PIB excelente, mas Estado ainda deficiente

Crescimento do PIB foi notável, mas calminha com o entusiasmo: porque há ainda muito por fazer, a começar no Estado.

A vida parece correr bem ao Governo. Depois de um arranque titubeante no final de 2015 e de um ano de 2016 globalmente sofrível (e pleno de duplicidade e de falta de transparência do executivo), a evolução neste início de 2017 tem sido muito positiva e os números do PIB no primeiro trimestre aí estão para a confirmar.

O crescimento do PIB nos primeiros três meses do ano foi, de facto, notável. É a maior taxa de crescimento homóloga desde 2007 e, segundo o comunicado do INE, resultou do contributo dos vários motores da economia portuguesa: da procura interna, mas também da procura externa.

Assim, à luz do que tem sido a evolução económica de Portugal nos últimos dez anos, os dados só podem surpreender pela positiva. É certo que a taxa de crescimento resultou de um importante efeito de base, ou seja, a variação homóloga de 2,8% no primeiro trimestre de 2017 teve como ponto de partida um primeiro trimestre de 2016 fraquinho. E também é certo que a conjuntura externa ajudou a puxar pelas exportações, tendo Portugal beneficiado da política orçamental mundial que em 2016 passou a ser expansionista, depois de vários anos em sentido inverso.

Porém, no balanço, e é isso que mais importa valorizar, os portugueses souberam aproveitar a conjugação de factores e fizeram pela vida. Ainda bem. Mas, dito isto, calminha com o entusiasmo: porque há ainda muito por fazer, a começar no Estado.

Vive-se hoje no país uma sensação de descompressão – ou de distensão, segundo o Presidente da República – que, cada vez mais, vai à boleia do clima económico internacional e da exuberância irracional que se vai vislumbrando nos mercados financeiros. E a política, como bem sabemos, é exímia em alimentar-se de estados de espírito. Mas ao ler as reacções aos números do primeiro trimestre, não deixo de me questionar sobre o nosso (baixo) nível de expectativas.

Por exemplo, será que estes 2,8% são assim tão extraordinários quando aqui ao lado, em Espanha, a economia cresce acima de 3% há oito trimestres consecutivos? Mais: será esta nossa recuperação – que começou no final de 2013 e que desde então se tem traduzido numa progressão homóloga média de 1,5% – suficiente a fim de permitir a convergência económica e social de Portugal face à Europa? Mais ainda: será a formação bruta de capital fixo da economia portuguesa, que parece limitada a crescimentos homólogos de 5%, adequada ao “upgrade” das empresas nacionais e da sua competitividade internacional? E será que esta recuperação se está a traduzir no aumento do rendimento disponível das famílias e no reforço da sua taxa de poupança? A todas estas questões, a minha resposta é “não”.

A falta de investimento é, hoje, o principal obstáculo ao crescimento da economia portuguesa. Mas a montante da falta de investimento reside um problema ainda maior: a falta de poupança. É por isso que é tão importante a disciplina orçamental do Estado, que há muito contribui negativamente para o aforro global da economia, bem como da capacidade de poupança do sector privado.

A este respeito, importa sublinhar que o aforro das famílias portuguesas não chega hoje a 5% do rendimento disponível. Trata-se de um valor historicamente muito baixo e que compara muito mal com os valores registados noutros países da Europa, como a nossa vizinha Espanha, e em geral com os países da zona euro, onde em média a poupança representa cerca de 12% do rendimento disponível.

Esta evidência revela duas coisas:

  1. O custo de vida em Portugal é alto, atendendo ao nível de rendimentos da população
  2. As medidas expansionistas deste Governo (reposição de salários na função pública, eliminação da sobretaxa de IRS e aumento de 10% do salário mínimo nacional) em nada melhoraram a taxa de poupança.

Estamos, assim, perante uma espécie de quadratura do círculo. Como sair disto?

A importância da poupança no financiamento da economia é crucial. Como bem explica o livro “Poupança e Financiamento da Economia Portuguesa” (de Fernando Alexandre, Luís Aguiar-Conraria, Pedro Bação e Miguel Portela), o nível de poupança interna tem de ser pelo menos equivalente ao nível de investimento de um país, de modo a evitar-se o endividamento externo.

Ora, esta capacidade líquida de financiamento foi atingida em Portugal com o programa de ajustamento da troika – o equilíbrio externo, para já, parece manter-se –, embora num patamar de investimento tão insuficiente (cerca de 15% do PIB) que não permite a convergência económica de Portugal face à Europa. Que inviabiliza o crescimento dos salários à medida dos ganhos de produção e de produtividade (como alternativa sustentável ao insustentável aumento do salário mínimo a 5% ao ano).

O investimento empresarial em Portugal ronda hoje os 18 mil milhões de euros. O sector apresenta capacidade líquida de financiamento, gerando poupança equivalente ao investimento realizado. Porém, observando o rácio entre investimento empresarial e volume de negócios (em Portugal cerca de 5%), estamos muito abaixo dos níveis exibidos noutras economias. Precisamos de mais e aqui o papel do Estado não é despiciendo. Porque o Estado é o único sector institucional que continua a evidenciar necessidades líquidas de financiamento, restringindo a poupança dos demais. E também porque a administração pública continua a falhar-nos noutros domínios.

Se há tema que ao longo dos anos tem perpassado os meus textos, ele é o tema do Estado cumpridor. Isto passa pelo comportamento irrepreensível das entidades públicas em matéria de pagamentos ao sector privado – coisa que infelizmente não sucede (na verdade, chega a ser vergonhosa a acção do Estado português nesta matéria). E passa também pela eficiência do Estado na contratação pública e no exercício da regulação económica.

A este respeito, destaco a recente intervenção da senhora presidente da Autoridade da Concorrência, Margarida Matos Rosa, realizada há dias no âmbito da conferência anual da Rede Internacional da Concorrência, segundo a qual, nas palavras da própria, “a promoção da concorrência e a luta contra os cartéis na contratação pública pode representar poupanças entre 10% a 25% da despesa total (…) uma poupança próxima do défice público nacional”.

A afirmação, que surpreende pelo arrojo e pela determinação, é tanto mais meritória na medida em que:

  • Admite a existência de poupanças significativas nas compras do Estado.
  • Confirma a existência de cartéis na economia portuguesa.
  • Insere-se numa discussão mais alargada, que começa a ganhar tracção em alguns círculos académicos norte-americanos, sobre o impacto da cartelização das economias na distribuição (iníqua) de rendimentos.

Concluindo: há ainda muito por fazer, a começar no Estado.

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