concessão aeroportuária e a concessão das pontes sobre o Tejo. Não é irrelevante, a meu ver, que o concessionário dos aeroportos tenha 50% da Lusoponte. O benefício adicional de um novo aeroporto não se traduz apenas no aumento de tráfego automóvel nas duas pontes. É importante relembrar que qualquer nova travessia a Lusoponte terá o direito de preferência. Aqui a Vinci pode ter um benefício adicional (aquilo que o Tribunal de Contas têm chamado nas PPPs – embora o nome seja estranho para um economista – de “benefícios sombra”), de vários milhões de euros/ano no tráfego rodoviário, mas um benefício de centenas de milhões de euros na construção e operação da nova travessia e um eventual aumento do período de concessão. Convinha que esta situação seja acautelada, para não sermos outra vez (nós contribuintes), perdoem-me a expressão, “comidos de cebolada” numa PPP.

Mas existe alguns aspetos com os quais discordo do Eng. Carlos Matias Ramos. O primeiro tem a ver com a distância de Lisboa ao novo aeroporto, em que ele aceita que essa distância possa ser de 40 ou mais km. Para isso dá o exemplo de Londres e Paris. Mas eu não quis usar esses exemplos no meu primeiro artigo de propósito: Lisboa não é comparável a essas duas cidades. Lisboa compete com Madrid, Barcelona, Copenhaga, Dublin, Estocolmo, Amesterdão, etc. E todas essas cidades tem acessos fáceis, rápidos ao seu aeroporto, que está entre 10-20 km do centro de cada cidade.

Depois eu não referi a expansão de Figo Maduro como forma de aumentar os movimentos hora (isso não faria sentido), mas “apenas” como forma de reduzir a maior restrição da Portela, que é o estacionamento de aeronaves. Creio que ainda há uma margem grande para um aumento de eficiência técnica, tecnológica e de gestão na Portela. Também o “stress” que refiro no meu artigo foi o da final da Liga dos Campeões, e não o do Euro 2004. De facto, dado o período de cerca de um mês de duração do Europeu, a questão principal era de capacidade do terminal. Terminal que foi bastante ampliado desde 2004 e criado o Terminal 2, hoje dedicado às low-costs.

Por último, agradeço de novo o artigo do Eng. Carlos Matias Ramos. Creio que há ainda muito para discutir nesta temática. Convinha que os poderes políticos parassem para que a decisão do “+1” da Portela não venha a ser uma decisão errada, que perdurará por algumas décadas.

Da minha parte, cá estarei para modestamente dar o meu contributo. E como sempre na vida, pronto para continuar a estudar e a aprender.

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