A aprovação do OE 2024 é um erro de Marcelo
A aprovação da proposta do governo demissionário é um erro sério, pois as suas opções não contribuem para objectivos de longo prazo
A aprovação do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), permitida e desejada pelo Presidente da República, foi mais um dos erros da sua relação com os socialistas. O maior erro de todos foi o contributo decisivo que o Presidente deu para a destruição do espírito reformista das políticas públicas que existia em Portugal em 2015, mas este é também muito sério.
Portugal defronta-se com uma série de problemas que já se avolumam há 8 anos, sendo que alguns têm origem há mais de duas décadas. Existe um alargado consenso na sociedade portuguesa de que os problemas são de índole estrutural, mesmo que em alguns casos tenham efeitos de curto prazo que, por vezes, requerem intervenções mais imediatas.
O orçamento é um instrumento de curto prazo, pois destina-se a apresentar uma previsão das receitas e despesas do Estado para o ano civil seguinte. Mas apesar de ser um instrumento de curto prazo, deve inserir-se numa lógica de longo prazo e dos objectivos que a sociedade pretende alcançar, tudo visando a melhoria do nível de vida de todos os portugueses.
Perante os vários problemas de índole estrutural com que Portugal se defronta, a política orçamental deve ser parte integrante da implementação das necessárias reformas para os resolver. Ou seja, a política orçamental deve contribuir para os objectivos de longo prazo do país e não do Estado, como muitas vezes é confundido, pois o Estado está ao serviço do país e não o contrário, e os objectivos de cada um nem sempre são coincidentes.
Se abordarmos o OE2024 nesta perspectiva, torna-se evidente que a aprovação da proposta orçamental do governo demissionário é um erro sério, pois as opções contidas no documento nem contribuem para objectivos de longo prazo nem para a implementação de reformas para resolver os graves problemas do país.
Como os socialistas não têm objectivos de longo prazo para Portugal porque preferem entregar o destino de Portugal à União Europeia, onde Costa ambiciona ter um cargo pomposo (que a sua inabilidade para escolher “amigos” pode ter comprometido definitivamente), torna-se impossível que a política orçamental participe para os alcançar.
E como os socialistas não sabem ou não querem fazer reformas estruturais, também não é possível definir uma estratégia orçamental que nelas se integre e que contribua para a sua implementação.
Por isso o orçamento para 2024 repete o problema de todos os orçamentos socialistas anteriores, limitando-se a ser um instrumento para tentar resolver problemas imediatos. A visão que está subjacente ao OE2024 traduz-se em políticas públicas para o máximo horizonte temporal que os socialistas conseguem vislumbrar: 50 semanas.
Como as questões estruturais não se resolvem em poucas semanas, a política orçamental socialista não passa de um “atirar” com dinheiro e recursos para cima de temas com problemas sérios e profundos como a saúde, a justiça, a educação, a defesa ou a segurança.
Isto é confirmado pela forma como é elaborado o orçamento, que ignora duas regras base:
- Definir primeiro qual o montante de impostos que pode ser cobrado sem retirar os meios necessários às empresas e às famílias para investir e escolher o seu futuro, de forma a não comprometer o desenvolvimento económico da sociedade;
- Considerar a fase do ciclo económico para poder poupar em anos de crescimento de forma a ter margem para investir em tempos difíceis, como a formiga da fábula de La Fontaine.
Os socialistas fazem precisamente o contrário porque consideram que o Estado é o motor do desenvolvimento económico e acham que a sociedade deve estar ao seu serviço. Como não têm objectivos de longo prazo e aplicam uma lógica de desenvolvimento baseada no Estado, a elaboração do orçamento consiste primeiro em definir o que gastar para resolver problemas de curto prazo e só depois escolhem os impostos a aumentar para cobrir esses gastos.
Deste procedimento resulta sempre o exagero da despesa pedida por cada ministro. O OE2024 aumenta muito a despesa, em 10%, uma opção pró-cíclica que é reconhecida como errada, desprezando a necessidade de poupar na fase em que a economia se encontra. Só por estas duas razões já seria importante que o OE2024 não fosse aprovado nem implementado.
Daqui resulta também que como não há qualquer estratégia que oriente as políticas e que dê coerência entre as suas opções, a solução preferida pelos socialistas, a que corresponde à sua permanente preocupação com a imagem que têm perante os eleitores, é apresentar programas e medidas avulso onde o dinheiro dos portugueses é “enterrado” sem qualquer avaliação ou preocupação com as consequências que não são visíveis publicamente.
A imagem acima de tudo
Mesmo a bandeira das “contas certas” não é mais do que uma preocupação com a imagem. Os socialistas quiseram, ao longo dos últimos anos, desligar-se da imagem de Sócrates, da corrupção e do gastar sem limites – autoestradas, estádios, parque escolar, etc. – que conduziu Portugal à bancarrota.
Esta opção foi tomada não por causa da despesa, pois continuaram a gastar anualmente cada vez mais dinheiro, mas por uma questão de mudança de imagem perante o eleitorado (no que se refere à corrupção perceberam agora que foram 8 anos desperdiçados). É por isso que surge o discurso das “contas certas” e as preocupações anuais com o saldo orçamental que os socialistas desprezavam quando voltaram ao poder.
Os factos comprovam que os socialistas continuaram o “forrobodó” do despesismo e não acautelaram o futuro. Como já aqui escrevi várias vezes, a divida pública aumentou brutalmente desde 2015, em mais de 50 mil milhões de euros, e o seu custo em juros tem estado a aumentar ao ritmo da subida das taxas de juro (em 2024 deverá crescer mais 600 M€). A ilusão causada pela descida da divida pública em percentagem do PIB deve-se essencialmente ao crescimento da inflação, que não é controlada pelo governo socialista.
Para além de gastarem muito, os socialistas gastaram mal precisamente porque as decisões de despesa são feitas a pensar no imediato e sem qualquer objectivo de longo prazo. As opções na TAP, na Efacec, na indústria de defesa ou no Banco de Fomento comprovam-no. A despesa não produtiva, como a que é gasta em canetas e papel para fotocópia, aumentou a módica quantia de 30 mil milhões de euros em apenas 7 anos (até 2022).
A despesa produtiva, que garante retorno no futuro e por isso responde aos problemas estruturais, foi desprezada pelos socialistas. Entre 2016 e 2022, segundo o Conselho de Finanças Públicas, e apesar de toda a retórica com que costumam enganar os portugueses, os socialistas desinvestiram no Estado quase 10 mil M€. Note bem: em vez de investir, desinvestiram, e fizeram-no com o apoio de comunistas e neo-comunistas do PCP e do BE.
Isto significa que, ao contrário da despesa supérflua, o investimento público realizado foi muito insuficiente para compensar a depreciação dos equipamentos geridos pelo Estado. Escolas, hospitais, tribunais, esquadras de polícia, quartéis de bombeiros, material militar, laboratórios e outros equipamentos sofreram um desinvestimento brutal sob gestão socialista.
É por isso que o governo fez tanta questão no PRR. Como optou por gastar mal e como os problemas se começaram a tornar demasiado evidentes, o governo aproveitou as necessidades da pandemia para receber mais dinheiro dos países europeus e está agora a tentar usá-lo para substituir o desinvestimento que fez no país nos últimos 8 anos.
Mas a confusão que existe na gestão combinada do Portugal 2020, que está a terminar, do Portugal 2030, que está a iniciar-se, e do PPR, que tem enormes atrasos e falhas de execução, não são promissores para que haja uma recuperação dos anos que foram desperdiçados. A mudança de governo e de políticas é a última esperança.
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